Ministro do Exterior anunciou plano um dia após chanceler dizer que país terá “Forças Armadas mais fortes da Europa”. Ministros da Defesa e das Finanças reagem e pedem cautela sobre cifra.O ministro alemão do Exterior, Johann Wadepuhl, surpreendeu países aliados da Otan nesta quinta-feira (15/05) ao anunciar que Berlim considera aumentar seus gastos com defesa para 5% do Produto Interno Bruto (PIB), conforme uma demanda feita recentemente pelo presidente dos EUA, Donald Trump.
Wadepuhl, filiado à conservadora União Democrata Cristã (CDU), disse concordar com a avaliação de Trump de que um aumento drástico nos gastos com defesa era necessário, após se reunir com o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, à margem de uma reunião de ministros do Exterior de países da Otan na cidade turca de Antália.
Washington pediu que os aliados chegassem a um acordo sobre uma nova meta de gastar 5% de seus respectivos PIBs em defesa na próxima cúpula da Otan, em junho. Atualmente, os membros da Otan estão comprometidos em gastar pelo menos 2% do PIB em gastos militares.
O secretário-geral da Otan, Mark Rutte, apresentou na reunião uma estratégia para que os membros atinjam a meta de 5% por meio de investimentos de 3,5% do PIB em gastos militares e 1,5% em outras medidas de segurança, como infraestrutura e defesa cibernética – proposta apoiada por Wadephul.
A declaração foi feita um dia após o novo chanceler federal da Alemanha, Friedrich Merz, da CDU e no cargo há pouco mais de uma semana, afirmar que seu país terá “as Forças Armadas mais fortes da Europa”.
Ministros da Defesa e das Finanças pedem cautela
O ministro da Defesa, Boris Pistorius, do Partido Social-Democrata (SPD), que integra a coalizão de governo, reagiu com cautela às observações de Wadephul. “A porcentagem não é tão importante. O importante é que as metas de capacidade da Otan definidas sejam cumpridas de forma rápida, abrangente e pontual”, afirmou durante uma reunião com seu homólogo britânico, John Healey.
Pistorius disse que é provável que haja negociações sobre o aumento da meta para 3%, e sugeriu que a decisão final sobre a questão caberia ao seu ministério.
“Estou satisfeito com o ótimo início que tive e continuo tendo com meu colega ministro do Exterior, Jo Wadephul”, disse Pistorius. “Ao mesmo tempo, ele sabe tão bem quanto eu que o orçamento da defesa está definido na Seção 14, que é meu departamento.”
O ministro alemão das Finanças, Lars Klingbeil, também do SPD, afirmou que o país gastará mais em segurança, “mas a quantia a ser dedicada a isso vai ser determinada pelo acordo alcançado na cúpula da Otan”, que ocorrerá no próximo mês em Haia.
Merz quer reduzir dependência dos EUA
Para a Alemanha, gastar 5% do PIB equivaleria a mais de 200 bilhões de euros por ano – valor considerado anteriormente como sendo fora da realidade.
Contudo, a coalizão de Merz aumentou a capacidade de gastos do governo ao afrouxar as regras de endividamento e conseguir a aprovação de centenas de bilhões de euros em financiamentos adicionais para defesa e infraestrutura.
Em entrevista ao semanário alemão Die Zeit, Merz afirmou que os grandes investimentos em defesa – especialmente em sistemas fabricados na Europa – devem ser visto como um estímulo para a economia em recessão e para encerrar a dependência de Washington em termos de segurança.
“Se quisermos fortalecer nossas capacidades de defesa, precisamos reduzir gradualmente nossa dependência dos EUA”, disse o chanceler federal.
Trump vem alegando há anos que os parceiros da Otan não contribuem de maneira justa para a aliança. A Alemanha, por exemplo, atingiu a meta de gastar 2% de seu PIB em defesa somente no ano passado.
Em Antália, Rubio afirmou que “a Otan tem a oportunidade de se fortalecer ainda mais”. “A aliança é tão forte quanto seu elo mais fraco, e pretendemos e nos esforçamos para não ter elos fracos na aliança”, acrescentou.
Rutte destaca ameaças à Otan
O secretário-geral da Otan disse que os gastos adicionais são necessários para proteger a aliança de diferentes ameaças – incluindo a Rússia, o aumento do poderio militar da China e o terrorismo – mas também para aumentar a produção industrial de defesa da Otan.
“Precisamos produzir mais em toda a Otan, particularmente quando olhamos para a Rússia”, disse Rutte. “Temos que vencê-los no que diz respeito à produção industrial de defesa.”
O orçamento também é necessário “para garantir que a Ucrânia possa prevalecer [na guerra contra a Rússia] e que possamos ajudar coletivamente a Ucrânia a levar esta guerra a uma paz duradoura”, concluiu Rutte.
“Mudança de paradigma”
Em entrevista ao jornal alemão Bild, Roderich Kiesewetter, ex-militar alemão de alto escalão e político da CDU de Merz e Wadephul, chamou a medida de uma “mudança de paradigma”. “Não acontecerá da noite para o dia, mas precisa acontecer”. acrescentou.
A meta parece ambiciosa, tendo em vista o estado atual da Bundeswehr (Forças Armadas alemãs), que sofre com a escassez de sistemas de armas essenciais e enfrenta dificuldades para recrutar novos membros.
A Alemanha, com sua história sombria na Segunda Guerra Mundial, por muito tempo relutou em investir demasiadamente em defesa. O orçamento militar do país caiu drasticamente após a Guerra Fria, à medida que os países europeus dependiam mais dos Estados Unidos, o maior “peso-pesado” da Otan, para sua segurança.
As décadas de gastos militares reduzidos diminuíram o número de tanques de guerra e obuses da Alemanha, de milhares para centenas. Nos últimos anos, a Bundeswehr foi criticada por falhas de equipamento ao enviar contingentes para o Afeganistão e o Mali. Entre os problemas estavam helicópteros que não conseguiam voar e fuzis que não atiravam corretamente.
A Bundeswehr, cujo objetivo é aumentar seu efetivo para 203 mil soldados até 2031, ficou aquém da meta do ano passado de aumentar seu contingente em mais de 20 mil soldados, apesar de uma campanha nas redes sociais.
As Forças Armadas têm “muito pouco de tudo” – de defesas aéreas e drones a satélites e capacidades de inteligência artificial – alertou em março a comissária parlamentar para as Forças Armadas, Eva Hoegl, do SPD.
rc/bl (afp, dpa)