As razões do plano de expansão de Trump

Prestes a assumir a presidência dos Estados Unidos pela segunda vez (em 20 de janeiro), Donald Trump defendeu a anexação de outros territórios pelos americanos e não descartou o uso de força militar pelos objetivos de expansão que pretende implementar na Casa Branca.

O que disse Trump

Em entrevista concedida na terça-feira, 7, na sua residência em Mar-a-Lago, na Flórida, o republicano foi questionado se poderia assegurar que não usaria as Forças Armadas para anexar o Canal do Panamá, uma via vital para a navegação global, e a Groenlândia, um território autônomo administrado pelo governo da Dinamarca, e respondeu: “Não posso assegurar para nenhum deles”.

“Posso dizer o seguinte: precisamos deles por motivos de segurança econômica. Não vou me comprometer com isso [descartar a ação militar]. Pode ser que tenhamos que fazer alguma coisa”, disse aos repórteres. E acrescentou: “Nós precisamos da Groenlândia para fins de segurança nacional”.

Sede de uma relevante base militar americana, a Groenlândia teve uma proposta de aquisição recusada pelo governo dinamarquês — membro fundador da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) — no primeiro mandato de Trump.

Já o Canal do Panamá é controlado exclusivamente pelo país de mesmo nome desde 1999, quando a parceria com os EUA foi encerrada. Trump já declarou em várias ocasiões que gostaria de retomar a via caso os pedágios para os navios americanos não sejam reduzidos.

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Ainda na terça-feira, o republicano publicou em seu perfil na plataforma TruthSocial uma imagem na qual o Canadá aparece anexado ao território americano. “Porque o Canadá e os Estados Unidos, isso seria algo muito grande”, disse a jornalistas após ser questionado sobre o uso de força militar para anexar a nação vizinha.

As razões do plano de expansão de Trump

Primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau afirmou não haver “a menor chance de o Canadá se tornar parte dos Estados Unidos”. “Os trabalhadores e as comunidades de ambos os países se beneficiam do fato de serem o maior parceiro comercial e de segurança um do outro”, disse o político.

As margens para expansão

O site IstoÉ entrevistou três estudiosos da geopolítica, relações diplomáticas e direito internacional para entender a viabilidade do plano público de Trump e saber quais seriam as reações da comunidade global caso o presidente americano decida colocá-lo em prática ao retornar à Casa Branca. Veja a seguir as análises:

— Alberto Pfeifer, coordenador do grupo de Análise de Estratégia Internacional da USP (Universidade de São Paulo)

O interesse no Canal do Panamá se deve à busca pelo controle estratégico de um gargalo vital para comércio e segurança internacional. Por lá, passam não só navios comerciais, mas também embarcações militares. Há uma presença chinesa nesta via, o que coloca em risco sua utilização por parte de forças ou destacamentos norte-americanos. Trump quer uma redução dos custos e a garantia de controle do acesso ao canal, o que não requer o uso de força e pode ser acertado por meio de um tratado bilateral entre Panamá e EUA.

Ainda que não tenha estratégia, o presidente eleito americano tem objetivos e uma certa metodologia, que é enunciar o desejo de algo, ameaçar um custo para a outra parte e, então, conseguir uma barganha para conquistar esses objetivos. Seu objetivo principal, em todos os casos citados, é a segurança unilateral da sociedade americana.

Colocado o objetivo, existe a tática. O fato de os EUA enunciarem a potencialidade do uso da força é uma consequência da posição dessa nação no cenário internacional, por ser uma potência hegemônica e ter a maior máquina militar do mundo. Qualquer propositura americana tem implícita a possibilidade do uso da força, que é exposta por Trump. Não é boa prática diplomática, mas essa não é uma característica que se espera dele.

Os EUA já tomaram e compraram territórios no passado — adquiriram o Alaska da Rússia, por exemplo. Neste momento, há territórios sendo disputados com uso de força, como ocorre entre Rússia e Ucrânia. Podemos estar diante de uma nova configuração da geopolítica mundial, em que as nações mais fortes enunciam quais são seus objetivos territoriais antes de irem atrás de conquistá-los.

Quando se considera uma competição entre EUA, Rússia e China pela hegemonia global, é possível dizer que o líder americano atua como os chefes de Estado dessas nações ao interferir na sua região próxima para fazer valer os interesses nacionais a partir de uma visão unilateral do mundo. A conclusão é um multilateralismo que se enfraqueceu talvez de um modo irreversível. É possível que se prenuncie uma era de agrupamentos que seguem agendas específicas e temas definidos, sem uma generalização que parece fadada à irrelevância.

As razões do plano de expansão de Trump

Reunião do Conselho de Segurança da ONU, em Nova York: entidades globais são enfraquecidas por liderança de Trump | Mike Segar/Reuters

— Gunther Rudzit, professor de relações internacionais da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing)

Não há qualquer possibilidade de os EUA anexarem Canadá, Groenlândia ou o Canal do Panamá, já que não há margem de consentimento dos Estados e o uso de força para isso dependeria da aprovação do Congresso americano. Ainda que o partido de Trump tenha maioria no Legislativo, não há viabilidade para esse movimento. As falas do presidente eleito, portanto, têm dois objetivos: a manutenção do engajamento de sua base política e a preservação de uma estratégia de pressionar outras lideranças globais por meio da imprevisibilidade.

Groenlândia, Canadá e o Canal do Panamá são três pontos interligados. Com o derretimento do Ártico e a abertura da passagem da Ásia para o Atlântico Norte, a Casa Branca se preocupa com o uso desse espaço para a circulação de navios militares chineses, que do ponto de vista americano cercariam seu território. Trump voltou a falar de um suposto “controle chinês” do Canal do Panamá, ou seja, ele expressa o receio de um fortalecimento da presença chinesa em território ocidental.

É possível traçar um paralelo com a anexação da Crimeia pela Rússia, uma ação de Vladimir Putin que já foi classificada por Trump como “jogada de gênio”. É justamente a aproximação entre Trump e as estratégias de Putin que faz com que mesmo analistas sérios se preocupem com a chance dessas propostas expansionistas irem adiante. Minha crença de que isso não ocorra se baseia na força das instituições americanas, que não demonstram adesão às intenções mais radicais do presidente eleito.

— Victoriana Gonzaga, advogada especializada em direito internacional e professora da FIA-SP (Fundação Instituto de Administração)

As declarações de Trump não encontram qualquer respaldo no direito internacional que, pelo contrário, tem fundamentos muito sólidos a respeito da soberania dos Estados e da proteção de seus territórios. Qualquer tentativa de tomar o Canal do Panamá violaria tratados internacionais, inclusive o de neutralidade dessa via, que tem os EUA como signatário. O Canadá, por sua vez, é um Estado respeitado na comunidade internacional, enquanto o governo dinamarquês já recusou uma proposta de aquisição do território groenlandês pelos americanos e qualquer alteração dependeria do consentimento da população, dado que a Groenlândia tem autonomia interna.

Sem acordos, qualquer ação que viole a soberania de outro Estado seria tratada como agressão por ONU (Organização das Nações Unidas), Otan e demais entidades globais. Os EUA ficariam sujeitos a sanções, embargos e veriam comprometidas relações econômicas importantes para o novo governo de Trump.

Na prática, não há margem diplomática ou legal para viabilizar esse plano de expansão sem provocar um grave isolamento dos EUA no cenário internacional. Além disso, as propostas não convergem com o próprio discurso de campanha do republicano, que foi muito voltado ao protecionismo americano e às questões internas, sem qualquer sinal de expansionismo.

Ainda que o desejo de expansão manifestado por Trump seja provocativo e aparentemente fora da realidade, ele tem um claro objetivo de energizar uma base eleitoral nacionalista, em que ressoa a ideia da ‘força americana’. O republicano galvaniza apoio interno e desvia a atenção de problemas domésticos que passará a enfrentar no mandato, o que faz desde o primeiro governo. Ao mesmo tempo, dá recados à comunidade internacional ao testar os limites das normas globais e organizações multilaterais. Por outro lado, opositores podem capitalizar sobre declarações como essa para reforçar a imagem de Trump como um líder instável e internacionalmente isolado.

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