Três anos de guerra

Poucos foram as guerras civis e regionais, pós-Guerra Fria, que tiveram um impacto tão grande no realinhamento geopolítico global, quanto a Guerra na Ucrânia. Uma invasão tão violenta e intensa envolvendo um dos mais poderosos exércitos do mundo, causou mudanças irreversíveis para milhões de pessoas direta ou indiretamente. No último ano de conflito, pouco mudou na configuração territorial no Leste Europeu. Apesar dos ganhos pontuais da Rússia nos oblasts de Zaporizhia e Donetsk, a porcentagem do território ucraniano ocupado pela Rússia continua na faixa dos 21%, e mesmo com ajudas substanciais dos americanos e britânicos no segundo semestre de 2024, o exército de Kiev, pouco impressionou as tropas de Vladimir Putin.

cta_logo_jp
Siga o canal da Jovem Pan News e receba as principais notícias no seu WhatsApp!

Se do ponto de vista territorial as mudanças são mínimas, no aspecto humanitário, a guerra é um enorme exemplo de milhares de vidas jovens perdidas por mais um conflito armado. Mesmo sem dados oficiais confiáveis de ambos os beligerantes acerca do número de mortos, os principais institutos de estudos de guerras no Reino Unido, apontam que o número total de mortos pode facilmente se aproximar do meio milhão de pessoas, somando russos e ucranianos. As perdas ucranianas são superiores no campo de batalha e nas áreas civis, além de ser uma nação que amargou o êxodo de quase 15% de sua população para outros países da Europa. A situação econômica de Kiev é também extremamente preocupante, com a queda vertiginosa do seu PIB, a perda considerável de ricas regiões industriais e a diminuição de sua produção agrícola. Embora o cenário seja extremamente negativo, muitos especialistas apontam que poderia ser consideravelmente pior.

Do lado russo a vitória foi alcançada, mas não nos moldes desejados por Putin, Lavrov ou Shoigu. O modelo político vigente na Ucrânia se mantém e o presidente, mesmo abalado, ainda tem razoável respaldo de sua população. Todas as grandes metrópoles ucranianas, de Kiev a Dnipro, de Kharkiv a Lviv, continuam sob controle do exército nacional e jamais foram conquistadas pelos soldados russos.

O poderoso e incontestável exército de Moscou sofreu perdas massivas em seus recursos bélicos, perdendo milhares de tanques, blindados e aviões militares, assim como, dezenas de milhares de soldados da ativa. A Rússia se tornou a nação mais sancionada do mundo e conseguiu destruir três décadas de boas relações diplomáticas com o Ocidente em apenas uma manobra militar. Ainda é uma vitória? Obviamente que é, mas a qual preço?
Enquanto os soldados ainda continuam guardando suas posições e civis ainda buscam abrigo durante os ataques aéreos, o novo presidente norte-americano, negocia sozinho o futuro da Ucrânia. Donald Trump, após descarregar inúmeras ofensas pessoais ao presidente Zelensky, tenta comprometer o governo de Kiev a conceder bilhões de dólares em recursos minerais como colateral para os gastos militares norte-americanos.

A posição de Washington mudou tão drasticamente que até em votação de uma resolução nas Nações Unidas, no dia de hoje, aniversário de três anos da guerra, os americanos se recusaram a garantir a integridade territorial da Ucrânia e discordaram do uso da palavra “invasão”. A retórica, as decisões e planos de Donald Trump para essa guerra ultrapassaram a simples benevolência para com a Rússia, e adentraram o terreno de legitimar uma condenação da Ucrânia e seu povo.

Hoje, na capital americana, o presidente Emmanuel Macron, pediu para que os Estados Unidos encabecem mediações que não signifiquem a rendição completa da Ucrânia, ressaltando que há valores que a nação norte-americana e os europeus ainda compartilham, por mais que Trump pareça os ter esquecido. Volodymyr Zelensky se comprometeu a entregar seu cargo em troca da paz, caso necessário, enquanto os russos deixam claro que querem a finalização completa do conflito, ao invés de um cessar-fogo temporário.

É fato que ucranianos e russos estão exaustos de manter o status quo, guardar suas posições em trincheiras e torres por meses, enquanto suas famílias sabem o quão pouco provável é ver os seus regressos a casa. Todavia, a paz, que será arduamente negociada em 2025, tende a ser um dos eventos geopolíticos de maior relevância desde o fim da Guerra Fria. Conceder a Ucrânia e aos uses 40 milhões de habitantes uma paz justa, digna e que não puna coletivamente toda uma nação é uma obrigação de toda a comunidade internacional para evitar com que em um futuro próximo, sejamos obrigados a assistir as mesmas tragédias na Armênia, Taiwan, Eritreia, Guiana, ou em qualquer outro país do mundo.

Parece ser difícil crer em justiça quando Putin e Trump decidem o futuro do planeta, mas assim como os ucranianos não perderam a esperança depois de 3 duros invernos, devemos também continuar a acreditar.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.