Carreira ‘preso no armário’ motivou ex-jogador a criar time gay de basquete

“Aqui a gente pode dar um close sem medo de sofrer homofobia”. A frase é de Robert, 28, um dos integrantes do coletivo Royalz BKT. Mais do que um lugar para aprender arremessos, tocos e rebotes, o primeiro time gay de basquete do Brasil é um espaço de acolhimento. 
 
Todas as sexta-feiras, pontualmente às 20h, inclusive nas noites de muito frio na capital paulista, os integrantes do coletivo se reúnem no Parque da Aclimação para jogar basquete. Os treinos são divididos em dois grupos – de veteranos e iniciantes – e o espaço é aberto para todes, menos para o preconceito. 
– Quando eu vejo a quadra cheia é muito gratificante. Eu não imaginava que ia ter esse tipo de representatividade, esse tipo de apoio e nem toda essa visibilidade. Nós estamos acostumados a ficar dentro do armário, esconder a nossa identidade – contou Jefferson Campos, 32, fundador do projeto e ex-jogador profissional, ao Superesportes.
 

Preconceito permeia o esporte

De acordo com o Grupo Gay da Bahia (GGB), com dados de 2021, ocorre uma morte de uma pessoa LGBTQIA+ a cada 29 horas. Isso porque o levantamento aponta uma subnotificação dos dados. Ao todo, foram 276 homicídios no ano retrasado e os gays são metade das vítimas, representando 51% deste total (153 mortes). Segundo o GGB, os homossexuais masculinos são, há quatro décadas, os mais atingidos pela violência.
O ambiente esportivo segue a tendência do preconceito, destilando a homofobia e recriminando a sexualidade de quem não se encaixa no padrão heteronormativo. Ainda mais no Brasil, países que lidera o ranking de homicídios da população LGBT, é raridade encontrar espaços seguros para praticar qualquer esporte, inclusive o basquete. 
– Aos 14, 15 anos, eu já tinha plena consciência da minha sexualidade. E aí, vim ao longo da minha carreira, tanto na amadora quanto profissional, vendo amigos meus tendo que deixar as quadras por conta da sexualidade. Alguns resolveram estudar e, depois que saíram das equipes, assumiram a homossexualidade. Então, eu sabia que no basquete isso não seria bem aceito. No esporte de forma geral é assim, e o basquete é machista e homofóbico pra caramba – contou Jeff.  
O atual treinador do Royalz BKT passou por diversos clubes de ponta do país, competiu em países da Europa, mas sempre se deparou com o dilema da orientação sexual. Por isso, a decisão de criar uma equipe 100% gay veio só depois da aposentadoria. Ao lidar com o trauma de uma grave lesão, que o tirou permanentemente das quadras, muitas mudanças aconteceram. Inclusive, o tão esperado grito de liberdade. 
– O passo de me assumir publicamente foi muito grande. Saí do armário em um dia dos namorados. Postei uma foto com o Júnior (noivo de Jeff) e foi aí que as pessoas realmente souberam que eu sou gay. Fiquei preso no armário durante toda a minha carreira, então sair foi libertador –  afirmou. 
– Com isso, ganhei uma visibilidade legal, porque joguei 14 anos profissionalmente e acaba chamando a atenção, né? Então, usei essa visibilidade para algo positivo: divulgar o Royalz. Nós começamos no dia 9 de setembro (de 2022) e, desde então, só crescemos – acrescentou.
 

Ser gay e preto no esporte é um ato de resistência

Mauricio, 41, se diverte com as brincadeiras durante os treinos do Royalz. Entre uma cesta e outra, ele faz piada, principalmente quando completa uma boa jogada. No entanto, a naturalidade que conquistou em quadra é uma conquista recente. Em outros lugares, ele pensaria duas vezes antes de “dar um close” por medo de retaliações. 
– No esporte gay, às vezes você não é assumido em casa, mas chega nesse espaço e poder ser quem você é, tem um significado muito poderoso. Sou assumido há muitos anos, mas tento evitar lugares onde eu possa sofrer preconceito. Jogo vôlei desde a adolescência e tinha muita dificuldade de me envolver com outras modalidades por receio da homofobia.  Mas aqui encontrei novos amigos, falando a mesma linguagem, diferente do que a vejo no basquete por aí – afirmou à reportagem.
 
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Na visão de Maurício, o preconceito no esporte também tem relação com o imaginário social de que a população LGBTQIA não tem direito a espaços de saúde e bem-estar. Por isso, para ele, o simples fato de entrar em quadra, é um ato de resistência.
– Eu aprendo muito dentro da quadra, é claro, mas fora também. Nós dividimos histórias, lutas e resistimos juntos. Costumo falar que um corpo preto e LGBT já nasce político. Quando pessoas semelhantes se unem para jogar, se divertir e aprender, nós estamos falando para o mundo que nós existimos, sim, e que as pessoas vão cruzar com a gente em quadra gostando ou não – concluiu.
 

Competição só dentro de quadra 

 
Às 21h30 os treinos se encerram com um registro do time. Com os rostos suados, eles posam para a foto com largos sorrisos. Robert, citado no início deste texto, é integrante do time veterano, e admite que o ambiente é muito competitivo, mas saudável. 
 
Por isso, na hora da despedida, faz questão de abraçar os companheiros e projetar os próximos confrontos. É quase um ritual.
– Dentro da quadra, a gente quer ganhar, claro, mas fora da quadra todo mundo busca a mesma coisa: respeito. Todo mundo aqui luta pelo mesmo objetivo e isso é muito gostoso. É bom fazer parte disso – disse Robert.
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