Prefeito reeleito no ES que disse ter sofrido atentado pode ser investigado por ‘falso crime’


Luciano Roncetti disse que seu carro foi atingido por vários disparos, mas entre as contradições apuradas, os tiros saíram de dentro do veículo. Suposto crime aconteceu em outubro de 2024, em Afonso Cláudio. Marcas de tiro no vidro traseiro do carro dirigido pelo prefeito reeleito de Afonso Cláudio, no Espírito Santo, Luciano Roncetti Pimenta
Reprodução
O caso do prefeito reeleito de Afonso Cláudio, no Espírito Santo, que disse ter sido vítima de um atentado em outubro de 2024, dias após as eleições, teve uma reviravolta. Investigações apontam contradições na história contada por Luciano Roncetti Pimenta (PP) e a polícia concluiu “inexistência de crime”.
Agora, o político pode responder por falsa comunicação de crime e disparo ilegal de arma de fogo. O prefeito disse que falou a verdade e que o caso foi distorcido para fins políticos.
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O caso aconteceu na noite de 22 de outubro do ano passado, quando o carro dirigido pelo prefeito reeleito foi atingido por vários tiros na localidade de Vargem Grande, zona rural do município. O prefeito contou para a Polícia Militar, na ocasião do atendimento, que duas pessoas de moto atiraram contra o veículo. Luciano estava sozinho e não ficou ferido. A PM disse que foi acionada, mas nenhum suspeito foi localizado.
De acordo com o Boletim de Ocorrência da Polícia Militar, o crime aconteceu por volta de 20h30 perto da casa do sogro do prefeito. O carro em que ele dirigia foi atingido por cinco disparos, três no vidro da frente e dois no vidro traseiro. O documento também informou que Luciano Pimenta tem porte de arma e revidou os disparos.
Prefeito reeleito de Afonso Claudio é alvo de tentativa de homicídio
Agora, em janeiro de 2025, diante das investigações, o Ministério Público do Espírito Santo (MPES) afirmou que houve uma “série de contradições no depoimento do político”. As informações constam no pedido de arquivamento do caso pelo órgão e no inquérito policial encerrado em dezembro que o site A Gazeta, da Rede Gazeta, obteve com exclusividade.
A perícia revelou que os tiros que atingiram o veículo do chefe do Executivo municipal foram disparados somente de dentro para fora. No suposto local do atentado, os peritos encontraram teias de aranha em uma das cápsulas. Câmeras de vigilância também não identificaram movimentações que revelassem a dinâmica do crime. Isso tudo ajudou a polícia a concluir o inquérito.
Por causa do que ficou apurado nas investigações, o promotor de Justiça Carlos Furtado de Melo Filho, além de arquivar o caso, encaminhou o inquérito policial à Procuradoria-Geral de Justiça (PGJ) para análise de possível crime cometido pelo prefeito de Afonso Cláudio.
Caberá ao Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) apurar se houve falsa comunicação de crime e disparo ilegal de arma de fogo.
Procurado pela reportagem, o prefeito Luciano Pimenta enviou uma nota em que disse que, até o momento do contato, não havia sido recebido a manifestação do Ministério Público sobre o caso; que falou a verdade no depoimento à polícia; e que o caso foi distorcido para fins políticos (leia a nota na íntegra no final da reportagem).
A versão do prefeito
O prefeito afirmou à autoridade policial, em depoimento no dia 23 de outubro, um dia após o suposto atentado, que estava trafegando com seu veículo, um Fiat Uno branco, por uma estrada que dava acesso à casa dele, quando teria notado a presença de uma motocicleta parada, com dois homens a bordo dela.
Ainda de acordo com o prefeito, o passageiro da motocicleta teria começado a atirar contra ele. Disse ainda que, no momento do ataque dos supostos criminosos, também estava armado e terminou revidando a investida dos suspeitos.
Marcas de tiro no vidro traseiro do carro dirigido pelo prefeito reeleito de Afonso Cláudio, no Espírito Santo, Luciano Roncetti Pimenta
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Luciano Pimenta disse ter usado uma pistola 9 milímetros para efetuar cerca de dez disparos contra os supostos criminosos, que teriam fugido rumo a uma estrada que dá para um local chamado “Mata da Gameleira”. O prefeito relatou que, mesmo durante a fuga, o homem que ia na garupa da moto continuou a efetuar disparos em sua direção. Os tiros, segundo ele, atingiram o vidro traseiro do carro em que estava.
Na parte final do depoimento à polícia, o prefeito disse que, após o suposto atentado, foi para casa e, em seguida, acionou a Polícia Militar, por volta das 21h57 do dia 22 de outubro. O fato teria ocorrido, segundo ele, às 21h.
Desencontro de informações
No documento, que tramita em segredo de Justiça, o promotor do caso sustenta que, durante as investigações e perícias, foram identificados pontos de desencontro entre o que havia sido relatado por Luciano Pimenta e as investigações conduzidas pela Polícia Civil. Confira algumas contradições:
Carro atingido: em depoimento, Luciano Pimenta disse que os tiros que atingiram o vidro traseiro do automóvel onde estava foram feitos pelo suposto atirador. Porém, conforme a perícia realizada, os tiros que perfuraram o vidro partiram de dentro do próprio veículo, ou seja, teriam sido dados pela própria vítima.

Cartuchos: se refere aos cartuchos encontrados no local do suposto crime. Segundo o laudo pericial, as sete cápsulas .40 de munição apreendidas no ponto em que o prefeito disse ter sido abordado estavam muito próximas umas das outras, contradizendo, dessa forma, a versão dada por Luciano Pimenta de que o garupa da moto teria saído efetuando disparos durante a fuga.

Cápsulas apreendidas: a perícia acrescentou que as cápsulas apreendidas pertenciam a quatro armas de fogo distintas. “O que é incoerente com o relato do prefeito, que afirmou que os disparos foram realizados apenas pelo indivíduo que estava na garupa da motocicleta”, diz o inquérito.

Teias de aranha: diz respeito à munição encontrada. Na mesma análise pericial, foi constatada a presença de “teias de aranha” no interior de uma das cápsulas, mostrando que ela não havia sido utilizada na ocasião relatada pelo prefeito.

Perseguição: se refere à suposta perseguição citada pelo prefeito em seu depoimento à polícia e o horário de acionamento da PM para atender a ocorrência. O MPES frisa que os investigadores obtiveram imagens do posto de gasolina, onde, segundo o prefeito, “o veículo que supostamente o perseguiu dentro da cidade de Afonso Cláudio teria adentrado”. Entretanto, nas imagens analisadas, foi possível identificar apenas o veículo em que Luciano Pimenta estava.

“Não se verificou qualquer outro veículo adentrando no posto nos minutos subsequentes, nem que tenha seguido o automóvel da vítima; a vítima declarou que os fatos ocorreram por volta das 21h, que a Polícia Militar chegou à sua residência aproximadamente dez minutos depois. Contudo, o acionamento da Polícia Militar, via Ciodes, ocorreu apenas às 21h57, ou seja, quase uma hora após o suposto evento”, afirma o laudo pericial.
O documento do Ministério Público conclui ainda que “essas contradições, devidamente documentadas em relatórios e laudos periciais, levantam dúvidas sobre a veracidade dos fatos apresentados pela vítima (…). Diante dos fatos, verifica-se que não há elementos de informação consistentes acerca da materialidade e da autoria do crime de tentativa de homicídio. Não há testemunha do fato, nem provas de que alguém tenha atentado contra a vida da vítima”, diz o documento.
Luciano Roncetti Pimenta (PP), prefeito reeleito em Afonso Cláudio, Espírito Santo
Divulgação
O que diz o prefeito
“Até o presente momento, o prefeito, ora vítima, ainda não foi notificado de nenhuma decisão ou manifestação do Ministério Público sobre o caso. Todo o depoimento prestado na esfera policial contém a verdade. Após formal notificação do andamento do processo, providências serão tomadas. O prefeito lamenta e repudia tentativas de distorção do ocorrido para fins políticos”, diz a nota.
O que diz a Polícia Civil
A Polícia Civil informou que o inquérito policial presidido pela Delegacia de Polícia de Afonso Cláudio foi concluído, restando pelo pedido de arquivamento, visto não haver indícios suficientes do crime de tentativa de homicídio.
No relatório final, foi sugerido ao Ministério Público do Espírito Santo (MPES) que, caso o órgão tivesse um entendimento de que havia sido cometido algum tipo de crime por parte do prefeito, que fizesse um pedido de autorização ao Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) para que fosse instaurado um procedimento para apurar falsa comunicação de crime e disparo ilegal de arma de fogo.
*Com informações de Tiago Alencar e Felipe Sena
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