
Toda empresa que fabrica, importa ou comercializa produtos sabe que, quando o consumidor reclama de defeito, o problema já chegou tarde demais. E, se o caso avança para o Procon ou para o Judiciário, o tempo para improviso já passou. O que protege a empresa, nesse cenário, não é um discurso sobre qualidade, mas uma linha de defesa bem montada, documentada e operacionalmente alinhada.
Nos bastidores de cada processo por vício do produto, existe um ponto de virada. O momento em que a empresa mostra, ou não, que sabe se defender. E essa demonstração não vem de teses abstratas, mas de evidências concretas, como laudos técnicos, registros de atendimento, fluxos internos claros e contratos bem estruturados. Quem não domina esses elementos entra em desvantagem desde a primeira petição e, muitas vezes, já entra perdendo.
Esse raciocínio vale tanto para os departamentos jurídicos quanto para os escritórios externos que os apoiam. Contestar por contestar, sem conhecimento técnico do produto, histórico do caso ou estrutura contratual, é desperdiçar a oportunidade de construir uma defesa real. Litígios por vício do produto exigem estratégia aplicada, não apenas linguagem jurídica.
Vício ou mau uso: o papel do laudo defensivo
Um dos pontos mais críticos, e frequentemente negligenciado, é a distinção entre vício do produto e mau uso pelo consumidor. Em boa parte dos processos, essa linha é tênue, mas pode ser determinante para o desfecho da causa. E é justamente aí que entra o laudo defensivo.
Trata-se de um parecer técnico, elaborado com apoio da área de engenharia ou assistência técnica, que busca demonstrar, de forma objetiva, que o dano apontado decorre de uso indevido, instalação incorreta ou negligência do próprio consumidor. A elaboração desse documento deve seguir um padrão interno, com linguagem clara, fotos do produto, descrição detalhada do suposto defeito e comparação com parâmetros técnicos.
Para que tenha efetividade em juízo, o laudo precisa ser rápido, bem redigido e tecnicamente consistente. O jurídico deve saber como solicitá-lo, interpretar suas conclusões e incorporá-lo à tese de defesa. Escritórios externos devem atuar em conjunto com as áreas técnicas da empresa para padronizar esse tipo de resposta. Sem laudo, o argumento vira palavra contra palavra, e isso pode custar caro.
Onde a defesa começa
Empresas organizadas já entram em um litígio com a defesa praticamente pronta. Isso significa ter registros de produção e testes de qualidade do lote questionado, manter histórico de atendimentos e tentativas de solução e estruturar fluxos internos sobre quem responde, como responde e com base em que evidências.
Sem essas informações, a defesa se fragiliza. E, nos juizados especiais, onde a decisão é rápida, uma resposta fraca custa mais do que a condenação.
Advogados externos precisam ser mais do que operadores de prazos. Devem atuar como curadores da prova técnica e consultores da estratégia. Isso exige envolvimento real com os processos internos da empresa e familiaridade com os produtos e sua cadeia de fornecimento.
No Procon, tempo é risco, e resposta genérica é passivo
Isso vale para notificações administrativas. Uma resposta fora do prazo, ou sem documentação adequada, pode gerar presunção de culpa ou agravar a penalidade. Em setores como o automotivo ou eletroeletrônico, por exemplo, isso pode escalar para investigações coletivas ou sanções públicas.
O jurídico precisa estar conectado com SAC, engenharia, pós-venda e qualidade. Precisa de prazos internos menores que os legais e modelos prontos de resposta, com anexos técnicos confiáveis. Escritórios externos devem conhecer esse fluxo, antecipar demandas e entregar defesas que façam sentido para quem lê, inclusive o regulador.
Contratos: onde começa a defesa regressiva
Nos casos em que a empresa apenas comercializa o produto, o problema não está no defeito, mas na ausência de cláusulas que permitam exercer o direito de regresso. E isso tem nome: contrato mal desenhado.
Contratos com fornecedores devem prever cláusulas de responsabilidade técnica, reembolso em caso de condenação, envio de documentação sob demanda e até obrigação de participar de perícias. O jurídico precisa revisar esses pontos com rigor, e os escritórios externos devem propor ajustes sempre que identificarem brechas.
Litigar sem cláusula regressiva é como correr sem rede. A empresa responde solidariamente e, muitas vezes, assume o custo de algo que não produziu.
A engrenagem da defesa eficiente
Defesa boa é a que funciona. Isso significa operação bem azeitada, documentos organizados, integração entre áreas e postura colaborativa entre jurídico e fornecedores externos.
- Rastreabilidade do produto e do lote.
- Contratos com cláusulas técnicas claras.
- Canais de atendimento que documentem tudo.
- Gestão de prazos e priorização por risco.
- Padronização dos laudos de uso indevido.
Litígios por vício do produto são, muitas vezes, evitáveis. Quando não são, precisam ser vencíveis. E essa vitória depende de uma defesa estruturada na prática, com responsabilidade dividida e estratégia compartilhada entre quem faz, quem responde e quem defende.