‘Sou sobrevivente’, diz motoqueiro preso após ser confundido com assaltante

“Foi um dos piores dias da minha vida”. Isso é o que diz o motoqueiro de aplicativo Thiago Marques Gonçalves, de 24 anos, sobre o ataque a tiros que ele e o estudante Igor Carvalho, de 31 anos, sofreram na noite de 23 de fevereiro, no Rio de Janeiro. Eles foram confundidos com assaltantes e precisaram fugir dos disparados feitos por Carlos Alberto de Jesus, policial militar reformado.

“Eu sou pai de duas crianças, trabalhador. Trabalho desde os meus 13 anos de idade. E eu sou isso aí. Sou trabalhador, sou sobrevivente, acima de tudo. A gente quer que o cara que causou isso tudo pague pelo que ele fez. Porque eu paguei por algo que ele fez. Eu fiquei preso”, disse em entrevista ao programa Fantástico, da TV Globo.

Tudo aconteceu depois que o estudante pediu uma moto por aplicativo para ir embora do seu trabalho, uma casa de samba da Zona Norte do Rio de Janeiro. Depois de buscar Carvalho, o motorista notou uma perseguição suspeita ao seu veículo.

“Eu olhei pelo retrovisor e vi um carro vindo daquela direção em alta velocidade. Eu abri passagem para ele… Ele pareou do nosso lado e diminuiu a velocidade. Aí eu vi o momento em que ele botou o revólver para fora, eu falei: ‘Deve ser uma tentativa de assalto’. Quando eu ouvi o disparo, eu me joguei no chão. Foi onde eu e o Igor caímos”, afirmou Gonçalves.

Carvalho também relembrou a situação: “Ele tentou atirar mais de uma vez. Quando saiu esse tiro, eu senti uma queimação aqui atrás, o motoqueiro, ele ficou desesperado em si. Ficou desesperado e a moto caiu. A gente percebeu que o farol do freio ligou e da marcha ré também. A gente falou: ‘Cara, ele vem atrás da gente. Vamos correr’.”

Na sequência, o motoqueiro decidiu pular do viaduto ao lado, de quatro metros de altura. Então, o estudante o acompanhou: “Falei: ‘Ô, Tiago, não me abandona. Não me abandona, não, porque senão eu vou morrer. Não me abandona. Por favor, não me deixa aqui’. E ele falou: ‘Não, cara, eu não vou te abandonar. Eu vou ficar contigo até o final’. E ficou também aquele clima de desconfiança. ‘O que tu fez para esse cara?’ ‘Pô, Tiago, eu não fiz nada. Mas e tu? O que você fez?’. ‘Eu também não fiz nada’.”

Em seguida, os dois perceberam que o estudante tinha sido baleado. Ele ligou para dois colegas de trabalho, que rapidamente chegaram para socorrê-lo. Enquanto isso, o motorista viu alguns carros de polícia e foi buscar ajuda. Foi então que ele reconheceu o autor dos disparos, que estava junto com os policiais. “Me levaram para a delegacia”, explicou. Então, ele ficou preso por dois dias por roubo.

O estudante descobriu que estava sob custódia de dois agentes policiais, também por roubo, enquanto estava internado. “Qual crime eu cometi? Crime de trabalhar? O crime de ser preto? O crime de estar em cima de uma moto de madrugada? Eu não entendi o porquê. Não entendi.”

O advogado de Carlos Alberto de Jesus, André Rios, afirma que seu cliente estava atendendo a um pedido de ajuda de Josilene da Silva Souza, namorada dele, que teria sido assaltada. “Ele deu voz de parada: ‘Parem, é a polícia, parem’. Eles não obedeceram à voz de parada, fizeram o movimento brusco que leva a crer, que poderia sacar uma arma. Naquele momento, ele achou melhor agir para preservar a sua própria vida e a de terceiros.”

A mulher deu dois depoimentos à polícia. No primeiro, ela afirmou que foi roubada por um homem armado, de camisa amarela, na garupa de uma moto. Ela reconheceu Carvalho como o assaltante, e disse que ele havia sacado uma arma contra seu rosto. Ela também disse que Gonçalves teria feito disparos de arma de fogo durante a abordagem de Carlos Alberto.

No entanto, em outro depoimento, dado no dia seguinte, ela disse ter visto um volume na cintura do estudante e que, por isso, deduziu se tratar de uma arma. O advogado da mulher não quis se pronunciar.

O PM reformado também se contradisse sobre o estudante estar armado. “No calor da emoção, devido às circunstâncias, eles podem ter afirmado uma coisa que não viu, mas logo em seguida, tá, essa questão, ela foi corrigida”, disse o advogado.

A Polícia Militar do Rio de Janeiro disse que Carlos Alberto de Jesus está aposentado desde 2020 e não tem uma arma da corporação. Ela também disse que o caso está em investigação na corregedoria. A Polícia Civil afirmou que investiga a responsabilidade do casal pela comunicação do crime e pelas inconsistências nos depoimentos.

O motoqueiro não trabalha desde o dia em que foi preso, pois perdeu o celular no dia em que fugia dos tiros e precisou mandar a moto para ser arrumada. O estudante perdeu um rim e passou por uma cirurgia para reparar o estômago e a musculatura das costas. Ele também está passando por tratamento psiquiátrico.

“Fisicamente, graças a Deus, eu vejo que eu tô muito bem. Muito bem mesmo. Mas psicologicamente, acho que a reconstrução vai ser muito grande ainda. E muito árdua. Eu sinto que eu nasci pra ser jornalista. Eu vou conseguir. Eu sou muito alegre e muito feliz. Eu acho que agora o meu maior medo, assim, é… Eu espero que não, mas é perder essa alegria”, disse.
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