Reconhecer soberania russa na Crimeia pode ser ‘catastrófico’, alertam analistas

Reconhecer a anexação russa da península da Crimeia, no Mar Negro, abalaria a ordem internacional e provocaria sérios desafios jurídicos, alertaram analistas, após o Kremlin afirmar que a medida é imperativa para solucionar o conflito.

A declaração de Moscou aconteceu no momento em que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, pressiona a Rússia a aceitar um cessar-fogo, depois de declarar no domingo que acredita que seu homólogo ucraniano, Volodimir Zelensky, poderia ceder a Crimeia como parte de um acordo.

Zelensky rejeitou categoricamente a possibilidade.

Analistas expressam preocupação sobre a legalidade de qualquer entendimento, o que marcaria uma mudança monumental na ordem internacional estabelecida após a Segunda Guerra Mundial.

“A mensagem que envia é que pode ser rentável, pelo menos para as grandes potências, violar a proibição do uso da força”, comentou Lauri Malksoo, professor de Direito Internacional da Universidade de Tartu, na Estônia.

– “Consequências catastróficas” –

Depois de 1945, os países estabeleceram regras para defender o direito internacional e deixaram claro que as fronteiras não podem ser alteradas à força.

Por isso, “em 80 anos não houve casos em que um país ampliou seu tamanho ao tomar militarmente o território de outro”, disse Phillips O’Brien, professor de Estudos Estratégicos da Universidade de St Andrews.

O Kremlin apresentou a demanda por um entendimento com a Ucrânia que inclua a Crimeia, que Moscou tomou em 2014 em uma operação relâmpago, além de quatro regiões que anexou após sua invasão de 2022, apesar de não controlar as áreas por completo.

Kiev denunciou as anexações como uma tomada ilegal de territórios. Analistas alertam que aceitar as demandas de Moscou estabeleceria um precedente perigoso que levaria a futuras agressões russas.

Obrigar a Ucrânia a reconhecer a soberania russa sobre a Crimeia seria um “retorno ao direito de conquista”, afirmou Elie Tenenbaum do Instituto Francês de Relações Internacionais.

E as consequências poderiam ir muito além do conflito na Ucrânia, afirmou Michel Erpelding, do Instituto Max Planck da Alemanha.

O precedente teria “consequências extremamente desestabilizadoras, até catastróficas, para a paz mundial”, declarou Erpelding à AFP.

– “Sob pressão” –

O governo dos Estados Unidos indicou a disposição de reconhecer a anexação russa da Crimeia, mas há um debate sobre se um acordo neste sentido seria válido, inclusive com a assinatura da Ucrânia.

“Ao menos a princípio, os tratados produzidos sob coerção são inválidos”, explicou Malksoo, que alertou que qualquer acordo assinado por Kiev sob pressão geraria uma batalha jurídica.

Antes de aceitar a soberania russa da península, cada país deve avaliar se Moscou pressionou Kiev a ceder a Crimeia.

E a Ucrânia poderia “utilizar o argumento para contestar a validade de qualquer acordo que possa ter sido pressionada a assinar”, apontou Erpelding.

Washington não revelou detalhes de seu plano de paz, mas sugeriu congelar a linha de frente atual, o que na prática entregaria à Rússia as quatro regiões que ocupa desde que iniciou a invasão, em fevereiro de 2022.

Caso aceite a concessão da Crimeia, a Ucrânia estabeleceria um precedente que “poderia ser usado pela Rússia para tomar o restante do país”, explicou O’Brien.

“É a ponta do iceberg do plano russo para acabar com a Ucrânia”, acrescentou.

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