Uva vinífera Cabernet Sauvignon é a casta francesa mais cultivada fora da França

A uva vinífera Cabernet Sauvignon é a casta francesa mais cultivada fora da França e há boas razões para isso, notadamente pela sua imensa capacidade de se adaptar aos mais diversos terroirs, bem como em face de seu alto grau de resistência, o que explica sua ampla difusão em países vitivinícolas dos cinco continentes. As uvas têm casca espessa, o que contribui para vinhos com grande estrutura tânica, cor intensa e potencial de envelhecimento. Sua origem remonta ao sudoeste da França, especificamente à região de Bordeaux. Acredita-se que a variedade tenha surgido no século XVII a partir do cruzamento espontâneo entre as uvas Cabernet Franc e Sauvignon Blanc, daí seu nome.

Os vinhos elaborados com Cabernet Sauvignon são, em geral, encorpados, com taninos firmes, acidez moderada a elevada e aromas marcantes. Jovens, costumam apresentar notas de frutas negras como cassis, ameixa e amora, além de toques herbáceos, como pimentão-verde. Com o tempo em garrafa ou em barricas, surgem notas terciárias de cedro, tabaco, couro e especiarias. Essa estrutura robusta torna a Cabernet Sauvignon uma das melhores uvas para envelhecimento, produzindo vinhos que podem evoluir por décadas.

Mesmo na Europa ela atravessou fronteiras. Na Itália, por exemplo, a casta é protagonista dos chamados "Super Toscanos", vinhos de altíssima qualidade que surgiram nos anos 1970 como uma reação à rigidez das normas das denominações italianas. Produtores renomados passaram a usar castas internacionais, como Cabernet Sauvignon, em cortes com Sangiovese ou em varietais puros, resultando em vinhos potentes, elegantes e longevos. Os vinhos toscanos com Cabernet Sauvignon são geralmente estruturados, profundos, com taninos refinados, boa acidez e aromas de frutas escuras, tabaco, especiarias e cedro.

A Grécia, conhecida por suas variedades autóctones como Agiorgitiko e Xinomavro, também cultiva a Cabernet Sauvignon com bons resultados, especialmente em regiões como Macedônia (Norte da Grécia), Peloponeso e algumas ilhas como Eubeia (Evia); os Cabernets gregos revelam um estilo bastante terroso, com acidez viva, taninos firmes e notas de frutas negras, tabaco e ervas do Mediterrâneo. Em altitudes elevadas, como nas montanhas da Macedônia, a variedade se expressa com elegância e frescor.

Invadindo o Oriente Médio, o Líbano, embora pequeno, possui uma das mais antigas tradições vitivinícolas do mundo, que remonta aos tempos fenícios. A moderna vitivinicultura libanesa é centrada na região do Vale do Bekaa, onde a Cabernet Sauvignon desempenha papel crucial. O clima do Bekaa — com invernos frios e verões quentes e secos, aliado à altitude que varia entre 900 e 1.200 metros — favorece uma maturação lenta e equilibrada da uva, permitindo a produção de vinhos elegantes e intensos.

No chamado “Novo Mundo”, ao meu ver, é na Califórnia que a Cabernet Sauvignon atingiu seu apogeu, superando, inclusive, grande parte dos vinhos franceses varietais desta casta. A verdade é que a Califórnia é um dos maiores e mais renomados produtores de Cabernet Sauvignon fora da França, com destaque especial para o Vale de Napa. A variedade encontrou ali condições climáticas ideais — dias quentes e noites frescas — que favorecem a maturação completa das uvas, gerando vinhos de grande concentração, taninos maduros e sabores intensos de frutas negras maduras, baunilha, chocolate e carvalho. Desde o célebre "Julgamento de Paris" em 1976, em que um Cabernet Sauvignon californiano superou grandes Bordeaux franceses em uma degustação às cegas, a reputação da uva na Califórnia só cresceu.

Na Argentina, a Cabernet Sauvignon ocupa o segundo lugar entre as uvas tintas mais cultivadas, atrás apenas da Malbec. Embora esteja presente em várias regiões, os vinhos mais notáveis vêm de Mendoza, especialmente das sub-regiões Luján de Cuyo e Valle de Uco. Lá, a altitude e o clima seco proporcionam vinhos com taninos firmes, acidez equilibrada e expressão frutada nítida. Os exemplares argentinos podem apresentar notas de cereja, ameixa, pimenta-preta e, dependendo do estilo de vinificação, traços de madeira, grafite e especiarias doces.

O Chile é um dos maiores exportadores de Cabernet Sauvignon do mundo. A casta se adaptou especialmente bem ao Vale do Maipo, onde as condições mediterrâneas e a influência dos Andes e do Pacífico proporcionam um clima ideal. Há muitos vinhos “globalizados” que vêm do Chile, mas os poucos bem manejados se apresentam de forma excepcional.

No Brasil, a Cabernet Sauvignon se destaca principalmente em duas regiões vitivinícolas: Serra Gaúcha e Campanha Gaúcha, ambas no estado do Rio Grande do Sul. Na Serra Gaúcha, com clima úmido e altitude, a casta enfrenta desafios na maturação plena. Ainda assim, são produzidos vinhos com boa acidez, taninos médios e notas frutadas frescas, além de certa rusticidade que agrada a muitos consumidores. A introdução da Cabernet Sauvignon no Brasil é atribuída ao trabalho de imigrantes europeus e, mais sistematicamente, a partir de pesquisas e iniciativas do Instituto Brasileiro do Vinho (IBRAVIN) e da Embrapa Uva e Vinho, nas décadas de 1960 e 1970. Desde então, o cultivo vem sendo aprimorado, especialmente com o uso de porta-enxertos mais adaptados, condução em espaldeiras e técnicas modernas de vinificação. Hoje, a casta é uma das mais valorizadas no cenário vitivinícola brasileiro, estando presente em muitos dos rótulos tintos de guarda do país.

A Cabernet Sauvignon é sinônimo de longevidade. Graças à sua alta carga tânica, acidez equilibrada e concentração de polifenóis, os vinhos podem evoluir por 10, 20 ou até mais de 30 anos, dependendo do terroir e da vinificação. Os grandes exemplares de Bordeaux, Napa, Serra Gaúcha, Toscana e Mendoza são frequentemente guardados por décadas com sucesso, desenvolvendo complexidade aromática e paladar aveludado. Sua capacidade de harmonização é extensa, indo desde as carnes grelhadas, passando por massas com ragus diversos e chegando, até, a pratos com molhos escuros e apimentados, propiciando criatividade ímpar ao bebedor. Salut!

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