O filme “Geni e o Zepelim”, adaptação de canção homônima clássica de Chico Buarque, não será mais protagonizado pela atriz Thainá Duarte, 28. A mudança de elenco acontece após comentários acusarem a produção de “transfake”, — termo que se refere à prática de atores cis interpretando papéis trans. Em montagens inspiradas na obra que já rodaram o Brasil, Geni era caracterizada como uma mulher trans.
Segundo a produtora responsável pelo filme, Migdal Filmes, uma atriz trans será escolhida para o papel. “A produção do longa ‘Geni e o Zepelim’ tomou a decisão de redesenhar o projeto”, diz a nota divulgada nas redes sociais.
“A decisão coletiva foi fruto da escuta atenta e do aprendizado de intensas trocas com pessoas de diferentes setores da sociedade. Compreendemos que o momento político global, e em especial o cenário transfóbico no Brasil, impõe a todas as pessoas uma postura ativa e comprometida. Consideramos que esta mudança de abordagem da identidade de gênero da personagem no filme é a atitude acertada.”
A produção, então, agradece o apoio de Thainá Duarte na decisão, chamando-a de uma “atriz de grandeza e talentos únicos”.
Thainá Duarte e a diretora do projeto Anna Muylaert também se pronunciaram. A cineasta chega a admitir que a escalação de uma atriz cis foi um “equívoco” e que uma outra artista deve ser anunciada em breve.
“Ouvi muitas vozes e pude entender a dimensão da importância dessa personagem para a comunidade trans. Fazer essa história com uma mulher cis foi um erro, um equívoco. Quero pedir desculpas a todas as pessoas que se sentiram apagadas por causa dessa ideia. Eu tive uma visão errada. Vamos mudar o rumo das coisas, vamos trocar a personagem e adaptar o roteiro”, diz Muylaert.
Por fim, ela pede desculpas à Thainá: “Por causa de uma ideia minha ela foi exposta a haters na internet”.
Em vídeo, a atriz diz que sente muito que a escolha tenha machucado tanto a comunidade trans. “Agora eu entendo melhor o tamanho dessa reivindicação. Estou me colocando do lado de quem está ferido. Reconheço o lugar de fala, a urgência e a dor de estar pedindo pelo mínimo, que é respeito”, disse a atriz, em vídeo.
A artista também fez um apelo para que o público pare de atacá-la.
“Isso não justifica alguns dos ataques que recebi, como ‘transfóbica oportunista, você é nojenta, você merece morrer’. Mensagens que supunham que eu não estava aberta para o diálogo. E eu estou. Está doendo bastante. E eu espero que a atriz que interprete a Geni faça tão bem, que isso possa sanar um pouco a dor que estamos sentindo.”
No vídeo publicado em suas redes sociais na quarta (16), Anna Muylaert (mais conhecida por “Que Horas Ela Volta” e “A Melhor Mãe do Mundo”) havia explicado que a personagem vivida por Thainá Duarte em seu filme não seria trans, e sim uma prostituta cis, moradora na Amazônia.
Durante o processo de criação deste filme, a gente entendeu que a letra do Chico e o conto do [autor francês] Guy de Maupassant, Bola de Seda, no qual o Chico diz ter se inspirado, poderiam ter várias leituras: poderia ser uma mulher trans; poderia ser uma mãe solteira; poderia ser a Fabiana Silva da Favela do Moinho, uma carroceira; poderia uma presidente tirada do poder sem crime de responsabilidade; poderia ser uma floresta atacada diariamente por oportunistas”, disse Anna.
“E a gente por uma questão de lugar de fala, escolheu fazer uma prostituta cis na Amazônia”, acrescentou ela. ” A gente entendeu que essa poesia poderia ter várias interpretações, e que a gente poderia fazer essa versão amazônica cis com a atriz Thainá Duarte.”
Famosos se pronunciam
Nos comentários da publicação mais antiga de Anna, diversos famosos criticaram a posição da diretora.
A cantora Liniker, uma mulher trans, escreveu: “Todo respeito ao trabalho de Tainá Duarte, mas quando trazemos a reflexão em nossos textos desde que saiu essa matéria e nos posicionamos pelo apagamento, é por espaço e oportunidade que nos colocamos, por termos atrizes trans que poderiam sim dar vida a essa personagem tão icônica e já retratada tantas vezes como uma pessoa trans em montagens pelo Brasil.”
A atriz Camila Pitanga também opinou: “Você pode fazer o filme que quiser, com certeza… mas pondero que esta interpretação serve, sim, ao apagamento doloroso de mulheres trans. São poucos personagens com esse protagonismo, entende? É uma escolha que fere. Ah, eu amo como filha a Thainá e amo acompanhar o seu trabalho e voz. Bom debate. Obs: cuidado com o argumento de liberdade de expressão, de interpretação… tem um campo inimigo que usa a beça esse léxico.”
Gabriela Medeiros, atriz trans que interpretou Buba no remake de “Renascer”, também falou sobre o assunto: “São anos e anos de apagamento da nossa comunidade Anna. Essa personagem é forte para nós. Sendo que ela é sim uma pessoa trans. Somos apagadas da cultura. E esse papel ser interpretado por uma de nós, é uma retratação importante… Geni mora no coletivo do imaginário do povo brasileiro.”
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*Com informações de Fernanda Pinoti, da CNN.
Este conteúdo foi originalmente publicado em Após polêmica de transfake, Thainá Duarte não será mais Geni em filme; veja no site CNN Brasil.