Como os decretos de Trump afetam o sistema de saúde internacional

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assinou, no dia 20 de janeiro, um decreto que tira os Estados Unidos da Organização Mundial da Saúde (OMS). A justificativa do presidente é que o órgão não teria obtido êxito no controle da pandemia de Covid-19, e que a má gestão continua ativa.

Essa foi a segunda tentativa de retirada do país da organização; a primeira ocorreu no fim de seu primeiro mandato, mas acabou sendo interrompida pela vitória de Joe Biden.

A nova decisão de Trump propõe que a retirada seja feita em até 12 meses e que haja o cancelamento de fundos e pesquisas, reestruturação da Estratégia Global de Segurança Sanitária e que sejam escolhidos novos representantes norte-americanos no controle das atividades.

A medida trouxe uma série de consequências, incluindo cortes de verbas, suspensão de sites e rompimento de políticas públicas. O presidente da Argentina, Javier Milei, seguiu o exemplo do republicano e anunciou a saída do país da organização.

Em entrevista ao site IstoÉ, a professora de relações internacionais e cientista política da ESPM, Denilde Holzhacker, afirmou que a campanha do republicano já deixava claro sua intenção de governar com base em “anti-ciência, anti-posições progressistas e com forte negacionismo”.

Implicações mundiais e nomeações internas

Logo depois do anúncio oficial, os Estados Unidos também decidiram interromper o financiamento de programas de assistência. O principal setor afetado foi o de fornecimento e monitoramento de HIV e Aids. O projeto sustentava diversas análises e distribuía medicamentos para contenção da doença ao redor do globo.

O diretor geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, reforçou em um de seus discursos que após as primeiras mudanças, a instituição teve que reorganizar seus fundos e distribuições com o objetivo de impactar menos o cenário da saúde internacional.

Ghebreyesus disse que a suspensão está “revertendo décadas de progresso e, potencialmente, levando o mundo de volta às décadas de 1980 e 1990, quando milhões morriam de HIV todos os anos no mundo, incluindo muitos nos EUA”.

O dirigente ainda suplicou para que o governo dos EUA cedesse em alguns quesitos. “Apelamos ao governo norte-americano para que permita isenções adicionais de forma a garantir a prestação de tratamento e de cuidados contra o HIV que salvam vidas”, completou.

Na análise do diretor-geral, a decisão de Trump mostra efeitos negativos e preocupantes a longo prazo, como o possível aumento das taxas de contaminação e mortes pelas doenças – especialmente em regiões emergentes e com pouco acesso a condições básicas.

“A ameaça não fica restrita a esses países [emergentes], tendo em vista que vivemos em um mundo globalizado. Basta lembrarmos que a pandemia da Covid começou na Ásia e vitimou pessoas do mundo inteiro”, disse Joyce Martins, doutora em Ciência Política pela UFRGS e professora de Ciência Política no Instituto de Ciências Sociais da Ufal, à reportagem.

Em meio à crise, Trump definiu que Robert Kennedy Jr., conhecido por suas posições antivacina, será seu novo secretário de Estado para a Saúde.

“Ele escolheu como ministro da saúde o Kennedy, que sempre demonstrou essas visões, sempre se posicionou contra e teve uma visão negacionista muito forte em diferentes áreas. Então, vamos ver negacionismo climático, negacionismo na área de saúde, nas áreas de reprodução feminina. Acho que esse é um perfil presente com força neste mandato”, explica Holzhacker.

A professora ainda prevê que a próximas nomeações e escolhas republicanas sigam o mesmo padrão, e que isso influencie na abertura de espaço para que esses grupos cresçam na comunidade.

Imagem e influência norte-americana

Com as consequências diretas começando a aparecer, o olhar se concentra na influência e no comportamento de outros governos associados. Sendo uma das potências do globo, os atos e decisões de Trump reverberam mundialmente.

“O problema parece ir além da imagem: podemos estar entrando em uma era na qual seja banal o vale-tudo na disputa política e em nome da nação. Isso tem consequências concretas: dilapida a verdade como valor, o direito à informação segura, a dignidade da vida e a força das instituições que protegem as democracias liberais da tirania”, explicou a doutora em ciência política pela UFRGS.

Na perspectiva de territórios firmemente posicionados a favor do conhecimento científico e da saúde pública, a imagem dos Estados Unidos sofre impactos negativos, mas seus princípios e legislações permanecem inalterados. Essa situação pode, contudo, abrir mais espaço para a ascensão de potências como a China e a União Europeia, segundo a professora.

No entanto, países em estado de calamidade ou com líderes que apoiam abertamente as políticas de Donald Trump e seus aliados podem ser compelidas a adotar medidas semelhantes.

A primeira a acompanhar o decreto foi a Argentina, que anunciou na última quarta-feira, 5, que seguirá com a anulação da participação da OMS. Dentre as motivações descritas pelo presidente, Javier Milei, estão o custo alto de se manter membro, além do pagamento de salários e benefícios de profissionais do meio, e duras críticas ao gerenciamento da pandemia em 2020.

“Doenças que são tipicamente de países em desenvolvimento, essas com certeza irão perder espaço. Elas na verdade já vinham perdendo a atenção em função da lógica de custo para a pesquisa científica na área de saúde e pelo desenvolvimento de ações de monitoramento que tem sido uma questão cada vez mais importante depois da pandemia”, reiterou Holzhacker.

“Mulheres, imigrantes, negros, povos originários, todos os sujeitos de direito que chegaram mais tarde ao horizonte da democracia são mais vulneráveis e os mais prejudicados com a negação da verdade”, completou Martins.

Possíveis ameaças e repetições

Além das preocupações internas e de gerência mundial da situação, organizações e instituições científicas ao redor do mundo começam a se alarmar com a possibilidade de novas epidemias e crescimento dos níveis de contágio.
A disseminação da visão anticiência também diminui a credibilidade de vacinas, remédios e tratamentos.

Apesar do cenário, a cientista política da ESPM ressalta que “o sistema de saúde multilateral global é bastante fortalecido. Então, tem uma questão financeira, mas os outros países que permanecem no sistema poderão assumir um papel maior de protagonismo nessa situação”.

“Epidemias e pandemias já eram uma preocupação global, algo que já vinha chamando atenção, então eu não acredito que a gente vai ter o desmantelamento desse processo”, completou.

A saída dos EUA mexe com toda a estruturação da OMS e de seus aliados, mas cria uma grande oportunidade para que outros lugares mais desenvolvidos também ganhem seu espaço como financiadores da ciência médica.

**Estagiária sob supervisão

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