Paulo Betti lança autobiografia e descarta carreira política: ‘Eu seria bom demais’

Paulo Betti tem uma trajetória pública que se mistura à história da televisão brasileira. Aos 72 anos de idade, o ator fez dezenas de novelas da Globo nas últimas décadas e reconhece que, embora sua posição política forte não agrade a todos, o reconhecimento por seu trabalho é quase unânime.

“Eu estou com essa pretensão de que o público gosta de mim [risos], com exceção dos haters, que são a minoria. Creio que tem uns 20% que diz assim: ‘Não gosto dele, mas mesmo assim o acho ótimo’ [risos]. Muita gente me diz que não gosta das minhas posições, mas adora o meu trabalho”, declara o veterano em entrevista ao quadro “IstoÉ Gente como a Gente” — projeto da IstoÉ que aborda características ainda desconhecidas de personalidades brasileiras.

Protegido por um galho de arruda posicionado atrás da orelha direita, o ator chegou ao estúdio pronto para abrir o coração sobre tudo, a começar pela infância na senzala de um quilombo localizado no interior de São Paulo, passando por uma adolescência difícil em meio ao regime militar, até a chegada à fase adulta, em que se consagra ator e galã de TV.

Tais passos desta caminhada pela vida de Paulo Betti foram relatados em sua autobiografia autorizada, que chegou às livrarias no último dia 13.

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Ator Paulo Betti lançou autobiografia há menos de 1 mês

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Abertamente defensor da esquerda progressista, o artista tem uma vida política ativa desde a juventude e atualmente usa o engajamento das redes sociais para alavancar projetos democráticos. Apesar disso, Paulo descartou convites para entrar de vez nesse mundo e explica a razão.

“Uma vez, o PT me lançou lá no Rio, mas eu percebi, quase por uma anedota, que eu não ia conseguir ser político, porque eu já tenho esse caráter populista. Então, eu seria um político muito populista. Um dia, eu estava andando, um peixeiro me acenou e eu o abracei. Foi quando me deu um insight de: onde isso vai parar? [risos]’. Então, achei que não seria um político profissional, porque seria bom [no sentido de bondoso] demais [risos]”, relata.

Bem-humorado, Paulo Betti não se esquiva ao ser questionado sobre quatro das suas ex-companheiras, Eliane Giardini, Maria Ribeiro, Mana Bernardes e Mariana Melgaço. Vivendo o quinto relacionamento mais duradouro, desta vez com a humorista Dadá Coelho, o ator admite que levou por um tempo essa fama de se divorciar.

“Lá, no Piauí, uma mulher muito simpática e divertida disse: ‘Cinco casamentos, hein, Paulo? Você devia tentar com homem, porque com mulher você já viu que não dá certo [risos]”, dispara.

Leia a entrevista na íntegra:

IstoÉ Gente: O que você quis passar para o público sobre a sua vida e a da sua família na autobiografia?

Paulo Betti: Analisando as circunstâncias da minha família, aquilo que estava acontecendo, meu pai, minha mãe teve 15 filhos e eu fui o 15º, temporão. Quando eu nasci, minha mãe tinha 45 anos. Ela tinha ficado dez anos sem dar à luz e apareci aos 45 do segundo tempo. Eu precisei justificar para mim mesmo que a minha história tinha alguns aspectos singulares que mereciam ser contados. Eu nasci em uma senzala. Os italianos, os meus avós que vieram para o Brasil, em uma das primeiras correntes imigratórias italianas, eles vieram para substituir os escravizados.

Eles vieram dentro de um projeto do governo brasileiro de embranquecer o Brasil, tinha acabado a escravidão e o Brasil queria ser branco, não queria ser negro. Então, o governo fez uma campanha forte na Itália para que eles viessem para o Brasil, que aqui eles iam encontrar condições extraordinárias. Meus avós não tiveram condições extraordinárias, tanto que quando eu nasci, muito tempo depois, eles habitavam uma antiga senzala em Capivari.

Eu fui criado em uma espécie de quilombo em Sorocaba. Era um bairro, a vila existe até hoje, mas naquela época as características eram de 95% da população de negros. É uma homenagem aos meus ancestrais, quer dizer, ao meu avô, que atravessou o oceano em 30 dias num navio e que veio aqui e trabalhou de sol a sol, feito um mouro, como se dizia, carregando o tronco nas costas. A minha avó, que veio junto com ele, a minha mãe, meu pai, meus irmãos. Foi o desejo de ter o meu próprio monólogo honrando a minha ancestralidade.

O tanto que, ter crescido nesse ambiente, te moldou para ser uma pessoa com mais consciência de classe?

PB: A minha mãe era empregada doméstica e ela me levava na casa onde ela trabalhava. Eu tinha cinco anos. E ali minha mãe conseguiu me encaixar numa creche de tempo integral, em uma escola pública estadual. Isso foi a salvação da minha vida, porque, a partir daí, passei a entender como era escovar os dentes, como que era comer, o que fez com que eu tivesse um bom desenvolvimento social. Depois disso eu já fui direto para o primário, também dentro dessa mesma escola.

Depois eu fui para um preparatório, depois fui para um ginásio industrial. Fiquei cinco anos, porque eu repeti um, em um ginásio industrial, aprendendo noções de eletricidade, de madeira, de coisas que acho essenciais a gente entender. Isso me ajudou muito na minha carreira como ator, como diretor, entender o trabalho do cara que faz a iluminação, o eletricista, como que usa uma chave de fenda, o serrote, o martelo, o prumo, o nível. Quer dizer, eu sempre fui muito atento para isso.

Também tive a oportunidade, na minha infância, meu pai era servente de pedreiro, então ele me levava para ajudá-lo junto com o pedreiro, porque o servente é o cara que leva a massa, leva o tijolo, e o pedreiro é o que assenta, que faz a parede. E eu vibrava, então, com o trabalho desse pedreiro zelão. O fato da minha mãe ser analfabeta e dos meus irmãos também terem muito pouco, vamos dizer assim, letramento, meu pai sabia ler e escrever, mas os meus irmãos fizeram muito pouca escola, aquele curso rural e tal. De uma maneira ou de outra, eu fui assumindo que era eu que ia contar a história deles.

Me parece que eles queriam isso. Eu reparo, depois, com o tempo, reparava que aqueles meninos com quem eu brincava na rua não eram os mesmos com quem eu brincava na escola. Então, já que aquela escola também era uma escola, vamos dizer assim, excludente, excluía principalmente os negros. A minha história com os negros é realmente algo excepcional dentro da minha formação. Porque, quando eu era menino, eu ia de bicicleta onde meu avô trabalhava e o meu avô trabalhava para um fazendeiro negro, um proprietário de terras negro. Isso era raro, hoje não mais. Então, eu via a casa grande do ponto de vista da senzala, fui criado na roça.

Minha mãe dizia: “Não mexe com política, não entra na política”. Minha mãe não gostava, tinha medo, ela devia ouvir o que acontecia, porque as pessoas estavam desaparecendo, tinha gente que estava entrando na luta armada e tudo mais. Então, eu me lembro de adolescente, no ginásio, eu não gostava daquela gente que estava no poder. Aquela gente que estava no poder eram os militares. O Bedel, da escola, ele vinha querer ver se eu estava com o cabelo muito comprido. Era um cara meio agressivo, falava de uma forma grosseira. A gente se formava para cantar o hino. Podia ser simpático, mas era uma coisa meio opressiva.

Então, fui desenvolvendo uma ojeriza por aquele tipo de gente que [falava]: “Esse cabelo aí é coisa de pederasta da televisão”, porque a gente queria deixar o cabelo comprido, tinha os Beatles. Então, comecei a perceber que não gostava daquela gente. Depois, quando entrei na escola de teatro, já com os meus 20 anos, mais ou menos, eu percebi que tinha a censura. Você fazia uma peça, tinha que submeter a peça à censura. Você tinha feito um trabalho de meses elaborando aquilo e eles proibiam.

Não vai mais ator. Prejuízos, decepções. E tudo que nós sabíamos que estava acontecendo, de mortes, desaparecimentos, da violência que estava do regime militar naquele momento. Dentro desse contexto, sendo de onde eu vim, os meus avós lavradores, não tinha muito para onde me encaminhar, a não ser por uma compreensão de vida de esquerda, do Estado exercer uma proteção para o indivíduo, para que ele tenha uma proteção do Estado. Eu precisava que minha mãe tivesse aposentadoria do Fundo Rural.

Você já disse que não gosta de ser neutro em relação à política. Paga um preço alto por isso?

PB: Tudo você paga um preço. Não tem nada de graça. Evidentemente que no Brasil, vamos dizer assim, tem muita gente que gosta muito de mim mesmo, que me respeita, mas tem muita gente que não gosta porque eu estou em posição ideológica contrária a dessa pessoa. Então, eu percebo que talvez isso me limite, de alguma maneira, vamos dizer assim, para fazer comerciais, talvez, ou coisas assim. Talvez possa atrapalhar. A gente paga um preço. Pago um preço.

Não vou dizendo que preço é esse, porque eu trabalhei sem parar, eu trabalho sem parar. Às vezes, tem uma cidade que não quer a minha peça, que a gente oferece, o patrocinador quer que a gente faça nessa cidade. Aí, negam, faz parte. É uma escolha. Quer dizer, o prefeito de algum lugar que não vai contrariar o interesse dele. Nessa campanha, última campanha eleitoral, eu achei que era tão importante essa campanha, porque estaríamos elegendo vereadores e prefeitos, que eu fiz 400 chamadas de vídeo. Eu fiz para 400 candidatos e candidatas diferentes. Desde que fossem progressistas, desde que tivessem compromisso com o meio ambiente. Eu fiz falando o nome dessa pessoa, falando o número e o nome da cidade, e dizendo, olha, pelo meio ambiente, vamos votar.

Então, isso tem um preço também. Quer dizer, fora o trabalho que me deu para fazer, tem estar de um lado. Não consigo ser diferente. Talvez fosse mais fácil e mais tranquilo a minha vida se eu estivesse mais neutro com relação a muitas questões. Mas eu não consigo ver alguma coisa que eu acho que está errada e não falar. Eu não consigo não achar que não exista, que tudo seja igual. Eu acho que existem sempre, do ponto de vista do que vivemos, uma democracia, existem sempre alguma coisa que é melhor que a outra. Então, eu estou sempre envolvido. Nunca quis ser político profissional. Uma vez, o PT me lançou lá no Rio.

Acho que foi em 1990. Mas, eu percebi, quase que por uma anedota, que eu não ia conseguir ser político, porque eu já tenho esse caráter muito populista. Então, eu seria um político muito populista. Eu estava andando, o peixeiro me acenou. Geralmente, eu devolvia o aceno. No dia em que eu era candidato, que tinha uma foto minha no jornal como candidato, eu desci, fui lá e abracei o peixeiro. Quando eu estava abraçado com ele, me deu um insight: gente, onde vai parar isso? Então, eu achei que eu não podia ser político profissional, porque seria bom demais [risos].

Tieta está sendo reprisada atualmente na Globo. Como foi reencontrar esse personagem?

PB: A Tieta passou no mundo inteiro. Portugal, por exemplo, todo ano passava Tieta. Então, realmente marcou muito a minha carreira esse personagem, o Timóteo. Eu acho que nós somos, um pouco, nós atores, todos os personagens que nós fazemos. Não é verdade que a gente guarda o personagem lá e acabou o personagem.

Você fica dez meses convivendo, falando com aquele gesso, daquela maneira, o dia inteiro, com aquele figurino e com aquele texto, tentando ser o máximo possível aquele personagem. Nós damos corpo para o personagem. O autor escreve o texto. Nós temos grandes autores no Brasil, ainda bem. Eu sou assim, a novela foi a vida inteira meu ganha-pão.

Eu fiz muitas novelas e eu sempre gostei de fazer, de estar com as pessoas nos camarins, das conversas, de estar encarando os personagens, de estar vivendo aqueles personagens, criando trejeitos para aqueles personagens. O seu olhar faz com que eu seja aquilo que você vê. Então, você pode me ver como o Timóteo.

Então, eu sou o Timóteo. Eu devo ter feito diversas expressões agora que te lembraram o Timóteo e outros personagens que você me viu fazendo. “Théo Pereira também, querida. Só que não cheguei aos termos finais. Eu fiz a pesquisa, mas nessa encarnação, creio, não sei, não posso dizer se a água não beberei”.

Tem algum personagem que você se recusaria a fazer?

PB: Não, eu acho que são personagens e entendendo-os dentro do contexto em que eles estão inseridos, você percebe o que é, quero fazer só o bonzinho ou o cara correto. Nós somos cheios de imperfeições, mas não tenho nenhum que eu não deseje fazer.

Você estava no elenco principal de “Amor Perfeito”, em 2023. Como foi viver um papel de destaque na TV já com mais de 70 anos?

PB: Eu tenho uma relação muito boa com a novela. A cada momento, aquela equipe que se forma, que fica dez meses junto. Antes eu tinha feito “Órfãos da Terra”, uma novela anterior, que eu fazia par com a Eliane [Giardini, ex-esposa] e vivemos um momento difícil, perdemos um neto nesse momento em que estávamos atuando e ao mesmo tempo vivendo esse drama familiar. Então, é sempre muito bom.

Eu já fui mais invocado, briguento. Hoje me sinto tão privilegiado de estar fazendo uma novela, trabalhando, atuando, sendo visto, e eu estou com essa pretensão que o público gosta de mim, modestamente falando [risos], com exceção daqueles haters, que são assíduos, mas são grande minoria. Eu creio que tem uns 20% que falam assim, não gosto dele, mas, mesmo assim, acho ele ótimo.

Muita gente me fala isso. Apesar das suas posições, eu gosto muito do seu trabalho de ator.

Falando em Eliane Giardini… como é a sua relação com suas ex-esposas?

PB: Eu e a Eliane nos encontramos no teatro, com 18 anos. A gente se encontrou no teatro, jovens, idealistas, e tive a sorte de contar, de vir para São Paulo, nessa grande viagem que é Sorocaba, São Paulo, de estar acompanhado, de ter uma companheira. Nós tivemos uma relação de 25 anos, um casamento bíblico. Então, eu tive essa sorte de ter conhecido a Eliane.

Eu estava separado da Eliane e conheci a Maria [Ribeiro] e tenho um filho lindo com a Maria. Foi também uma coisa muito bacana. O que eu fico feliz é de poder manter esses relacionamentos ainda num grau de saudabilidade, entendeu? Que a gente conversa, deseja o bem um do outro. Eu pensei hoje que eu tive cinco relações mais longas: Mana Bernardes, Mariana Melgaço, querida, a Maria, Eliane e agora a Dadá.

Lá, no Piauí, uma mulher muito simpática, divertida, disse: ‘Cinco casamentos, hein, Paulo? Você devia tentar com homem, porque com mulher você viu que não dá certo [risos]. É engraçado, não é? Mas eu acho que tudo deu certo, sim.

E com a Dadá Coelho, vai ter casamento?

PB: Olha, pode ser… Ela cobra isso, gozado, mas ao mesmo tempo ela dá uma desculpa dizendo que não, porque eu não quero virar Paulo Coelho [risos].

O que faz o Paulo Betti ser gente como a gente?

PB: Eu sempre tive o pé no chão, sempre fui obrigado… por exemplo, eu não podia ser um jovem extraviado, digamos, ou complicar a vida dos meus pais. Eu sempre achei que eu tinha que ajudar eles a passar pelas situações que eles estavam passando. Não podia ser revoltado, me revoltar contra os meus pais. Eu tinha que ser colaborativo com eles e percebia as dificuldades que eles tinham.

Acho que eu adquiri algum olhar para o outro, prestar atenção um pouquinho no que o outro está querendo, no que o outro é. Acho que nessa minha luta, militância que eu tenho, tem muito isso. Quer dizer, o desejo de pensar na minha gente, na escola, na importância da escola. Acho que é o que todo mundo quer, é o que todo mundo acha importante, que a gente faça tudo o que nós podemos ser, sejamos tudo o que possamos ser, se a gente for intenso, as coisas acabam se resolvendo.

Eu tinha um professor de teatro que falava: “Não se poupe, não se poupe”. Eu fico pensando, quando eu comecei a vir para São Paulo, eu entrava às 8h na indústria Votorantim, no escritório lá na Praça Ramos, saía às 18h, pegava o busão e ia até a Cidade Universitária, uma hora e meia de ônibus. Lá eu fazia o meu curso noturno e no outro dia era tudo a mesma coisa. Acho que isso entranhou em mim de uma forma muito forte, o batente, sempre correndo atrás para pagar os boletos, conforme diz a Dada.

O que você mudaria na sua vida se pudesse?

PB: Não tem como, porque as coisas acontecem sem que a gente tenha controle. Eu tive muita sorte. Eu acho que fui abençoado. Fui abençoado por diversas circunstâncias. O Nelson Rodrigues dizia que se você não tiver sorte você não consegue nem atravessar a rua para comprar um picolé do outro lado, porque vem um carro e te atropela.

Eu tive sorte de me verem, de sobreviver. Já logo no parto, foram três dias de parto, meu parto foi tumultuado e minhas irmãs me protegeram. Tive sorte de ter um contexto familiar sofrido, mas muito amoroso. Meus pais eram pessoas muito amorosas. Meu pai e minha mãe se amavam. Ele tinha problemas psiquiátricos e ela nunca o abandonou.

Eu vi essa gente junto, meus irmãos também. Tive muita sorte. Então, não sei, eu não mudaria muita coisa, não. Mesmo porque eu sou meio prático e eu sei que não dá para mudar.

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