Exclusivo: mensagens mostram ordens russas para matar soldados rendidos

A transmissão de rádio tem um chiado, mas a ordem transmitida é clara: capturar o comandante e matar os demais.

A troca de mensagens assustadora faz parte de uma série de comunicações interceptadas entre forças russas que, segundo autoridades ucranianas, trazem mais evidências de que comandantes russos estariam ordenando a execução de soldados ucranianos que se rendem, o que é uma violação do direito internacional.

Interceptadas pela Ucrânia e enviadas à CNN por uma fonte da inteligência ucraniana, as mensagens parecem coincidir, em termos de tempo, com imagens de drones que registram uma suposta execução cometida por soldados russos na região de Zaporizhzhia, no leste da Ucrânia, em novembro de 2024.

O vídeo mostra seis soldados deitados de bruços no chão. Pelo menos dois são executados à queima-roupa, enquanto outro é levado sob escolta.

As mortes estão sob investigação de promotores ucranianos, que compartilharam um vídeo feito por drones nas redes sociais depois do incidente. Uma autoridade ucraniana familiarizada com o caso afirmou que as mesmas transmissões interceptadas e obtidas pela CNN fazem parte da investigação sobre as execuções.

A CNN não conseguiu autenticar de forma independente as comunicações de rádio, nem confirmar se estão diretamente ligadas às imagens captadas pelo drone. No entanto, um perito forense que analisou os áudios afirmou que eles não parecem manipulados ou alterados.

Um alto investigador da ONU e um oficial de inteligência ocidental disseram à CNN que as transmissões de rádio e o vídeo por drone são consistentes com outros casos em que forças russas teriam executado soldados ucranianos que já haviam se rendido.

Ordens de execução teriam vindo da presidência russa, diz investigador da ONU

O investigador é Morris Tidball-Binz, relator especial da ONU para execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias, que afirmou que os áudios e o vídeo sugerem a execução de combatentes rendidos por tropas russas, algo já relatado pelas Nações Unidas.

Envolvido em investigações de episódios semelhantes, Tidball-Binz classificou tais ocorrências como “graves violações” do direito internacional. Segundo ele, esse tipo de conduta só poderia ser autorizado pelas mais altas autoridades da Rússia.

“Isso não aconteceria com tamanha frequência e número sem a ordem ou, no mínimo, o consentimento, dos mais altos comandantes militares, o que, na Rússia, significa a Presidência”, afirmou.

O Ministério da Defesa da Rússia não respondeu aos pedidos de comentário da CNN sobre o caso.

Autoridades russas negaram anteriormente que suas tropas tenham cometido crimes de guerra e alegaram que a Rússia trata os prisioneiros de guerra de acordo com o direito internacional.

Semelhança a “execuções brutais já documentadas”

Somadas a outras denúncias de que as forças armadas russas seriam responsáveis por crimes de guerra na Ucrânia, as supostas execuções de prisioneiros de guerra podem complicar os esforços do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, para encerrar rapidamente o conflito.

Trump usa uma abordagem errática para tentar pôr fim à guerra, muitas vezes se alinhando ao presidente russo, Vladimir Putin. Ele chegou a interromper uma iniciativa do Departamento de Estado que verificava supostos crimes de guerra cometidos pela Rússia.

A fonte de um serviço de inteligência ocidental, que prefere manter-se anônima, disse à CNN que revisou os arquivos de áudio interceptados e os considerou “autênticos, confiáveis e consistentes com execuções brutais já documentadas”.

Segundo ele, “fica claro que o soldado recebe a ordem de executar os militares ucranianos que se renderam”.

O mesmo oficial afirmou estar analisando material semelhante de outros casos, o que “reforça a evidência de uma diretriz por parte de comandantes russos para matar soldados ucranianos que se renderam ou estavam em processo de rendição”.

O Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU) informou à CNN que soldados russos da “unidade Storm”, pertencente ao 394º Regimento de Fuzileiros Motorizados (127ª Divisão de Fuzileiros Motorizados), do 5º Exército de Armas Combinadas, estiveram envolvidos no ataque ocorrido em novembro.

O SBU também ligou essa mesma unidade “Storm” a outra execução suspeita na mesma região ( a decapitação de um soldado ucraniano capturado) e afirmou ter denunciado os comandantes russos da unidade considerados responsáveis.

Número de mortes por execução tem aumentado ao longo dos anos

A Procuradoria-Geral da Ucrânia informou que, até 5 de maio, já havia aberto 75 investigações sobre a suspeita de execuções de 268 prisioneiros de guerra ucranianos.

De acordo com dados do órgão, as execuções têm aumentado: foram registrados oito casos envolvendo 57 soldados em 2022, oito casos com 11 soldados em 2023, 39 casos com 149 soldados em 2024, e 20 casos até o momento em 2025, envolvendo 51 soldados.

Yurii Bielousov, chefe do departamento de crimes de guerra da Procuradoria-Geral da Ucrânia, afirmou que o aumento está relacionado a “instruções vindas da alta liderança da Federação Russa, tanto política quanto militar. Ainda não vimos uma ordem por escrito, mas já temos vários exemplos de ordens verbais.”

O promotor lembrou que, em março, Vladimir Putin afirmou que os soldados ucranianos capturados na região de Kursk, na Rússia, deveriam ser tratados como terroristas.

“Todos sabem como Putin trata as pessoas que ele chama de terroristas. Para nós, isso é praticamente sinônimo de execução”, comentou Bielousov.

Bohdan Okhrimenko, chefe da secretaria do Quartel-General de Coordenação para o Tratamento de Prisioneiros de Guerra da Ucrânia, afirmou que outra possível explicação para as execuções seria o desejo das forças russas de evitar as complicações logísticas de capturar e administrar prisioneiros.

“Do ponto de vista deles, esse trabalho dificulta a logística militar. O comando russo tomou uma decisão simples: atirar nos prisioneiros capturados.”

“Capture o comandante e mate todos os outros”

As transmissões de rádio interceptadas pela Ucrânia parecem registrar um comandante russo — cuja identidade e patente não foram confirmadas pela CNN — conversando com tropas na linha de frente. Nas gravações, dois soldados russos são identificados por seus codinomes: “Arta” e “Beliy”.

Na transcrição das comunicações, há a observação que elas foram interceptadas às 12h05 (horário local), quando a posição ucraniana foi atacada, e se estenderam até às 12h31, quando o temor de que um drone ucraniano estivesse se aproximando levou o comandante russo a ordenar a retirada.

A CNN não conseguiu verificar de forma independente o horário exato da interceptação dessas transmissões.

O comandante russo pode ser ouvido ordenando as execuções em seis momentos diferentes. Segundo a transcrição das comunicações interceptadas, a primeira ordem foi dada às 12h22.

“Pergunta quem é o comandante. Quem é o comandante? Pergunta. Capture o comandante e mate todos os outros”, diz o comandante russo na gravação.

Quatro minutos depois, ele repete a ordem duas vezes:

“Faça isso. Capture o comandante e se livre do resto.”

“É isso. Pegue o mais graduado e elimine os outros, p*rra!”

O comandante exige atualizações constantes de sua unidade em combate, que tem dificuldade para responder.

“Alguém, c**lho, responda — esses m****s estão se rendendo ou não?”

O soldado identificado pelo codinome “Arta”, aparentemente o principal interlocutor, responde que não encontraram o comandante ucraniano, apenas um “oficial superior”.

As imagens de drone obtidas pela CNN cobrem o período entre 12h27 e 12h30, segundo os registros de tempo do vídeo. Há indícios claros de correspondência entre os comandos transmitidos por rádio e os eventos gravados nas imagens.

Às 12h28, a ordem é dada pela sexta vez. Um soldado com máscara e uniforme verde-escuro, compatível com o uso militar russo, aparece saindo da mata em direção aos prisioneiros.

“Se livrem logo disso! Capturem o superior, eliminem os outros, p*rra!”, ordena o comandante.

No vídeo, um soldado ucraniano aparentemente faz um gesto aos russos. Momentos depois, o soldado mascarado atira na cabeça do ucraniano rendido. Em seguida, a voz do comandante russo pergunta se a execução foi concluída:

“Vocês mataram eles? Pergunta. Acabaram com eles? Pergunta.”

“Arta! Arta! Aqui é Beliy, entendido!”

“Matamos os outros m****s.”

No vídeo, outro ucraniano — presumivelmente o comandante —, que até então estava imóvel, se levanta, remove o colete à prova de balas e é levado pelos russos. O comandante russo demonstra preocupação quando um drone ucraniano aparece entre fumaça causada por uma explosão. Ele ordena a retirada do grupo.

Análise das imagens e possível ódio cultural da Rússia contra a Ucrânia

As imagens são compatíveis com fotografias de satélite da vila de Novodarivka, analisadas pela CNN e pelo Center for Information Resilience, organização sem fins lucrativos que documenta possíveis violações de direitos humanos.

Fotos captadas pela Maxar Technologies, em outubro de 2024, mostram campos com vegetação, linhas de árvores e crateras semelhantes as do vídeo.

Robert Maher, professor de engenharia elétrica e computação da Montana State University especializado em análise forense de áudio, examinou os áudios para a CNN. Enviadas em dezenas de arquivos separados, as transmissões mostraram-se consistentes, segundo Maher.

O professor disse que não viu qualquer “indício de manipulação.”

As execuções de soldados ucranianos rendidos, alegadas por autoridades ucranianas e especialistas internacionais, fariam parte de uma política deliberada das forças russas.

O episódio seria um dos primeiros casos em que transmissões interceptadas de rádio são diretamente ligadas a imagens de uma execução capturadas por um drone.

A CNN já havia noticiado em setembro do ano passado uma possível política sistemática ao divulgar um vídeo que mostrava a execução de três soldados ucranianos rendidos por tropas russas. O crime aconteceu nos arredores da cidade de Pokrovsk, no leste da Ucrânia, em agosto de 2023.

Autoridades ucranianas afirmam que essas execuções seriam motivadas por ódio cultural da Rússia contra os ucranianos, mas também teriam propósito psicológico.

Bohdan Okhrimenko, da coordenação ucraniana para prisioneiros de guerra, afirmou que soldados russos chegaram a publicar vídeos de decapitações e castrações de militares ucranianos, com o objetivo de abalar o moral das tropas.

“A violência gera mais violência”, sentenciou. De acordo o especialista, a Ucrânia reforçou o treinamento de suas forças para garantir que prisioneiros russos sejam tratados de forma segura, visando trocas futuras.

Este conteúdo foi originalmente publicado em Exclusivo: mensagens mostram ordens russas para matar soldados rendidos no site CNN Brasil.

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