Cursinhos populares do Alto Tietê mudam a vida de jovens periféricos aprovados em vestibulares


Em Mogi das Cruzes, o Maio de 68 promove aulas gratuitas desde 2017, enquanto em Poá, o Núcleo 11 de Agosto da Uneafro Brasil completará 25 anos. Alunos contam que conseguiram entrar na universidade após frequentarem os cursinhos. Cursinho populares são oportunidades para estudantes do Alto Tietê
Divulgação/Cursinho Maio de 68
Entrar em uma universidade pública pode ser uma realidade distante para jovens da periferia ou que estudam em escolas municipais e estaduais. No Alto Tietê, os cursinhos populares têm mudado esse cenário oferecendo aulas específicas e gratuitas que dão resultado para os estudantes que prestam vestibular.
Criado em 2017, o Cursinho Popular Maio de 68 surgiu em Mogi das Cruzes justamente com esse propósito. As aulas são exclusivamente para alunos da rede pública que buscam acesso às universidades públicas. A turma deste ano terá 60 alunos e as inscrições já estão abertas, segundo explica Renan Castro, que é coordenador geral do cursinho.
✅ Clique para seguir o canal do g1 Mogi das Cruzes e Suzano no WhatsApp
“A gente tem hoje 15 professores e todos eles são voluntários, sempre foi assim, desde quando a gente iniciou o projeto. Então, a gente tem professores de todas as áreas: matemática, física, química, história, geografia, literatura, redação e por aí vai”, diz.
Além das aulas, muitas vezes os professores também contribuem financeiramente com o projeto, que é mantido por meio do apoio de amigos e voluntários que compõem uma rede de financiadores criada ao longo dos anos.
Para que as aulas possam continuar, os responsáveis pelo cursinho estão constantemente em busca de ‘padrinhos’ e ‘madrinhas’, já que a despesa mensal é de cerca de R$ 6 mil, contando com aluguel e outras contas.
E o apoio é fundamental para que mais alunos consigam estudar. Nos cerca de oito anos de existência do cursinho, Castro estima que quase 700 estudantes tenham sido atendidos. No período, ao menos, mais de 150 conseguiram aprovações nas universidades.
“Nós não temos um profissional específico para mensurar isso. Então, não temos esse número com precisão. Mas os nossos números são muito bons se você olhar até mesmo os cursinhos pagos, que acabam sendo uma referência. No ano passado, por exemplo, a gente teve um número estrondoso de aprovações”, comemora o coordenador.
As aprovações, porém, não são apenas números. Elas podem representar uma mudança na vida de jovens que muitas vezes foram desacreditados.
“Acho que sem o cursinho eu nem acreditaria que eu conseguiria. Eu nunca pensei na possibilidade e, no cursinho, eu vi que era algo poderia acontecer. Foi através dele que consegui entrar na universidade e foi algo que mudou minha vida total”, conta Leonardo Alves Fernandes, de 22 anos, que cursa História na Universidade de São Paulo (USP).
Leonardo Alves Fernandes é aluno de História na USP
Arquivo Pessoal
Ele fez um ano de cursinho no Maio de 68, quando já tinha concluído o ensino médio, e começou o ensino superior em 2024, ao ser aprovado na USP.
Na mesma universidade, Maria Laura Barbosa e Siqueira, 20 anos, foi aprovada em Sociologia, após fazer seis meses de cursinho no Maio de 68. Antes, enquanto ainda cursava o ensino médio, ela chegou a fazer outro cursinho, mas não conseguiu aprovação no vestibular.
“O cursinho ocupa um lugar muito especial na minha vida. Os seis meses que fiz de pré-vestibular foram além do conhecimento teórico das aulas, no cursinho eu pude encontrar amizades valiosas que me motivam até hoje. Também conheci profissionais incríveis, que trouxeram outra perspectiva para a minha vida acadêmica”, ressalta a estudante.
Agora, ela poderá voltar ao Maio de 68, mas, desta vez, para dar aulas de sociologia.
Maria Laura Barbosa e Siqueira estuda Sociologia na USP
Arquivo Pessoal
“Eu acho que é uma experiência muito gratificante e enriquecedora. Da mesma forma que pude contar com profissionais dispostos a proporcionar um ensino teórico e cultural, para além da sala de aula, agora é a minha vez de colaborar com esse ciclo e, quem sabe, simplificar esse período de muita pressão que é o vestibular”.
Este ano, Leonardo também será professor do cursinho, dando aulas de história.
“É maravilhoso ter a oportunidade de fazer parte desse projeto que ajuda a mudar a vida de muita gente. Eu ‘tô’ animado”, celebra.
Os interessados em fazer o cursinho devem acessar a página do Maio de 68 nas redes sociais para saber mais detalhes.
Há 25 anos mudando vidas
Em Poá, o cursinho popular da Uneafro Brasil do Núcleo 11 de Agosto completa 25 anos este ano. A iniciativa surgiu em um momento em que o acesso às universidades era ainda mais limitado, já que não existiam programas como o Enem, ProUni e Sisu.
“Com toda a desigualdade social histórica que a gente vive, naquele período era muito mais difícil pessoas negras, pobres, moradores de periferia, filhos de trabalhadores, acessaram o ensino superior. Então, a gente começou aquele cursinho com mais de 15 professores voluntários, todos imbuídos da ideia de contribuir com essa juventude desfavorecida”, explica Clayton Belchior, que coordena o cursinho ao lado de Joellem Lima, Matheus Santos e Dandhara Nalanda, liderados por Stefany Lourenço.
Segundo Belchior, desde 2000 mais de 1,5 mil pessoas que passaram pelo cursinho conseguiram ingressar em uma universidade e se formar. E com tantos anos em ação, o coordenador conta que as histórias de pessoas que tiveram as vidas transformadas são muitas.
E para isso continuar acontecendo, esses alunos que já passaram pelo projeto são fundamentais. Muitas vezes eles colaboram sendo professores voluntários, com alguma doação e até mesmo na cozinha. Isso porque as aulas do cursinho acontecem aos sábados, da manhã até a tarde, e os alunos ganham um almoço.
Com isso, o gasto mensal para manter a iniciativa ultrapassa R$ 1,5 mil, o que inclui os gastos com a alimentação e também uma ajuda de custo para alguns professores para que eles recebam, ao menos, um valor para o transporte, já que atuam voluntariamente.
“A gente está em permanente campanha de arrecadação, a gente sempre precisa de uma ajuda. Hoje o nosso núcleo não tem nenhum apoio governamental, mas a gente está em busca de todos eles, porque acreditamos que o dinheiro público também precisa apoiar a iniciativa que auxilia o serviço público ou que cobre uma lacuna que vem para ocupar um espaço que está vago, que o Estado e o município deveria garantir”, reforça Belchior.
Prova de que a ajuda é realmente fundamental na vida dos jovens, Rafael Toshitaro Somenzari Takemae, 19 anos, foi aprovado em Psicologia na USP e acredita que dificilmente conseguiria isso sem os seis meses de aulas que frequentou na Uneafro.
Rafael Toshitaro Somenzari Takemae foi aprovado em Psicologia na USP
Arquivo Pessoal
“O cursinho é uma iniciativa que não só me ajudou a entender os conceitos teóricos que o vestibular requer, como também me deu vivência e entendimento social e político. Além disso, serviu como rede de apoio”, comenta o estudante.
Rafael começou a frequentar o cursinho no segundo semestre de 2024 e logo conseguiu ser aprovado no vestibular.
“Cursar psicologia é o que eu quero há muitos anos. Foi inacreditável [a aprovação]. Confesso que não esperava passar direto na USP. Foi uma surpresa enorme”, comemora.
Joaquim Brandão Ferreira conseguiu aprovação em Geografia na USP e Arqueologia na UNIVASF e na UFPE
Arquivo Pessoal
“O cursinho, em primeiro lugar, me fez enxergar que é possível para uma pessoa da periferia ocupar a universidade. Que podemos ocupar e que somos do tamanho dos nossos sonhos. Eu tive todo o apoio dos professores, essa formação acadêmica e política, sempre nos incentivando a questionar e refletir sobre as coisas que acontecem no nosso cotidiano”, afirma Joaquim Brandão Ferreira.
Com a aprovação nas três universidades, o estudante conta que chegou a ficar em dúvida sobre qual escolher, mas optou por cursar geografia na USP.
O cursinho da Uneafro está com inscrições para a nova turma de alunos e também para professores interessados em dar aulas voluntariamente, para ter mais informações basta acessar o perfil do Núcleo 11 de Agosto nas redes sociais.
Cursinho Popular Maio de 68 abre inscrições em Mogi das Cruzes
Assista a mais notícias do Alto Tietê
Adicionar aos favoritos o Link permanente.