Operação “Carruagens de Gideão” prevê ocupação e transferência compulsória da população do território palestino. Críticos apontam que alguns pontos do plano são classificáveis como crime de guerra.O gabinete de segurança de Israel aprovou por unanimidade, na segunda-feira (05/05), um plano para ampliar a ofensiva militar na Faixa de Gaza. Apelidado “Carruagens de Gideão”, ele incluiria a “conquista de Gaza” e sua ocupação. Foi ainda aprovada a mobilização de dezenas de milhares de reservistas para a operação.
A julgar pelos detalhes divulgados, as Forças de Defesa Israelenses (FDI) vão invadir e assumir o controle de Gaza, transferir a população compulsoriamente para o sul do território, “desmantelar” o grupo terrorista palestino Hamas, libertar os reféns restantes do ataque de 7 de outubro de 2023, e – depois do início da operação – estabelecer um novo mecanismo de assistência humanitária.
Não se espera que os planos sejam inteiramente implementados antes de o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ter visitado os Emirados Árabes Unidos, Catar e Arábia Saudita, em meados de maio. Até então, prosseguirão os esforços por um cessar-fogo e um acordo sobre os reféns, afirmou um funcionário de segurança israelense não identificado.
Segundo os relatos mais recentes, dos 251 reféns do 7 de Outubro, 59 ainda se encontram em Gaza, porém apenas 24 ainda vivos. Do lado palestino, o Ministério da Saúde registra mais de 52 mil vítimas da maciça campanha militar israelense, a maioria civis. Apesar de a instituição obedecer ao controle do Hamas, a maioria das agências internacionais considera suas estimativas confiáveis.
Crimes de guerra e contra a humanidade?
O porta-voz militar das FDI, Ephraim Defrin, confirmou que um componente central da operação é a transferência compulsória “da maioria da população da Faixa de Gaza”. Não está claro o que acontecerá se os palestinos não puderem ou não quiserem sair.
Sob o direito internacional, o desalojamento forçado de civis durante um conflito armado constitui crime de guerra. Se praticado sistematicamente, o ato pode também contar como crime contra a humanidade.
Em seguida ao anúncio da decisão do gabinete, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu – que é procurado pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) por crimes de guerra e contra a humanidade – postou na plataforma X que a população de Gaza “será transferida, para sua própria proteção”.
Também na segunda-feira, um alto funcionário de segurança revelou à imprensa que as metas operacionais da nova ofensiva incluiriam um “programa de transferência voluntária” para os cidadãos alocados no sul. Aparentemente trata-se de uma referência à controversa proposta de Trump de os EUA assumirem a “propriedade” do território e enviarem a população de Gaza a países terceiros. Representantes das Nações Unidas qualificam a sugestão como “limpeza étnica”.
Nos primeiros meses da guerra entre Israel e o Hamas, cerca de 90% dos 2,3 milhões de habitantes de Gaza foram desalojados, em decorrência de “ordens de evacuação” militares, indo morar em barracas e casas improvisadas no centro e sul de Gaza. Após a entrada em vigor do cessar-fogo, em 19 de janeiro de 2025, centenas de milhares retornaram ao norte de faixa, só para encontrar seus lares demolidos ou seriamente danificados.
“Parem de ter medo da palavra ‘ocupação'”
De acordo como um alto funcionário israelense, ao contrário do ocorrido nos últimos meses, as forças armadas nacionais não planejam retirar-se em seguida às operações por terra, mas “ficarão em qualquer área que seja conquistada”. Uma mensagem de vídeo de Netanyahu confirma essa intenção.
Há relatos de que as áreas capturadas seriam então integradas a uma zona-tampão, ou de segurança, ampliada, dentro de Gaza. Outros indicam que todo o território, de apenas cerca de 365 quilômetros quadrados, será ocupado.
Desde que, em março, Israel rompeu um cessar-fogo temporário de dois meses com o Hamas, retomando a ofensiva, as IDF expandiram suas “zonas de segurança” e transformaram o mapa da região. Além do corredor de Netzarim, que separa o norte de Gaza do sul, o recém-criado corredor de Morag se interpõe entre Khan Younis e Rafah. Ambos dividem agora a Faixa em três partes.
Segundo estimativas da ONU, desde que Israel retomou a ofensiva, uns 70% do território ou são parte de uma “zona vermelha”, onde é necessário coordenação com os militares, ou estão sob “ordens de evacuação” – equivalentes a desalojamento – das forças armadas. Assim, centenas de milhares de palestinos estão constritos a um espaço cada vez mais estreito, enquanto prosseguem os bombardeios e ataques aéreos.
O ministro das Finanças Bezalel Smotrich, de extrema direita, disse que o público israelense deveria “parar de ter medo da palavra ‘ocupação'”. A repórteres da emissora de TV Channel 12, ele comentou: “Vamos finalmente ocupar a Faixa de Gaza.”
“Táticas de pressão” inadmissíveis
Quanto ao novo mecanismo para distribuição de assistência humanitária aprovado pelo gabinete, os detalhes são vagos. Desde março, Tel Aviv não permite a entrada de qualquer tipo de ajuda, alimentos, material médico ou bens comerciais em Gaza.
Grande parte da população não encontra o suficiente para comer, nem tem como arcar com os preços dos alimentos, que dispararam. As agências humanitárias informam que a maior parte de seus estoques está esgotada, e o sistema humanitário, à beira do colapso, e acusam Israel de usar a carestia como arma de guerra. Autoridades das Nações Unidas advertem que instrumentalizar a fome é um crime de guerra.
Israel nega tal intenção, alegando que a finalidade de revisar a distribuição de ajuda em Gaza seria impedir que o Hamas desvie os bens para seus funcionários. Assim, o bloqueio humanitário será mantido até o início da ofensiva militar e “uma abrangente evacuação da população para o sul”. Além disso, as FDI isolariam “uma área estéril em torno da Rafah”, e todos que entrarem seriam “filtrados para evitar a presença de membros do Hamas”.
Em fevereiro, organizações humanitárias acionaram os alarmes quanto às novas diretrizes propostas pelo órgão Coordenador de Atividades Governamentais nos Territórios (Cogat), subordinado ao Ministério da Defesa.
A “revisão” proposta inclui restringir os pontos de acesso a uma passagem de fronteira no sul, próxima ao Egito; transferir a ajuda a “polos” geridos por firmas de segurança particulares e supervisionadas pelos militares israelenses; e a necessidade de as ONGs serem aprovadas pelo Cogat antes de poderem operar na área.
As lideranças de todas as agências da ONU atuando em Gaza classificaram as condições do Cogat como “inaceitáveis”. Em declaração conjunta, divulgada em 3 de maio, argumentaram que tais planos “contradizem princípios humanitários fundamentais e parece elaborada para reforçar o controle sobre itens vitais, como tática de pressão”.