O governo militar do Mali anunciou a dissolução de todos os partidos políticos do país, em um novo capítulo da escalada autoritária sob o comando do coronel Assimi Goita. A decisão foi oficializada por meio de um pronunciamento televisionado, em meio a crescentes denúncias de repressão a opositores. As informações são da rede Al Jazeera.
A medida extrema ocorre dias após protestos realizados em 3 e 4 de maio, quando manifestantes marcharam com cartazes dizendo “Abaixo a ditadura, viva a democracia”, numa rara contestação pública ao regime. O governo havia prometido eleições em 2022, mas postergou indefinidamente o retorno ao regime civil. No mês passado, uma conferência nacional recomendou estender o mandato de Goita até 2030.

Para evitar nova onda de manifestações, o governo emitiu um decreto que suspendeu todas as atividades políticas no país, o que forçou os grupos de oposição a cancelarem os protestos. Agora, com a dissolução oficial dos partidos, o regime fortalece ainda mais seu controle sobre o poder.
As ações autoritárias do governo também coincidem com o aumento das denúncias de desaparecimentos forçados de lideranças opositoras. Na semana passada a ONG Human Rights Watch (HRW) informou que Abba Alhassane, secretário-geral do partido Convergência para o Desenvolvimento do Mali (Codem), foi “preso” por “homens mascarados”. No mesmo dia, El Bachir Thiam, líder do partido Yelema, também foi levado por indivíduos não identificados na cidade de Kati, próxima à capital.
Um integrante do Codem relatou à Reuters, sob anonimato, que o partido havia perdido contato com Abdoul Karim Traore, líder do braço jovem da legenda. “Tememos que ele também tenha sido sequestrado”, afirmou. As autoridades do Mali ainda não se pronunciaram sobre os relatos de prisões ou desaparecimentos.
Por que isso importa?
O Mali vive um período de instabilidade que começou com o golpe de Estado em 2012, quando grupos rebeldes e insurgentes islâmicos tomaram o poder no norte do país. De quebra, a nação, independente desde 1960, viveu em maio de 2021 o terceiro golpe de Estado em um intervalo de apenas dez anos, seguindo o que já havia ocorrido em 2012 e também em 2020.
A mais recente turbulência política começou semanas antes do golpe, com a demissão do primeiro-ministro Moctar Ouane pelo presidente Bah Ndaw. Reconduzido ao cargo pouco depois, Ouane não conseguiu formar um novo governo, e a tensão aumentou com a falta de pagamento dos ingressos dos professores. O maior sindicato da categoria, então, começou a se preparar para uma greve.
Veio a noite do dia 24 de maio, quando o coronel Assimi Goita, vice-presidente do país, destituiu Ndaw e Ouane de seus cargos e ordenou a prisão de ambos na capital Bamako. Segundo ele, os dois líderes civis violaram a carta de transição ao não consultarem os militares na formação do novo governo.
Ao contrário do que ocorreu em golpes anteriores, que contaram com apoio popular, desta vez a maior parte da população rejeitou a tomada de poder por Goita, que derrubou o governo de transição recém-instituído e assumiu o comando do país. A população civil não foi às ruas protestar contra o militar, mas usou as redes sociais para mostrar sua insatisfação.
Em meio à instabilidade política, cresceu no país a presença de grupos jihadistas ligados à Al-Qaeda e principalmente ao Estado Islâmico (EI), o que levou a uma explosão de violência nos confrontos entre extremistas e militares, com milhares de civis entre as vítimas.
Os conflitos, antes concentrados no norte do Mali, se expandiram inclusive para os vizinhos Burkina Faso e Níger. Assim, a região central maliana se tornou um dos pontos mais violentos de todo o Sahel africano, com frequentes assassinatos étnicos e ataques extremistas contra as forças do governo.
A situação tornou-se ainda mais delicada devido à retirada das tropas da França, que até agosto de 2022 colaboravam com o governo nacional nas operações de contraterrorismo. A decisão de Paris de evacuar seus militares gerou dúvidas quanto à capacidade de o país africano sustentar os avanços obtidos na luta contra os insurgentes. O espaço deixado pelos franceses foi assumido inicialmente pelos mercenários do Wagner Group, da Rússia.
O post Governo militar do Mali dissolve todos os partidos políticos após protestos por democracia apareceu primeiro em A Referência.