A conquista do tricampeonato pela seleção foi um prato cheio para o regime militar

Quem ligasse a TV nos tempos da ditadura brasileira se deparava com propagandas, músicas e frases marqueteiras, como: “Brasil, ame-o ou deixe-o” e “Ninguém segura esse país”. Uma canção da época era Eu te amo, meu Brasil, da dupla Dom & Ravel: “Eu te amo, meu Brasil, eu te amo/Meu coração é verde, amarelo, branco, azul-anil/Eu te amo, meu Brasil, eu te amo/ Ninguém segura a juventude do Brasil”. Já a música Pra Frente Brasil, de Miguel Gustavo, virou hino da seleção

Noventa milhões em ação
Pra frente Brasil, do meu coração
Todos juntos vamos, pra frente Brasil
Salve a seleção!!!
De repente é aquela corrente pra frente,
parece que todo o Brasil deu a mão!
Todos ligados na mesma emoção,
tudo é um só coração!
Todos juntos vamos, pra frente Brasil!
Salve a seleção!

A canção foi a vencedora de um concurso organizado pelos patrocinadores das transmissões dos jogos da Copa. O presidente do Brasil em 1970 era o general Emílio Garrastazu Médici, associado ao período mais ferrenho da ditadura. O AI-5, que estava em vigor desde 13 de dezembro de 1968, cerceava a liberdade dos cidadãos, autorizava o governo a cassar mandatos, acabava com o habeas corpus e amordaçava os meios de comunicação com censura. Eram os “anos de chumbo”, período em que mais se praticou tortura contra os opositores ao regime.

As guerrilhas, rural e urbana, também mostravam suas garras e promoviam atentados, assaltos a bancos e sequestros de embaixadores. A historiadora Mary del Priore nos lembra no volume quatro de Histórias da Gente Brasileira que “a Oban, Operação Bandeirante, tinha por objetivo empreender ações de captura e desmonte de grupos armados usando métodos marcadamente violentos. Em 1970, foram criados os Centros de Operações de Defesa Interna (Codi) e os Destacamentos de Operações e Informações (DOI). Todos congregavam membros das três Forças, bem como policiais civis e militares.”

Esse cenário fez com que torcedores mais politizados adotassem uma postura contrária à seleção que iria disputar a Copa do Mundo, no México. A ditadura aproveitaria a conquista do tricampeonato para se promover e a população seria usada como massa de manobra. Apesar de toda a preocupação dos militares com a preparação física da seleção, o uso da imagem dos jogadores para promover o esporte e a tentativa de mostrar que o Brasil era um país grande, não houve qualquer tipo de interferência nas escalações definidas por Zagallo. O jogador Dario foi convocado para a Copa, como queria o presidente da República, mas ele não entrou em campo. 

Dias antes do embarque, Médici recebeu os jogadores, conforme relato da Revista do Esporte: “Às vésperas da viagem da seleção brasileira para o México, o presidente Emílio Garrastazu Médici recebeu a delegação da CBD, no Palácio Laranjeiras, no Rio, para as despedidas oficiais. Na oportunidade, o chefe do governo disse a Zagallo que confiava no escrete e pediu aos atacantes, principalmente a Dario — do qual é admirador —, que fizessem muitos gols. Prometeu, também, que se o Brasil for campeão mundial, dará a cada jogador, técnico e massagista, como prêmio, a concessão para revenderem apostas da Loteria Esportiva”. O regime tentou, por meio do futebol, conseguir legitimidade popular e se aproveitou da euforia provocada pela conquista do mundial. Entretanto, os torcedores que inicialmente ficariam contra a seleção, acabaram se rendendo ao futebol mágico da seleção de 1970. 

Adicionar aos favoritos o Link permanente.