A polêmica em torno da Groenlândia – e o que Trump tem a ver com isso

"GroenlândiaParte do reino da Dinamarca e alvo da cobiça do presidente eleito dos EUA, ilha vê renascer debate sobre quem deve controlar território. Em meio à discussão acirrada, Donald Trump Jr. visita território.O anúncio da visita relâmpago à Groenlândia de Donald Trump Jr., filho do homem que será empossado presidente dos Estados Unidos em 20 de janeiro, deixou os groenlandeses e a comunidade internacional em polvorosa.

Não à toa: Donald Trump pai parece estar decidido a incorporar a gigantesca ilha do Ártico, hoje parte do reino da Dinamarca, ao território americano.

A bordo de um poluente jato particular – e sobrecarregando ainda mais um ártico já castigado pelo aquecimento global –, Trump Jr. pousou no país nesta terça-feira (07/01) para uma agenda de poucas horas.

O empresário americano se esforçou em fazer a visita parecer algo inofensivo: “Como um amante da natureza, alguém que viajou por lugares fascinantes em todo o mundo, estou animado por fazer uma parada na Groenlândia esta semana para me divertir um pouco”, disse à emissora americana Fox antes de embarcar.

Pessoas próximas a Trump Jr. afirmaram que a visita serviria apenas para a captação de imagens para um podcast, e que não haveria encontros com políticos, segundo a agência de notícias Reuters.

O chefe do escritório do Exterior groenlandês, Mininnguaq Kleist, disse que a visita duraria entre quatro e cinco horas. “Não fomos informados sobre a programação. Trata-se, portanto, de uma visita privada”, disse à Reuters.

Mas Trump pai deixou claro que a visita vai além do turismo e da produção de boas imagens para as redes sociais. “Meu filho, Don Jr., e vários congressistas estarão viajando até lá para visitar algumas das áreas e paisagens mais magníficas”, escreveu em sua rede social na noite anterior à viagem. “A Groenlândia é um lugar incrível, e as pessoas vão se beneficiar imensamente se, e quando, virarem parte de nossa Nação. Vamos protegê-los […] de um mundo muito cruel.”

Na terça-feira, minutos após a aterrissagem, Trump pai postou: “Eles [povo da Groenlândia] e o Mundo Livre precisam de segurança, força e PAZ! Este é um acordo que precisa acontecer.”

Desde a vitória eleitoral em novembro, Trump pai já reivindicou para si o controle de alguns lugares fora do território americano: o canal do Panamá e até mesmo o vizinho Canadá, a quem ameaçou impor pesadas taxas comerciais e sugeriu uma fusão com os EUA.

Mais tarde na terça-feira, numa coletiva de imprensa, o republicano disse a jornalistas que não “pode garantir” que não recorrerá a intervenções militares ou econômicas para tomar de volta o Canal do Panamá ou comprar a Groenlândia. “Precisamos deles para a segurança econômica.”

Pouco antes da visita, circularam na imprensa dinamarquesa relatos de que o chefe de governo da Groenlândia, Múte Egede, cancelou em cima da hora um encontro com o rei Frederik da Dinamarca, aparentemente por incompatibilidade de agendas, mas sem maiores explicações.

Por que Trump está interessado na Groenlândia

O perfil no Instagram do autoproclamado amante da natureza Trump Jr. é repleto de posts políticos que ecoam a linha de seu pai. Por isso, parece improvável que a viagem não tenha nada a ver com a agenda do novo presidente dos EUA.

O republicano manifestou interesse na compra do território ainda em 2019, durante seu primeiro mandato. Após ser ignorado pela primeira-ministra Mette Frederiksen, Trump cancelou uma visita oficial à Dinamarca.

Nas últimas semanas, Trump voltou a insistir no tema: horas antes da viagem de Don Jr., postou um vídeo que mostra um homem usando um boné do MAGA – um acrônimo para “Make America Great Again”, slogan de campanha dos apoiadores de Trump – e pedindo ao republicano que compre a Groenlândia e os libertem do “domínio colonial” dinamarquês.

Os Estados Unidos, que fazem fronteira com o Ártico no estado do Alasca, operam desde 1951 uma base aérea no noroeste da Groenlândia. A anexação significaria um ganho de influência econômica e geopolítica em uma região rica em recursos naturais, onde tensões militares com a Rússia e a China têm crescido.

É o que argumenta Marc Jacobsen, professor no Royal Danish Defence College: “Se olharmos para os inimigos primários dos EUA neste momento, temos grande competição com a China por poder. E se principalmente a Rússia enviasse mísseis aos EUA, a rota mais curta seria pelo Polo Norte, por cima da Groenlândia.”

Jacobsen também aponta que a Groenlândia tem “enormes quantidades” de terras raras, minerais “extremamente importantes” para fabricação de todo tipo de tecnologia, desde equipamentos militares até geradores de energia eólica e smartphones, cuja mineração é hoje dominada pela China.

Professor de política internacional e externa na Universidade de Colônia, Thomas Jäger vê ainda um outro motivo para o interesse de Trump na Groenlândia: “É possível que Trump queira se alinhar à tradição de presidentes que expandiram o território americano. No século 19, quando os EUA cresceram em direção ao oeste, depois compraram o Alasca – isso seria algo que faria dele realmente um grande presidente”, disse em entrevista ao canal alemão NTV.

Colonização ainda é ferida aberta na Groenlândia

E como tem reagido a classe política na Groenlândia às aspirações de Trump?

Em sua mensagem de ano novo, o chefe de governo groenlandês exigiu “passos importantes em direção a um país independente”. “O futuro e o país pertencem a nós!”, frisou Egede. “Não estamos e nunca estaremos à venda. Não podemos perder nossa longa batalha pela liberdade.”

“Não quero ser uma peça no tabuleiro dos sonhos loucos de Trump de expandir seu império e envolver nosso país nisso”, postou no Facebook a deputada groenlandesa e pró-independência Aaja Chemnitz. Ela ocupa um dos únicos dois assentos no Parlamento dinamarquês reservados aos groenlandeses.

A ilha, habitada pelo povo inuit (popularmente conhecidos como esquimós) e com cerca de 56 mil habitantes, foi colonizada no século 18 pela Noruega e a Dinamarca, tornando-se domínio dinamarquês. E embora após a Segunda Guerra Mundial a Groenlândia tenha oficialmente deixado de ser uma colônia, conquistando a autonomia em 1979, mulheres da ilha foram submetidas a controle obrigatório de natalidade e tiveram seus filhos raptados e levados para a Dinamarca.

Os horrores daquele período – e as continuidades remanescentes nos dias de hoje – estão sendo reexaminados criticamente a passos lentos e reforçam em muitos groenlandeses o desejo de se libertarem da Dinamarca de uma vez por todas.

Quando um novo Parlamento for eleito na Groenlândia em abril, muitos apoiadores da independência do território autônomo esperam fortalecer sua causa.

Em sua mensagem de Ano Novo, Egede disse que o Parlamento já começou a trabalhar numa Constituição para uma Groenlândia soberana.

Dinamarca não quer abrir mão do território

Hoje, a Groenlândia recebe o equivalente a cerca de 550 milhões de euros (R$ 3,49 bilhões) da Dinamarca todos os anos. O valor, que responde por aproximadamente um terço do Orçamento, é usado por críticos da independência como argumento de que a separação seria inviável.

E a Dinamarca dificilmente vai querer abrir mão do território devido aos seus recursos naturais e importância geoestratégica. Tanto que pouco depois da oferta de Trump à Groenlândia, o ministro dinamarquês da Defesa, Troels Lund Poulsen, divulgou uma lista de investimentos em infraestrutura militar na ilha.

Ao mesmo tempo, a monarquia dinamarquesa mudou seu brasão, ampliando o urso que representa a Groenlândia e o carneiro que designa as Ilhas Faroé.

“Devemos ficar juntos”, disse o rei Frederik em sua mensagem de Ano Novo. A ressonância da mensagem entre os groenlandeses deve continuar sendo tema de campanha. Se independência, anexação aos EUA ou permanência sob a autoridade da Dinamarca (possivelmente em troca de mais verbas públicas): a valorização geopolítica de um Ártico em degelo joga a favor da Groenlândia.

Com informações de David Ehl.

ra/bl (DW, AFP, Reuters, ots)

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