Ação na Justiça acusa União de desabrigar migrantes indígenas ao fechar abrigo de forma repentina em Pacaraima


Ação da Defensoria Pública da União (DPU) e Ministério Público Federal (MPF) pede a reparação dos danos causados ao migrantes e o pagamento de R$ 1 milhão. 310 migrantes venezuelanos dos povos Warao e E’ñepá viviam no abrigo Janokoida, desativado por risco de desabamento. Desativação do abrigo Janokoida, localizado em Pacaraima, pela operação Acolhida em novembro de 2024
Divulgação/Operação Acolhida
A Defensoria Pública da União (DPU) e o Ministério Público Federal (MPF) entraram com uma ação civil pública na Justiça de Roraima pedindo reparação dos danos causados a 310 migrantes venezuelanos dos povos Warao e E’ñepá após a desativação do abrigo Janokoida, em Pacaraima, município ao Norte de Roraima, na fronteira com a Venezuela.
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A ação destaca que os indígenas ficaram desassistidos após a evacuação do abrigo, classificada como “repentina” – alguns vivendo inclusive em situação de rua no município.
O documento foi assinado pela defensora pública da União, Mariana Moutinho Fonseca, nesta quarta-feira (15). A ação é contra a União, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o estado de Roraima e o município de Pacaraima.
👉 Contexto: O abrigo Janokoida foi criado em 2017 para atender aos migrantes venezuelanos em decorrência da crise no país vizinho. Foi desativado em 8 de novembro de 2024, após laudos da Defesa Civil de Roraima e da Secretaria de Infraestrutura indicarem alto risco de desmoronamento nas encostas próximas. A desativação ocorreu no contexto da Operação Acolhida, ação do Exército que acolhe venezuelanos em Roraima.
👉 Relatórios técnicos já indicavam, desde 2022, riscos geológicos na área onde o abrigo estava instalado. Segundo as defesas civis municipal e estadual, as instalações do abrigo, localizadas ao lado da encosta de um morro, estavam em área sujeita a deslizamento de grande impacto.
Os órgãos pedem ainda a condenação e ao pagamento de R$ 1 milhão por transferência à Renda do Patrimônio Indígena, gerida pela Funai, para serem aplicados em favor dos migrantes indígenas. Pede também que os indígenas que viviam no abrigo e que agora estão desabrigados ou em situação de rua sejam identificados por busca ativa e acolhidos no abrigo BV8, também em Pacaraima.
O g1 procurou a Casa Civil, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o governo de Roraima, a prefeitura de Pacaraima e questionou se há o interesse em se posicionar, mas não foi respondido até o momento. A reportagem procurou também a Operação Acolhida e questionou para onde os indígenas foram levados após a desativação do abrigo e aguarda resposta.
No relatório, a DPU destaca que viviam 310 indígenas no abrigo Janokoida antes da desativação – 61 deles alunos devidamente matriculados na rede escolar local. 152 pessoas foram transferidas para abrigos em Boa Vista. Além disso, 134 indígenas registraram saída voluntária sem informar seu paradeiro.
Na ação, as instituições argumentam que a remoção foi feita sem qualquer prévia com os abrigados ou com órgãos de controle e atendimento, como DPU e MPF, “ferindo os direitos fundamentais das pessoas vulneráveis”. Além disso, questiona-se a razão pela qual as famílias não foram levadas a outro abrigo que existe na cidade como forma de amenizar o impacto na rotina dessas pessoas.
A ação demonstra que, mesmo com os pareceres que apontavam os riscos de desmoronamento nas proximidades do abrigo, nenhuma medida preventiva foi tomada pelas autoridades responsáveis ao longo dos últimos anos.
A DPU promoveu diligência em Pacaraima nos dias 21 e 22 de novembro de 2024 e constatou que:
Parte dos evacuados que recusaram traslado a Boa Vista vive hoje em situação de rua em Pacaraima, em barracos precários de madeira e lona.
Desalojados relataram insegurança alimentar após o fechamento do Abrigo Janokoida.
Indígenas que estavam fora do abrigo no momento da evacuação perderam seus pertences ao serem levados para Boa Vista.
A Operação Acolhida não realiza busca ativa de desalojados, o que agrava a desinformação e a desassistência.
Em outros abrigos de Pacaraima (BV-8 e Posto de Recepção), o acesso à pernoite e alimentação está condicionado à aceitação de traslado para Boa Vista.
A vulnerabilidade social e alimentar das famílias aumentou, levando à evasão escolar das crianças evacuadas que permanecem em Pacaraima.
À época da desativação, a Operação Acolhida divulgou que os indígenas que viviam no abrigo Janokoida seriam transferidos para o abrigo 13 de Setembro, em Boa Vista. O Ministério Público de Roraima e a Defensoria Pública de União chegaram a prestar apoio no traslado e na desativação do abrigo.
A DPU exige que os antigos abrigados “recebam assistência e permaneçam com dignidade na região”. As instituições também pedem que seja criado um protocolo de remoção de pessoas nessas condições.
O documento destacou ainda que não foi dada a devida assistência aos egressos do abrigo desativado.
“[…] aos egressos do Janokoida em Pacaraima não foi disponibilizada a possibilidade de receber alimentação pronta fornecida aos usuários dos serviços da Operação, consistente em café da manhã, almoço e jantar”, consta no relatório.
A ação também requer que a União, o Estado de Roraima e o município de Pacaraima promovam a readequação do imóvel onde funcionava o abrigo, caso estudos técnicos demonstrem sua viabilidade.
Migração venezuelana ao Brasil
Venezuelanos com crianças aguardam em ruas de Pacaraima
Caíque Rodrigues/g1 RR/Arquivo
Há quase 10 anos, milhares de venezuelanos ainda cruzam a fronteira com o Brasil, pelo município de Pacaraima, em Roraima para fugir do desemprego, do sucateamento educacional, da escassez de alimentos e da instabilidade política na Venezuela.
O Brasil é o terceiro país da América Latina que mais recebeu refugiados e migrantes venezuelanos, ficando atrás da Colômbia e do Peru, de acordo com dados da Plataforma Regional de Coordenação Interagencial R4V. Até maio de 2024, mais de 568 mil estavam no país.
Mesmo com outros países da América Latina onde o espanhol é o principal idioma, muitos venezuelanos preferem migrar para o Brasil, onde o idioma é o português. Isso ocorre devido à política de acolhimento para migrantes no país.
Implantada em 2018 pelo governo federal, a operação Acolhida é responsável pelo fluxo migratório no país. Entre as ações, está a coordenação dos abrigos onde vivem os migrantes em Boa Vista e em Pacaraima, município de Roraima na fronteira com a Venezuela.
Crise na Venezuela causa efeito colateral no Brasil
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