Audiodescrição cria ‘visões sonoras’ e torna monumentos e espaços turísticos do Grande Recife acessíveis para pessoas com deficiência


Narrativas permitem que pessoas cegas e neurodivergentes interajam com espaços culturais, de lazer e turismo. Projetos financiados por leis de incentivo democratizam acesso às cidades. Audiodescrição transforma experiências de turismo de pessoas com deficiência no Recife
Dar acessibilidade às pessoas cegas e neurodivergentes aos pontos turísticos e monumentos de uma cidade é também uma forma de garantir a cidadania dessas pessoas. Pensando nisso, um projeto financiado através da Lei Paulo Gustavo e implementado no Recife, está proporcionando uma nova forma de conhecer e interagir com a capital pernambucana, a partir de um roteiro inicialmente pensado para o centro da cidade.
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A iniciativa, denominada “Visões sonoras da cidade do Recife”, realizou a audiodescrição de monumentos e edifícios históricos nos bairros de Santo Antônio, do Recife, de Santo Amaro e da Boa Vista.
O projeto, que está disponível na internet, envolveu uma equipe multidisciplinar formada por uma historiadora, uma descritora e profissionais com deficiência visual, que criaram o conteúdo atualmente disponível em seis pontos turísticos:
Praça do Marco Zero, Rua do Bom Jesus e a fachada da Torre Malakoff, no Bairro do Recife;
Fachada do Teatro Santa Isabel e a Praça da República, no bairro de Santo Antônio;
Rua da Aurora, que segue pelos bairros da Boa Vista e de Santo Amaro.
As narrativas em audiodescrição estão disponíveis por meio de um QR Code colocado sempre do lado esquerdo de cada monumento ou ambiente integrante do projeto; um padrão adotado para que seja fácil encontrar e iniciar a execução dos áudios.
O trabalho incluiu visitas técnicas, avaliações sobre o que deveria ser descrito em cada ambiente, incluindo fachadas, detalhes das paisagens e questões históricas que compõem cada local ou monumento.
“É um trabalho detalhado, em que é necessário descrever os espaços e também precisa ter informações históricas, de detalhes arquitetônicos, numa linguagem que não pode ser muito rebuscada, mas precisa explicar de uma forma precisa aquele local, ou construção. A audiodescrição do Marco Zero, por exemplo, é uma ‘paisagem sonora’, que precisa aproximar as pessoas daquele espaço”, explicou a audiodescritora e diretora-executiva da Com Acessibilidade, Liliana Tavares.
Com a audiodescrição, os visitantes são convidados a dar uma volta de 360 graus na praça, a caminhar até a placa central e assim entender o que existe ao redor do ambiente.
Também no Marco Zero, outra placa de audiodescrição elaborada para o projeto “Recife é pra sentir”, também desenvolvido pela Com Acessibilidade, descreve o parque de esculturas de Francisco Brennand, instalado na outra margem do Rio Capibaribe.
A “Vista tátil do Parque das Esculturas de Francisco Brennand” fica atrás da estátua do percussionista Naná Vasconcelos e conta também com um poema sobre a cidade do Recife, escrito em braile, de autoria de Gabi da Pele Preta.
Placa tátil posicionada no Marco Zero do Recife, escrita em braile e com conteúdo de áudio, descreve paisagem do Parque de Esculturas de Francisco Brennand
Reprodução/Redes Sociais
“É claro que a pessoa com deficiência vai precisar de alguém que a conduza até lá, para poder usar a audiodescrição. A gente sabe que a autonomia, neste sentido, vai depender de ter acesso ao local. Mas a partir do momento em que estiver no ponto de início [do trajeto], será possível perceber todos os aspectos de cada espaço”, completou Liliana Tavares.
Destinos acessíveis ‘inteligentes’
O turismólogo Bráulio Moura, gerente de Inovação e Roteiros Turísticos da Secretaria de Turismo do Recife, contou que a questão da acessibilidade para pessoas com deficiência, mobilidade reduzida ou neurodivergentes faz parte da Rede de Destinos Turísticos Inteligentes, que inclui cidades do Brasil, da América Sul e da Europa.
O Recife, segundo Moura, vem se adaptando há pelo menos 20 anos para receber turistas com deficiência e atualmente já conta com um guia de turismo acessível, com descrição de atrações e equipamentos por bairro e detalhamento sobre o nível de acessibilidade disponível em cada local.
Segundo estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com base em dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) de 2022, o Brasil tem 18,6 milhões de pessoas com deficiência, considerando a população com idade igual ou superior a dois anos. O número representa 8,9% de toda a população brasileira a partir de dois anos de idade.
Um mapeamento sobre o perfil do turista com deficiência feito pelo Ministério do Turismo e divulgado em 2023, revelou que os turistas com deficiência visual são os que mais viajam sozinhos. Já os grupos de pessoas com deficiência física, intelectual e com mobilidade reduzida costumam fazer viagens acompanhadas.
Liliana Tavares explicou que para a conclusão das audiodescrições dos pontos turísticos dos bairros de Santo Antônio, do Recife, de Santo Amaro e da Boa Vista foi necessário realizar uma “prova pública”, com mais de 100 pessoas com alguma deficiência física ou neurodivergência. Neste caso, a aprovação dos conteúdos veio diretamente de usuários com os perfis para os quais os roteiros descritivos foram criados.
Vista da Rua da Aurora, região central do Recife
Arquivo/g1
“Foi muito interessante porque reunimos pessoas muito diferentes, inclusive pessoas surdas – que tiveram guias especialmente para elas. É importante lembrar que a audiodescrição não explica; ela descreve o que está no ambiente, o que pode ser percebido naquele monumento e naquele espaço, e também tem uma preocupação de ser concisa, enxuta, pois precisa descrever sem juízo de valor. Sem dizer que é bonito ou feio, por exemplo”, disse a audiodescritora Liliana Tavares.
Liliana ressalta que o fato de descrever e se ater aos detalhes faz com muitas pessoas que enxergam também se interessem em ouvir as descrições e perceber detalhes nos espaços que não notariam de outra forma.
“Verouvindo”, cinema e visitas guiadas por demanda do público
A experiência em guiar pessoas com deficiência e fazer a audiodescrição de obras cinematográficas, que culminou na organização do festival “Verouvindo” – que este ano chega à nona edição, fez os organizadores iniciarem pequenos passeios turísticos guiados com audiodescrição para o público que frequenta o festival.
Dessa forma, a cada ano, além de elaborar uma programação de filmes exibidos com audiodescrição, o “Verouvindo” passou a realizar roteiros pelo Grande Recife, dando acesso a locais que antes não eram aproveitados da mesma forma por pessoas com deficiência.
“Hoje em dia os eventos estão cada vez mais fazendo ações de acessibilidade. É uma questão cobrada pela sociedade e também solicitada nos editais. Normalmente o orçamento não tem recursos disponíveis para fazer para todo mundo, mas os espaços de cultura estão cada vez mais acessíveis. No caso dos museus, nas exposições de curta temporada, financiadas pelo Funcultura, ou com recursos de leis de incentivo cultural já são montadas com audiodescrição”, completou Liliana Tavares.
No Recife, além dos monumentos e espaços públicos do projeto “Paisagens Sonoras”, alguns museus também já contam com audiodescrição das fachadas, resultado de um curso de formação de audiodescritores promovido durante a pandemia do Covid-19, por meio da Lei Aldir Blanc, pela prefeitura do Recife. São eles:
Museu do Estado de Pernambuco: Av. Rui Barbosa, nº 960, Graças
Museu da Cidade do Recife: Praça das Cinco Pontas, s/n, São José
Museu do Homem do Nordeste: Av. Dezessete de Agosto, nº 2187, Casa Forte
Cais do Sertão: Armazen 10, Av. Alfredo Lisboa, s/n, Bairro do Recife
Paço do Frevo: Rua da Guia, s/n – Bairro do Recife – Além da fachada, o museu conta com exposição acessível no térreo e na sala Frevo Vivo.
Museu de Arte Moderna Aluísio Magalhães (Mamam): pelo menos 100 obras do acervo já contam com audiodescrição, disponíveis na internet.
“Além do olhar”
Igreja da Sé
Passarinho / Prefeitura de Olinda
Outras iniciativas também financiadas por meio de leis de incentivo tornaram acessíveis igrejas de Olinda e do Recife para pessoas cegas, com baixa visão e neurodivergentes. Os projetos “Olinda Além do Olhar” e “Recife Além do Olhar” criaram painéis visuais e táteis, com vídeos disponíveis na internet, de paisagens e igrejas das duas cidades.
Cada painel apresenta a fachada tátil, miniaturas das igrejas e monumentos, o sinal equivalente em Libras, um texto informativo sobre o monumento ou paisagem e um QR Code que leva para o conteúdo de audiodescrição.
Em Olinda, estão disponíveis nos seguintes locais:
Igreja do Carmo: Praça do Carmo, s/n, Carmo
Igreja do Amparo: Rua do Amparo, Amparo
Igreja da Misericórdia: Rua Bispo Coutinho, s/n, Alto da Sé
Convento de São Francisco: Rua de São Francisco, 280, Carmo
Basílica de São Bento: R. de São Bento, s/n, Varadouro
Catedral da Sé: Rua Bispo Coutinho, 1541, Carmo
No Recife, os painéis táteis podem ser vistos nos monumentos:
Igreja Nossa Senhora da Conceição dos Militares: Rua Nova, nº 309, Santo Antônio
Igreja Madre de Deus: Rua Madre de Deus, Bairro do Recife
Basílica de Nossa Senhora do Carmo: Av. Dantas Barreto, nº 646, Santo Antônio
Bairro do Recife e Torre Malakoff: Praça do Arsenal da Marinha, s/n, Bairro do Recife
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