O governo recém-formado da Alemanha, liderado pelo conservador Friedrich Merz, anunciou planos para revitalizar a Bundeswehr (nome das Forças Armadas), que enfrenta um preocupante esvaziamento. A proposta, descrita no acordo de coalizão que formou o governo ao lado dos social-democratas, prevê um novo modelo de serviço militar voluntário, com o objetivo de reverter a queda no número de soldados. Mas sem a certeza de que jovens atenderão ao chamado, de acordo com o site Politico.
Segundo o plano, todos os homens de 18 anos receberão um questionário obrigatório para avaliar sua disposição e condição física para servir. No caso das mulheres, o preenchimento será opcional. Apenas os que manifestarem interesse serão convidados a se alistar, o que transforma a estratégia em uma aposta de resultados incertos.
O ministro da Defesa, Boris Pistorius, que deve continuar no cargo sob o novo governo, defendeu a iniciativa como uma solução pragmática. “Com um novo serviço militar, garantiremos tanto o crescimento quanto a permanência das Forças Armadas”, afirmou durante reunião do Grupo de Contato para Defesa da Ucrânia em Bruxelas. “Estamos tornando a Bundeswehr mais atraente. Isso é tanto uma condição quanto um resultado.”

Especialistas em defesa alertam que o plano pode não ser suficiente para cobrir o déficit de militares, caso não consiga motivar os jovens a se voluntariarem. Assim, o efetivo ficaria aquém do número total de reservistas e militares ativos, segundo Christian Richter, tenente-coronel da reserva e especialista jurídico do Instituto Alemão de Estudos de Defesa e Estratégia, think tank oficial da Bundeswehr.
“Isso colocaria em risco a capacidade de defesa da Alemanha, tanto em termos de defesa nacional quanto de defesa coletiva dentro da Otan. Essas duas coisas não podem ser separadas”, disse
A Bundeswehr soma atualmente cerca de 182 mil soldados, número que permanece estagnado há anos. Em 2023, mais militares deixaram as fileiras do que novos recrutas ingressaram, e quase um terço dos recém-alistados desistiu durante o treinamento, segundo relatório anual do governo sobre o estado das Forças Armadas. O problema vai além das estatísticas de recrutamento: reflete décadas de decisões políticas que afastaram o Exército da sociedade civil.
Desde o fim da Guerra Fria, em 1994, o fechamento de bases militares em centros urbanos contribuiu para o isolamento das tropas, dificultando o contato direto com a população jovem. “Hoje, as bases estão no meio do nada”, comentou Carlo Masala, professor da Universidade da Bundeswehr em Munique e conselheiro das forças armadas. “Não há contato direto para os jovens.”
Esse distanciamento também se manifesta em episódios de rejeição pública. Em 2018, a Bundeswehr foi criticada por uma campanha de recrutamento na feira de games Gamescom, em Colônia, que usava o slogan “Multiplayer em seu melhor” para atrair jovens, comparando a experiência virtual de combate à real, que os jogadores encontrariam como militares. No início deste ano, a cidade de Zwickau chegou a proibir anúncios das Forças Armadas em espaços públicos, declarando-se uma “cidade da paz” — decisão posteriormente considerada ilegal pelas autoridades locais.
Em meio à crise de efetivo, o comandante máximo das Forças Armadas da Alemanha, general Carsten Breuer, ressaltou a urgência de preencher as vagas. “Precisamos desses 100 mil soldados adicionais imediatamente — e o mais rápido possível”, afirmou em evento no Conselho Alemão de Relações Exteriores. Segundo Breuer, a meta de longo prazo é alcançar 460 mil militares, incluindo tropas ativas, reservistas e ex-soldados que possam ser convocados em caso de emergência.
O horizonte para essa mobilização é apertado. De acordo com Masala, 2029 é considerado o prazo crítico, quando a inteligência alemã e a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) preveem que a Rússia poderá reconstruir suas capacidades militares convencionais, atualmente desgastadas pela guerra na Ucrânia, a ponto de ameaçar territórios aliados.
A proposta de serviço militar voluntário se inspira no modelo de “defesa total” adotado pela Suécia, mas a falta de uma política de conscrição obrigatória é vista por analistas como um compromisso político que pode não dar conta da urgência. “É por isso que o acordo de coalizão incluiu um compromisso, afirmando que o novo serviço militar será ‘inicialmente voluntário’”, destacou Richter. “Mas, diante dos cenários em discussão, incluindo um possível ataque russo ao território da Otan já em 2029, não temos muito tempo.”
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