Em 100 dias, Motta muda estilo ‘trator’ de Lira, mas vive em gangorra entre PT e PL

Completados 100 dias à frente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB) virou a chave deixada pelo seu antecessor, o ex-presidente da Casa Arthur Lira (Progressistas-AL), e adotou uma postura mais cautelosa no andamento dos trabalhos. Com maior participação de líderes e previsibilidade nas pautas, Motta mostrou força nos bastidores, mantém relação próxima com o Planalto, mas vive no centro de uma gangorra entre PT e PL.

Presidente mais jovem da história da Câmara, Motta foi eleito com 444 votos no dia 1º de fevereiro e contou com apoio desde o governo, passando pela cúpula petista e bolsonarista no Salão Verde. Para isso, precisou costurar acordos que vão desde o andamento de projetos polêmicos, como o PL da Anistia, até a vaga no Tribunal de Contas da União (TCU).

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As promessas que marcaram a costura do acordo são as principais responsáveis pelas dores de cabeça de Hugo Motta após três meses à frente da Câmara. A vaga no TCU, prometida ao PT, é o menor dos problemas, mas há uma ala do Centrão – comandada pelo deputado Danilo Forte (União Brasil-CE) – que quer quebrar o acordo. Já o PL da Anistia tem irritado o presidente da Casa.

Motta havia prometido não emplacar pautas-bombas, como a anistia, antagonizando seu antecessor. Entre 2023 e 2025, Lira tentou emplacar o PL do Aborto, PEC do Quinquênio e até projetos para frear ações do Supremo Tribunal Federal (STF).

Bolsonaristas tentaram quebrar essa promessa e forçar o andamento do projeto que prevê anistia para os condenados pelo 8 de janeiro – incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) – e chegaram a pressionar os líderes para assinar um requerimento de urgência, o que irritou Hugo Motta. Nos bastidores, Motta enfraqueceu o projeto e engavetou a medida momentaneamente.

Pressionado por todos os lados – o PT quer segurar o andamento do PL da Anistia a todo custo – o presidente da Câmara foi socorrido pelo seu vizinho, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), que capitaneia um projeto para reduzir as penas para os condenados pela depredação dos palácios dos Três Poderes. A proposta tem o aval de uma parcela da esquerda e de ministros do STF.

Para o cientista político e professor da ESPM Paulo Ramirez, Motta tem conseguido alinhar os acordos visando a reeleição para o comando da Casa em 2027, além de garantir um sucessor do Centrão no biênio seguinte.

“Apesar de ter sido indicado por Arthur Lira, Hugo Motta tem seguido os compromissos feitos durante a campanha para garantir sua eleição quase unânime. Essa é uma diferença significativa”, aponta o professor.

“Hugo Motta tem a pretensão de se reeleger daqui a três anos, e honrar esses compromissos é fundamental. A politicagem na Câmara é baseada em acordos verbais, e se esses acordos forem quebrados, ele corre o risco de enfrentar um candidato apoiado pela bancada de esquerda ou por dissidentes de centro-direita”, completa.

Ramirez ressalta que o presidente da Câmara terá, por muito tempo, se equilibrar na gangorra entre os polos e sem alinhar de forma excessiva com nenhum dos lados.

“É uma gangorra porque ele precisa atender a interesses diversos, e foi eleito nessa estrutura, com apoio até de partidos antagônicos como PL e PT. Isso só acontece no Brasil”.

“O Centrão age conforme o momento, a opinião pública e os interesses em jogo, e é por isso que Hugo Mota oscila entre PT e PL sem se alinhar totalmente a nenhum dos dois”, complementa.

O começo de Motta

Logo no começo de seu mandato impôs uma personalidade mais dura em relação aos protestos e confusões no plenário da Casa e proibiu a entrada de cartazes e trajes especiais. Nas primeiras sessões, chegou a dar uma bronca nos deputados e afirmou que “não será um presidente frouxo” e que não aceitará a desorganização interna.

Outra mudança significativa é o fim dos votos à distância em sessões presenciais às quarta-feiras, obrigando a presença dos deputados no plenário. Na era Arthur Lira, os deputados poderiam votar remotamente em todas as sessões, medida tomada como prevenção durante a pandemia de Covid-19.

O paraibano ainda se comprometeu a evitar o chamado regime de urgência – manobra para análise de projetos sem passar pelas comissões – para dar maior protagonismo aos colegiados temáticos. A promessa é uma ação para tentar descolar a imagem de “trator” deixada por Lira, que usava a modalidade para incluir os projetos que queria na pauta de votação.

Aos líderes, Motta se comprometeu a pautar urgência apenas em projetos prioritários para o país. Entretanto, essa promessa não foi cumprida na sua integralidade.

Em três meses, Hugo Motta comandou 16 sessões no plenário da Câmara dos Deputados. Durante as votações, 13 regimes de urgência foram aprovados. Apenas um dos projetos, que previa a reciprocidade de tarifas aplicadas por outros países contra o Brasil, foi visto por parlamentares como urgência especial.

Outros projetos que tiveram prioridade na pauta são a criação de cargos para o Judiciário e a sustação da ação penal contra o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ)leia mais abaixo.

Em 100 dias, Motta muda estilo ‘trator’ de Lira, mas vive em gangorra entre PT e PL

Lula entregou o texto da PEC da Segurança Pública em uma cerimônia ao lado do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), no Palácio do Planalto

Relação entre os Poderes

Do Centrão, aliado de Arthur Lira e de Eduardo Cunha – responsável pelo impeachment de Dilma Rousseff (PT), Hugo Motta tem adotado um perfil governista e muito próximo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Nos últimos meses, tem dado prioridade às pautas governistas e deve avançar com a principal promessa de campanha de Lula: a reforma do Imposto de Renda.

Ramirez afirma que o posicionamento de Motta já era esperado visto que o Centrão tem o domínio no Legislativo e pode “dobrar” o governo com facilidade. Entretanto, o professor da ESPM avalia como “preocupante” a manutenção do Centro no Congresso por tanto tempo.

“O Centrão quer participar do governo sem necessariamente ser o governo, e Hugo Motta encarna esse espírito de agir conforme a conveniência. Hugo Motta teve uma grande quantidade de votos para chegar ao cargo que ocupa, então ele depende muito da opinião pública e dos interesses do grupo que representa, o Centrão”, explica.

“O fato de ele ter vencido no primeiro turno, sem concorrentes à altura, mostra que a Câmara está monopolizada pelo Centrão, sem diversidade política para desafiar seu domínio. Faz anos que não temos um presidente da Câmara que não seja do Centrão, o que é preocupante.”

Ao mesmo tempo, Motta tenta contornar as crises com o STF, protagonizadas principalmente pela ala bolsonarista e pelas emendas parlamentares. Desde o começo do ano, o presidente da Câmara tenta balancear os acordo para evitar a retomada da crise entre os Poderes, que dominou a pauta no Salão Verde na era Lira.

No quesito emendas parlamentares, Hugo Motta é mais discreto que seu antecessor. Ele articulou, junto a Alcolumbre, uma proposta para desbloquear os valores travados pelo ministro Flávio Dino, que cobrava transparência nas emendas de relator. O dinheiro chegou a ser liberado, mas o impasse sobre a rastreabilidade dos valores continua rondando os Três Poderes.

“Hugo Mota tem um comportamento mais comedido que Arthur Lira, que enfrentou muitas críticas sobre as verbas parlamentares”, avalia Ramirez.

Além da articulação pelas emendas, Motta ainda tenta equilibrar a relação de embate com as decisões do STF. Na última semana, a Câmara aprovou a suspensão do processo contra Alexandre Ramagem, acusado de ter participado do plano de golpe de Estado. A medida poderia beneficiar Jair Bolsonaro, que também é réu no processo.

A medida irritou ministros da Suprema Corte, que entenderam haver uma tentativa de interferência nos trabalhos do Judiciário. Após a votação, a Primeira Turma do STF manteve Ramagem réu, mas retirou dois crimes da lista, supostamente cometidos após sua diplomação, em dezembro de 2022.

Aos ministros, Motta disse que não tinha como segurar o projeto no plenário e tentou contornar o princípio de uma crise. Porém, a decisão da turma aumentou a pressão sobre o presidente da Câmara, que apresentou um recurso para análise no plenário. A decisão será do presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, que decidirá sobre a ação na próxima semana.

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