‘Meu Bolo Favorito’: longa é retrato da velhice e luta pela liberdade da mulher

Em cartaz nos cinemas, o longa iraniano ‘Meu Bolo Favorito’ retrata a solitária Mahin (Lily Farhadpour), uma viúva de 70 anos que resolve desafiar a moralidade do Irã ao engatar um relacionamento com o taxista Faramarz (Esmaeel Mehrabi).

Além de falar sobre temas que estão sendo desconstruídos no Ocidente, como narrativas de pessoas acima dos 50 anos, a produção também enfrenta a posição de submissão imposta às mulheres do país, o que ressoou na vida pessoal dos diretores.

O casal idealizador do filme, Maryam Moghaddam e Behtash Sanaeeha, foi impedido de deixar o país para divulgar o longa. Inicialmente, ‘Meu Bolo Favorito’ foi gravado secretamente sob o nome de amigos próximos, mas quando os diretores tentaram viajar para Paris para realizar a pós-produção, tiveram seus passaportes confiscados e precisaram trabalhar a distância.

Em entrevista ao site IstoÉ Gente, o casal conversou sobre o tenso processo para gravação do filme e sobre os próximos passos frente a opressão.

Nascimento da ideia

“Pensamos que poderíamos fazer uma história sobre essas mulheres, sobre a vida. A ideia do filme veio das histórias que ouvimos das nossas mães, dos meus amigos”, começa Maryam. “Nós sempre quisemos fazer um filme sobre a vida real das mulheres iranianas sem essas mentiras que ouvimos há 45 anos”, completa.

Também atriz, ela conta que as mulheres são impedidas de serem elas mesmas fora de casa, e que são obrigadas a terem uma vida secreta, em circunstâncias que “forçaram” o casal a produzir o filme e desafiar o governo do Irã.

'Meu Bolo Favorito': longa é retrato da velhice e luta pela liberdade da mulher

Ao serem questionados se também colocaram um pouco de si mesmos e sua infância antes da Revolução Iraniana no longa, a roteirista afirma que todos, inclusive os mais jovens, sabem sobre o processo da transformação no pais.

“Todo mundo sabe como era antes da Revolução e fala sobre isso. As pessoas perguntam aos mais velhos ‘Por que vocês fizeram isso? Por que deixaram tão pior?’ e eles não têm como defender. As pessoas são muito nostálgicas, porque eles tinham liberdade, a gente não tem.”

“Uma das razões pela qual nós decidimos ter o casal velho é exatamente porque eles tiveram a experiência da Irã antes da Revolução. Eles viram um país livre e eles podem ver durante 45 anos como a vida deles foi destruída. “

Processo de filmagem 

Como ‘Meu Bolo Favorito’ fala de temas sensíveis e fortemente repreendidos no país, o casal precisou contar com amigos próximos para a produção do projeto. “O governo não sabia que estávamos filmando. Só recebemos permissão para um filme curto, não no nosso nome, mas no nome do meu amigo.”

“Eles trabalharam conosco em nosso último filme, ‘O Perdão’. Nós temos a mesma visão do mundo, eles são corajosos o suficiente e muito criativos”, conta Behtash.

“Quando estávamos escrevendo o escritório, nós estávamos pensando em Lily e Esmaeel, e quando eles leram o roteiro amaram os papéis. Eles disseram para a agente que sabiam que teriam consequências para eles, mas ainda queriam fazer parte do filme e enfrentar os desafios.”

“E agora eles estão enfrentando as repercussões, assim como nós. Estamos enfrentando acusações muito complicadas, como a propaganda contra o regime e quebra das leis islâmicas. Acusações muito absurdas.”

O casal ainda afirma que apesar dos efeitos negativos, a luta vale a pena. Os diretores entendem que para que uma mudança no país aconteça, alguém tem que dar o primeiro passo.

“Quando começamos a filmagem, Mahsa Amini foi morta e começou o movimento de liberdade de mulher no Irã. Você não pode apenas esperar que tudo aconteça por si mesmo”, afirma Maryam.

Consequências

Ao terminar as filmagens do longa, o casal teve que passar por outra provação: quando tentaram deixar o país rumo a Paris para os retoques na pós-produção, tiveram seus passaportes confiscados.  “Nós estamos proibidos de viajar pelos últimos quase dois anos, quase 20 meses. Estamos no meio de um processo com diferentes acusações contra nós”, conta Behtash.

“Como propaganda contra o regime, quebrar as regras islâmicas e espalhar a prostituição e o libertismo ao produzir um filme ‘vulgar’. O processo ainda está em vigor, nós vamos uma vez ou duas vezes por mês para o Tribunal Revolucionário, e eles fazem as interrogações.”

“Talvez em alguns meses ou em algumas semanas, o juiz principal vai tomar a decisão final e nos dar a sentença. Ela pode ser a continuidade da proibição de deixar o país, ou uma prisão. Para propaganda contra o regime, a sentença pode ser um ou dois anos de prisão.”

'Meu Bolo Favorito': longa é retrato da velhice e luta pela liberdade da mulher

O casal conta que eles estão impedidos de trabalhar nos últimos cinco anos, desde o lançamento de ‘O Perdão’, que também esteve em cartaz no Brasil. Desde então, seus filmes precisam ser feitos secretamente ou em nome de outros, como aconteceu com ‘Meu Bolo Favorito’.

De maneira trágica, os diretores afirmam que é essencial que o seu caso, e o de outros artistas iranianos na mesma situação, seja reconhecido internacionalmente.

“No Irã é sempre bom se você tem apoio dos mídias, das pessoas. Quanto mais apoio você tem, mais cuidadosos eles são com o seu caso. Quando você é muito desconhecido, eles são muito mais brutais”.

Veja o trailer do longa:

Ficha técnica:

Título original: Keyke mahboobe man
Direção: Maryam Moghadam, Behtash Sanaeeha
Roteiro: Maryam Moghadam, Behtash Sanaeeha
Produção: Filmsazan Javan, Caractères Productions, Hobab, Watchmen Productions, Etienne de Ricaud, Peter Krupenin, Gholamreza Moosavi, Behtash Sanaeeha, Christopher Zitterbart.
Direção de fotografia: Mohammad Haddadi
Música: Henrik Nagy
Figurino: Maryam Moghaddam, Amir Hivand
Edição: Ata Mehrad, Behtash Sanaeeha, Ricardo Saraiva
Gênero: Drama
País: Irã, França, Suécia, Alemanha
Língua: Persa
Ano: 2024
Tempo: 96 min
Classificação: 12 anos

*Estagiária sob supervisão

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