2 anos de fraude na Americanas: relembre caso que marcou história corporativa do país

No dia 11 de janeiro de 2023, a Americanas trouxe à tona, em fato relevante, um rombo de R$ 20 bilhões nas contas da empresa. Após nove dias em seus respectivos cargos, Sergio Rial, então CEO da companhia, e André Covre, diretor de Relações com Investidores, renunciaram de seus postos.

Neste sábado (11), o caso completa dois anos. Do dia 10 de janeiro de 2023 até esta sexta-feira (10), as ações da empresa amargaram queda de 99,5%, chegando a serem cotadas em centavos ao final de alguns pregões do período.

 

 

Ao longo destes dois anos, o caso não só foi alvo de uma investigação independente, como também de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Congresso.

A CPI acabou ainda em 2023 sem incriminar ninguém. Mas, um relatório do comitê independente divulgado em outubro revelou como ocorreu o esquema entre os ex-diretores da Americanas que estão por trás da fraude contábil.

A seguir, relembre os principais pontos por trás do caso.

Do começo da tempestade à recuperação judicial

O fato relevante que revelou a fraude apontava que naquele momento não era possível “determinar todos os impactos de tais inconsistências na demonstração de resultado e no balanço patrimonial da companhia. A Companhia estima que o efeito caixa dessas inconsistências seja imaterial”.

Logo no dia seguinte, as ações da varejista amargaram quase 80%, com perda estimada de US$ 8 bilhões em valor de mercado. A queda não terminou aí.

Os acionistas denunciaram a companhia à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), e buscavam apurar a responsabilidade da empresa de auditoria PwC na fraude, que à época era encarregada de averiguar os balanços da varejista.

A Americanas então constatou uma dívida de R$ 40 bilhões e, oito dias após a fraude vir à tona, a empresa entrou com pedido de recuperação judicial, o 4º maior da história do país.

Nesse meio tempo, a Americanas contratou a Rothschild&Co para tocar a renegociação de sua dívida, teve sua nota de crédito rebaixada pela S&P Global e, enquanto seus credores se mobilizavam, o trio de acionistas de referência da varejista — Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira — veio a público para dizer que não tinha conhecimento de quaisquer manobras e dissimulações contábeis na companhia.

O plano de recuperação judicial só viria a ser aprovado pelos credores da empresa no final de 2023. Após dificuldades para fazer o processo andar e conseguir o apoio da maioria dos bancos envolvidos, a Americanas conseguiu apoio de cerca de 91,1% dos credores. Já com relação ao volume de dívida com a varejista, 97,2% dos credores deram aval para o plano.

A proposta incluia uma injeção de R$ 12 bilhões pelo trio de acionistas de referência da companhia, além de R$ 12 bilhões em conversão de dívida em ações da empresa.

Dedos apontam para antiga diretoria

Em fevereiro de 2023, a Americanas atualizou o valor total de sua dívida para R$ 47,9 bilhões. Logo em seguida, a varejista anunciou o afastamento de toda a diretoria, cujos nomes estavam na mira da CVM por possível uso de informações privilegiadas para recebimento de bônus.

Em 13 de junho daquele ano, a investigação interna conduzida pela Americanas apontou que a antiga diretoria tinha conhecimento da fraude contábil ocorrida na empresa. O relatório apontou que as demonstrações financeiras da empresa vinham sendo fraudadas pela antiga diretoria da companhia, que atuou até o fim de 2022.

Entre os nomes apontados, estão os de Miguel Gutierrez (responsável pelo comando da Americanas por 20 anos), Anna Saicali (presidente da Ame Digital), José Timotheo Barros (vice-presidente) e Márcio Meirelles (vice-presidente).

Gutierrez e Saicali passaram parte do período foragidos na Europa, e chegaram a ser incluídos na lista de procurados da Interpol.

Em julho passado, a ex-diretora da companhia retornou ao Brasil, e teve de entregar seu passaporte à Polícia Federal.

Já o ex-CEO chegou a ser preso em Madri no mês de junho, e foi solto no dia seguinte após prestar depoimentos. Em agosto, o Tribunal Regional Federal da Segunda Região concedeu habeas corpus e revogou a prisão de Gutierrez.

Último relatório da investigação independente

No relatório publicado em outubro passado, a investigação apontou que a diretoria utilizava contratos de verba de propaganda cooperada (VPC) forjados para maquiar os resultados divulgados pela empresa.

VPCs são acordos firmados entre uma varejista e seu fornecedor para promover seus produtos nas lojas. O objetivo é reduzir parte do custo da compra.

A investigação identificou uma série de VPCs que não foram pagos ou abatidos dos valores negociados com fornecedores informados pela empresa. De acordo com o relatório, não haviam valores negociados com fornecedores ou provas documentais suficientes para sustentar os lançamentos.

Foram apurados supostos contratos vencidos desde 2016 e que nunca foram pagos. Entre as irregularidades, foram observadas cartas em duplicidade, alegação do fornecedor de que valores tinham sido quitados ou não reconhecimento de valores pelo fornecedor.

Os VPCs geram um saldo na conta de fornecedores da Americanas. A varejista compilava a primeira versão do seu fechamento sem o efeito dos VPCs forjados. Esses resultados então eram reavaliados e ajustados com os valores dos contratos de acordo com as expectativas do mercado.

A empresa planejava esses movimentos e identificavam esses contratos que sabiam que não seriam pagos como VPC B, que também eram chamados de VPC extra, carta fake ou carta ruim.

O resultado disso: os resultados apresentados pela empresa vinham superfaturados devido à subavaliação de custos e despesas, enquanto a conta de fornecedores também era diminuída considerando o que os parceiros deviam, em teoria, à varejista.

Enquanto maquiava seus resultados, para diminuir o consumo de caixa e esconder a manipulação da conta de fornecedores, a Americanas buscava postergar o pagamento de suas obrigações com os fornecedores.

Em outubro de 2024, a Comissão de Valores Mobiliários acusou oito ex-executivos da Americanas por utilizarem informações privilegiadas na negociação de ativos de emissão da empresa antes da divulgação do escândalo contábil em 2023. Gutierrez, Barros e Saicalli estavam entre os apontados.

“Plano de transformação”

A Americanas afirma que vem adotando hoje uma “estratégia de reestruturação e otimização de espaços da companhia, em linha com o seu plano de transformação que busca uma operação mais ágil, rentável e eficiente”.

Uma vez deflagrada a crise, a varejista só voltaria a divulgar um balanço em novembro de 2023. Na ocasião, a empresa reportou um prejuízo de R$ 12,9 bilhões em 2022. Segundo levantamento do consultor financeiro Einar Rivero, da Elos Ayta, o registrou foi o oitavo maior déficit anual de uma empresa de capital aberto desde 2010.

Já em agosto passado, a varejista reportou ter fechado o exercício de 2023 com prejuízo de R$ 2,27 bilhões.

Em novembro, ao divulgar o balanço do 3º trimestre de 2024, a Americanas apontou ter revertido suas perdas ao registrar lucro de R$ 10 bilhões no período. As ações da empresa dispararam após o anúncio.

Há pouco mais de um mês, no dia 3 de dezembro, a CVM absolveu Sergio Rial das acusações que o ex-presidente-executivo da Americanas enfrentava relacionadas à divulgação de informações após descoberta de rombo contábil na varejista em 2023.

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Este conteúdo foi originalmente publicado em 2 anos de fraude na Americanas: relembre caso que marcou história corporativa do país no site CNN Brasil.

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