Não é só pelo espírito republicano que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem levado a tiracolo os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), e da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB) em viagens, comemorações, velório do papa Francisco e várias outras agendas conjuntas pelo Brasil e pelo mundo. Apesar de o regime de governo ser o presidencialismo, na prática, o Congresso acumula forças e concentra as decisões, em grande parte, nas mãos dos presidentes das duas casas legislativas.
Qualquer esgarçamento na relação com Alcolumbre ou Motta tem potencial para causar desgastes relevantes e, por isso, a orientação no Palácio do Planalto é azeitar cada vez mais essas relações. Mas o que torna o presidente do Senado e, em menor medida, o da Câmara tão poderosos nesse momento? Sobre quais temas cruciais para o governo e para o presidente eles detêm o controle? São vários.
Alcolumbre sabe de seu poder, tanto que articulou a substituição no Ministério das Comunicações e aceitou uma sugestão do líder do seu partido no Senado, Efraim Filho (PB), para levar ao cargo Frederico de Siqueira Filho. O presidente do Senado também indica nomes para agências reguladoras do governo e ambiciona o controle do Ministério de Minas e Energia, no lugar de Alexandre Silveira.
Passa necessariamente pelas mãos de Alcolumbre a reforma ministerial de Lula, que era esperada mais ampla, mas que, até agora, foi pontual, corrigindo rumos em algumas pastas, ou trocando ministros devido ao envolvimento em escândalos de corrupção. Foi assim com o ministro da Previdência Carlos Lupi, e com o antigo ministro das Comunicações Juscelino Filho, ambos demitidos nas últimas semanas.
Nesse contexto, o União Brasil, partido de Alcolumbre, trabalha para reorganizar a direita e o centro em uma federação com o PP do ex-presidente da Câmara, Arthur Lira, com planos de lançar um candidato ao Planalto nas eleições do ano que vem. Esse fator reforça a ideia de que qualquer passo em falso de Lula pode atrapalhar sua caminhada para 2026. Ao manter proximidade com o presidente do Senado, o petista procura evitar a unidade de centristas e direitistas nas próximas eleições.
Anistia
Lula não fala sobre anistia, mas sabe que precisa manter o bolsonarismo combalido. A possibilidade de que benefícios contidos nas propostas legislativas alcancem Jair Bolsonaro e seu entorno é muito prejudicial ao petista. E ele depende de Motta e de Alcolumbre para manter o assunto sob controle. Neste ambiente, os dois presidentes legislativos se revezam na busca de uma negociação com o Supremo Tribunal Federal (STF), para que invasores e vândalos das instituições públicas em Brasília no 8 de janeiro possam ter as penas amenizadas.
Motta tem conseguido segurar a oposição mais radical, mas também já faz gestos de afago a esse grupo, como o de levar para o plenário, na última quarta-feira, 7, a sustação das ações movidas pelo STF contra o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), relativas ao 8 de janeiro. A ação penal tratada na proposta engloba oito acusados, inclusive o ex-presidente Jair Bolsonaro. Agora, o STF julga no plenário virtual a proposta aprovada pelos deputados r já formou maioria pela inconstitucionalidade. No Senado, Alcolumbre tenta articular com o STF uma proposta que reduza as punições pelo 8 de Janeiro e pediu ao senador Alessandro Vieira (MDB-SE), para este mês, um texto para ser levado ao plenário.
Crise do INSS
Nas mãos de Alcolumbre e de Motta também estão as possibilidades de causar mais desgaste ao governo com o escândalo dos descontos não autorizados em aposentadorias e pensões. Antes dessa denúncia, a comunicação do Planalto avaliava que a degradação da imagem do presidente e do governo havia estancado. Mas a demora em tomar providências em relação às fraudes, o aparecimento do nome de Frei Chico, irmão de Lula, na direção de uma das entidades investigadas, e os desencontros públicos em torno desse assunto entre ministros como Rui Costa (Casa Civil) e Vinicius Marques de Carvalho (Controladoria-Geral da União) são fatores sensíveis.
A criação de CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) na Câmara, ou de uma CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito), de deputados e senadores, contribuirá para que a oposição lance holofotes sobre esses pontos. Cabe a Motta e Alcolumbre decidirem se darão esse palanque para os adversários do Planalto neste ano que antecede as eleições presidenciais.
Na Câmara, depois que recebeu o pedido, Motta desconversou, indicando que existem outros requerimentos na fila. A oposição deverá pedir para Alcolumbre ler a proposta de criação da CPMI, encabeçada pela senadora Damares Alves (Republicanos-DF) e pela deputada Delegada Fernanda (PL-MT), na próxima sessão do Congresso, marcada para o dia 27.
No Congresso não tem fila de CPMIs, vai depender mesmo do humor de Alcolumbre e, assim, Lula precisará manter os afagos. Uma possibilidade é convidar o presidente do Senado e da Câmara para retornar a Roma, no próximo dia 18 de maio, para a cerimônia de entronização do papa Leão XIV, eleito na última quinta-feira, 8, para substituir Francisco.
Imposto de Renda
Nas mãos de Motta está agora o trâmite da principal iniciativa do governo na tentativa de tentar alavancar a imagem do governo neste ano: a reforma Imposto de Renda. O presidente da Câmara já usou a proposta para retribuir o apoio de seu antecessor na eleição que o levou ao cargo ao dar a Arthur Lira (PP-AL) a relatoria do principal projeto do governo, que isenta de pagamento do tributo pessoas que ganham até 5 mil reais e sobretaxa os mais ricos. O governo precisa de uma tramitação célere da proposta que precisa também passar pelo Senado.
Lira sinalizou que pode mudar o texto para discutir sobre uma correção geral da tabela progressiva do IR. Caberá a Motta tentar garantir a votação da proposta na Câmara até o final do primeiro semestre e a Alcolumbre acelerar a proposta no Senado no segundo semestre.
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