‘Cenário de HQs é forte, mas faltam leitores’, diz brasileiro indicado a Angoulême

A França é um país reconhecido mundialmente pelo forte hábito de leitura, com um consumo significativo de histórias em quadrinhos. O movimento de HQs “franco-belgas” – como ficaram conhecidas as publicações feitas por editores francófonos – trouxe clássicos célebres como Tintin, Os Smurfs e Asterix. Não demorou para que esse terreno fértil se tornasse sede do maior festival de quadrinhos do mundo, o Festival de Angoulême.

O Festival Internacional de Quadrinhos de Angoulême acontece desde 1974 na pequena comuna francesa de Angoulême. O evento serve para reunir e premiar as mais expressivas produções em quadrinhos ao redor do planeta, configurando uma atração turística para os fãs da chamada “nona arte”.

A 52º edição, realizada no começo de fevereiro de 2025, apresentou um detalhe especial: a presença de um brasileiro na disputa de melhor BD (banda desenhada) do ano, o principal prêmio do evento. Trata-se de Luckas Iohanathan, quadrinista natural do Rio Grande do Norte, que participou com a prestigiada HQ “Como Pedra”.

Quem é Luckas Iohanathan?

Luckas Iohanathan nasceu em 1994, na interiorana cidade de Mossoró (RN). Formou-se em Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda pela Universidade Estadual do Rio Grande do Norte, mas encontrou caminho no mundo dos quadrinhos – sua verdadeira paixão.

A jornada de Luckas começa com a obra de ficção “O Monstro Debaixo da Minha Cama”, publicada gratuitamente na internet em 2020 e indicada a dois prêmios. Uma das participações se deu no tradicional evento de quadrinhos brasileiros Troféu HQ Mix, enquanto a outra é referente à 2ª Edição do Prêmio Geek de Literatura de 2023 – do qual o mossoroense saiu vencedor.

“Enterrei Todos No Meu Quintal”, a segunda publicação do quadrinista, também ganhou reconhecimento, se tornando finalista do Prêmio Geek de Literatura de 2022. Atualmente, ele mora em Rosário, na Argentina, e trabalha como Diretor de Arte e ilustrador freelancer.

Obras e reconhecimento

Se a trajetória de Luckas Iohanathan já parecia promissora, foi com o lançamento de “Como Pedra”, pela editora Comix Zone, que o artista se consagrou permanentemente. O quadrinho lançado em 2024 foi o grande vencedor do Prêmio Jabuti do mesmo ano, na categoria História em Quadrinhos.

Logo a obra ganhou uma tradução francesa (Comme une Pierre), rendendo a seleção para participar do Festival de Angoulême. Em entrevista ao portal IstoÉ, Luckas conta sobre o entusiasmo de fazer parte de uma festividade tão importante.

“É uma loucura participar do mesmo evento que meus ídolos. Sempre tive a vontade de conhecer o Festival de Angoulême como leitor, nunca imaginava que iria como artista e ainda mais como finalista e em tão pouco tempo”, afirma.

O autor mossoroense e os editores da Comix Zone viajaram até o condado sede do evento, realizado entre os dias 29 de janeiro a 2 de fevereiro. O quadrinista ainda ressaltou a impressão causada pela cidade francesa, que “além de linda, respira quadrinhos em cada canto”.

Sobre a HQ “Como Pedra”

A prestigiada história em quadrinhos “Como Pedra” narra a vida de uma família nordestina que enfrenta desafios múltiplos – desde problemáticas socioeconômicas até a deficiência da filha. Dentro do mundo da seca, Iohanathan explora temas-chave do nordeste brasileiro, como o dogmatismo religioso e as desigualdades de gênero.

Com cores limitadas somente entre preto, branco e amarelo, o autor prende o pigmento do Sol nas páginas, focando o enredo na relação da mãe da família com a jovem Rosa, que necessita de constantes cuidados e se locomove por cadeira de rodas.

'Cenário de HQs é forte, mas faltam leitores', diz brasileiro indicado a Angoulême

Em entrevista à reportagem, o autor explica que a ideia da HQ surgiu a partir de uma cena específica, mas que ela não está presente no quadrinho.

“‘Como Pedra’ foi desenvolvido a partir de uma cena onde a mãe buscava a filha dentro de um lago, mas na água via a menina dançando, como um espírito, e sai de lá com uma pedra pesada”, declara.

Linguagem dos quadrinhos e falta de leitores

Os quadrinhos sempre encontraram terreno produtivo em terras brasileiras, e tiras desenhadas costumam acompanhar a formação crítica dos cidadãos desde o período escolar. Mesmo com a riqueza cultural e a exportação de nomes reconhecidos no exterior, o gênero ainda enfrenta estigma entre o público do Brasil – além das questões econômicas, que dificultam a formação de um mercado sólido.

Para Luckas Iohanathan, a presença de uma produção brasileira entre as selecionadas para o Festival de Angoulême tem um papel significativo para estimular novas produções.

“A importância é, de alguma forma, incentivar os jovens a fazer quadrinhos também. Assim como é pra mim ver outros quadrinistas brasileiros ganhando relevância no cenário internacional”, diz o autor.

Sobre a potência da linguagem dos quadrinhos, o mossoroense ressalta que grande parte das pérolas culturais residem nas HQs independentes, que são abundantes no quadro brasileiro. Ele admite, porém, que leitores ainda são raros.

“Creio que é uma linguagem fácil de comunicar todo tipo de ideia. O Brasil tem um cenário muito forte e diverso de HQs, tanto no mainstream como principalmente no independente, mas faltam leitores”, conta.

Para finalizar, Luckas Iohanathan garante que seu percurso no campo das histórias em quadrinhos segue ativo e divulgou que irá lançar uma nova produção ainda em 2025.

“O próximo passo é continuar fazendo quadrinhos, sempre fiz e pretendo continuar fazendo. Já estou trabalhando em um novo título, que sairá pela editora Comix Zone ainda este ano”, finaliza.

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