Na manhã desta terça-feira, dia 13, a Rua dos Protestantes, que abrigava o fluxo da Cracolândia, como é chamada a aglomeração de usuários de drogas em cenas de uso, amanheceu esvaziada. De acordo com o Estadão, apenas duas viaturas da GCM (Guarda Civil Metropolitana) estavam no local durante a tarde.
De acordo com moradores, cerca de 200 dependentes químicos se amontoavam por ali antes do “sumiço”. O prefeito Ricardo Nunes (MDB) mostrou surpresa com o esvaziamento repentino, mas destacou as ações que vinham sendo adotadas nos últimos meses.
“Surpreendeu. Verdadeiramente surpreendeu. Obviamente já vinha reduzindo gradativamente todos os dias a quantidade de pessoas. Mas vamos continuar monitorando. O episódio em especial, de sábado para cá, na rua dos Protestantes, nós ainda estamos tentando entender. Não dá para dizer que está resolvido. Podemos associar algumas questões a essa situação”, afirmou o prefeito.
Entre os fatores que contribuíram para o esvaziamento da Cracolândia, na visão do prefeito, estão as ações do governo do Estado e da Prefeitura para enfraquecer o tráfico de drogas na favela do Moinho.
O vice-prefeito de São Paulo, Coronel Mello Araújo (PL), fez várias publicações no Instagram parabenizando as forças de segurança que atuaram na Cracolândia pela diminuição do número de usuários de drogas na região. Nas publicações, ele afirma que “a imprensa está inconformada porque não há dependentes químicos” e que “estamos vencendo essa guerra”.
O secretário da Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, também comemorou as imagens nas redes sociais. “Quem já viu esse ponto da Rua dos Protestantes antes se impressiona com essa imagem de hoje”, afirmou.
“Prendemos as principais lideranças do tráfico de drogas no centro de São Paulo. Desmascaramos pensões e hotéis que serviam de pontos de distribuição de entorpecentes e para lavagem de dinheiro do PCC, que explorava o vício de dependentes químicos. A droga parou de chegar, fazendo com que o centro de São Paulo deixasse de ser um ponto interessante para a criminalidade”, disse.
Guardas e comerciantes ouvidos sob condição de anonimato pelo Estadão também disseram não saber ao certo o motivo do esvaziamento da rua. Alguns lojistas levantaram a hipótese de ser uma ordem do PCC (Primeiro Comando da Capital), que comanda o tráfico por ali, mas por enquanto não há confirmação oficial disso.
Entidades e ONGs que atuam na região apontam que a política de dispersão dos usuários se tornou mais violenta nos últimos meses. “A partir do momento que sufocaram as estratégias de sobrevivência e aumentaram o nível de violência, eles conseguiram fazer com que as pessoas deixassem a região. A questão agora é onde esse espalhamento vai reverberar”, afirma Giordano Magri, pesquisador do Centro de Estudos da Metrópole.
Todas as experiências internacionais apontam que o cuidado deve ser uma preocupação central na relação com pessoas com uso problemático de substâncias químicas, diz o especialista. “O cuidado integral fica comprometido e também a possibilidade de encontrar um agente de saúde, por exemplo”, afirma.
A Craco Resiste, por exemplo, contesta a narrativa oficial. De acordo com Marcel Segalla, que falou à BBC News Brasil, “essa história de ‘sumiço’ é uma grande mentira. O que desapareceu aqui foram os direitos”. De acordo com ele, os usuários continuam, de forma dispersa, pela região.
“As pessoas estão sendo espancadas e empurradas como animais, de um lado para o outro. Estamos localizando essas pessoas. Elas estão nas esquinas, nas calçadas, ainda no território, mas agora apanhando da PM, da GCM e da polícia civil. É muita viatura, muito dinheiro público gasto nesse aparato absurdo de repressão. É uma repetição do que vimos em 2012. A lógica da pancada, que impede as pessoas de dormir, de permanecer, de circular livremente. Isso é violação do direito de ir e vir”, disse à BBC News Brasil.
Em janeiro de 2012, uma operação da gestão Gilberto Kassab também dispersou usuários da região e ficou conhecida como Operação Dor e Sofrimento.
De acordo com a organização, grupos de pesquisa da USP (Universidade de São Paulo) e da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) mostraram que houve uma orientação para que a GCM aumentasse a violência das abordagens. “As pessoas ouvidas afirmam categoricamente que os guardas passaram a bater mais no rosto e na cabeça das pessoas, para além das outras agressões já cotidianas, com uso de spray de pimenta e apropriação de pertences pessoais, como roupas e dinheiro”, disse a Craco Resiste em um comunicado.
Orlando Morando, secretário de Segurança Urbana de São Paulo, nega o uso de violência. “Não removemos ninguém à força. Não fizemos nenhuma abordagem violenta, não há nenhuma imagem ou denúncia contra a GCM”, diz o secretário ao Estadão.
O secretário detalha as medidas que foram adotadas nos últimos dias na região. “Não estamos mais permitindo a entrada com cachimbos, intensificamos as buscas por drogas com cães da GCM e conseguimos sufocar o tráfico na favela do Moinho. A chegada da droga na rua dos Protestantes está mais difícil”, diz.
No final de abril, o governo começou a transferência das primeiras famílias da Favela do Moinho, que fica entre linhas de trem e em uma área com alto risco de incêndios e alagamentos. Atualmente, a área abriga 821 famílias. De acordo com as autoridades, o local é um bunker do tráfico de drogas que abastece a região da Cracolândia.
Em grupos de WhatsApp, comerciantes da região têm manifestado receio quanto a um espalhamento do fluxo para regiões ainda mais movimentadas, como a Rua Santa Ifigênia, a poucas quadras dali, ou para a Rua José Paulino, no Bom Retiro.
“Os políticos vão bater no peito e dizer que acabaram com a Cracolândia. Mas agora sim nossa vida volta a ser um inferno”, diz uma moradora, em mensagem publicada em um grupo que reúne lojistas.
Morando afirma que o problema não está solucionado, mas que as forças de segurança ainda não identificaram novos pontos de aglomeração. “Não teremos novas Cracolândias”, promete.