Festival de Berlim destaca diversidade do cinema brasileiro

"BerlinaleFilme brasileiro “O Último Azul” concorre neste ano ao prêmio principal da Berlinale. Festival de cinema conta com 12 produções do país, entre curta e longa-metragem e uma série de TV.A 75ª edição do Festival de Cinema de Berlim, a Berlinale, começa nesta quinta-feira (13/02) com a presença de 12 produções audiovisuais com participação brasileira – mais que o dobro da edição do ano passado, que teve cinco contribuições do Brasil.

Serão exibidos no total 243 filmes de 74 países, uma demonstração da abrangência da curadoria do evento, que gosta de se promover como o mais politizado entre os principais festivais de cinema da Europa, com foco na promoção e visibilidade de novos talentos.

“O festival é um pouco pensado desse jeito, pra atender uma ampla gama de interesses do setor audiovisual, que é muito complexo, muito amplo. Dentro disso, o cinema brasileiro vai estar representado em praticamente todas as seções, com formatos diferentes – entre curtas, filme clássico, longas mais recentes, documentário, série de TV e coproduções”, explica o cineasta e curador Eduardo Valente, delegado brasileiro da Berlinale. “Não são muitos os países que têm uma representatividade tão transversal”, conclui.

O longa O Último Azul, de Gabriel Mascaro – uma distopia amazônica em que o governo isola idosos em uma colônia, com Rodrigo Santoro no elenco – concorre ao prêmio principal do festival, que já premiou com o Urso de Ouro os filmes Central do Brasil (1998), de Walter Salles, e Tropa de Elite (2008), de José Padilha.

Outro destaque brasileiro é a estreia do filme A Melhor Mãe do Mundo, de Anna Muylaert, que volta ao festival dez anos depois de receber o prêmio do público por Que Horas Ela Volta. O novo drama da diretora, parte de uma mostra não competitiva, acompanha a história de uma catadora de lixo em São Paulo que, para escapar do marido abusivo, coloca seus dois filhos pequenos em seu carrinho e atravessa a cidade de São Paulo. Entre os atores, estão Shirley Cruz e Seu Jorge.

Boa fase do cinema brasileiro

A brasiliense Rafaela Camelo é outra diretora que volta para Berlim, agora com seu primeiro longa, A Natureza das Coisas Invisíveis, que abrirá a seção direcionada para o público infanto-juvenil. O filme conta a história de duas crianças que se conhecem num hospital e vivem juntas descobertas e dores de crescimento. Em 2023, ela exibiu no festival o curta As Miçangas, codirigido com Emanuel Lavor.

“É um orgulho fazer parte de uma comitiva tão grande, e muito interessante ver a presença do Brasil em diferentes seções do festival. Isso demonstra muito da nossa potência criativa, da nossa capacidade de produção, nossa capacidade também de se comunicar com o público internacional”, diz a diretora.

Camelo celebra o atual momento do cinema brasileiro, com o filme Ainda Estou Aqui e a atriz Fernanda Torres – indicados ao Oscar – mobilizando paixões. “Isso gera uma expectativa na gente, que é cineasta, que nossos filmes também possam ser bem recebidos, possam gerar também essa comoção, possam se comunicar com as pessoas, possam lotar salas. Se essa for uma tendência, será muito bem-vinda.”

Por ter estreado no Festival de Veneza no ano passado, Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, não estará na Berlinale. Sua estreia na Alemanha está prevista para março.

Nos espaços dedicados a obras mais experimentais e artísticas, um dos destaques é O Fim do Mundo, média-metragem do carioca Gabraz Sanna todo falado em tupi, que trata da violência do processo colonial no Brasil a partir de quatro cartas de indígenas brasileiros do século 17.

Sanna, que integra pela terceira vez a programação da Berlinale, acredita que a forte presença de filmes brasileiros em espaços internacionais é resultado de uma mudança de vento nas políticas voltadas para a cultura no país nos últimos dois anos, com a realização de projetos que antes estavam engavetados. Ele resiste, contudo, em colocar a produção nacional em um só balaio.

“O termo ‘cinema brasileiro’ me soa como algo bastante vago, por vezes arbitrário. Talvez fosse mais justo falar da existência dos absurdamente distintos cinemas brasileiros – dos herdeiros de banco aos ribeirinhos do Amazonas – que vêm ao longo do tempo ocupando os mais diversos espaços no cenário internacional”, diz Sanna.

Entre os curtas, estão produções como Anba dlo, realizado por Luiza Calagian e Rosa Caldeira, brasileiras que estudaram na Escola Internacional de Cinema e TV de Cuba, sobre uma personagem haitiana. É o caso também de Arame Farpado, do paulista Gustavo de Carvalho, que teve a ideia do roteiro durante uma madrugada em que passou num pronto-socorro de hospital, acompanhando o pai que precisou ficar internado depois de se engasgar com um pedaço de carne.

“A seleção pro Festival de Berlim vem como uma resposta de como o cinema brasileiro pode chegar longe, mesmo sendo produzido de uma forma independente. Nossa cultura tem um jeito de conquistar o mundo, são histórias únicas”, defende Carvalho.

O festival irá estrear também a versão remasterizada do clássico Iracema, Uma Transa Amazônica (1975), produção teuto-brasileira dirigida por Jorge Bodanzky.

Uma mostra política

Um festival que conta com subsídios públicos para promover um espectro tão amplo de narrativas é um “luxo” que só um país rico como a Alemanha pode proporcionar, como definiu a revista alemã tipBerlin. Cortes no orçamento cultural motivados pela crise econômica no país e um cenário político incerto acendem alertas para as próximas edições.

Neste ano, a eleição geral da Alemanha – que, segundo as pesquisas, pode resultar em ganhos sem precedentes para o partido de ultradireita Alternativa Para Alemanha (AfD) – ocorre no último domingo do festival, em 23 de fevereiro.

A nova diretora da Berlinale, a americana Tricia Tuttle, afirmou que a mostra não “fugiria” dos eventos políticos atuais, mas que espera que eles não ofusquem totalmente as histórias na tela.

A noite de abertura, nesta quinta-feira, já começa com os dois pés fincados no campo político, com um filme que aborda uma das questões mais sensíveis da Alemanha – a imigração. Das Licht (A Luz, em tradução livre), do diretor alemão Tom Tykwer (diretor do sucesso Corra, Lola, Corra, de 1998) apresenta uma família alemã de classe média cujas vidas são transformadas por sua misteriosa empregada doméstica síria.

A chegada em massa de refugiados sírios e outros migrantes na Alemanha, sobretudo em 2015 e 2016, ajudou a alimentar o apoio à AfD no país, que deverá emergir, com sua retórica nacionalista e anti-imigração, como a segunda maior bancada no Parlamento alemão.

No ano passado, as críticas às políticas de Israel durante a cerimônia de premiação – em especial pelos diretores israelense e palestino do documentário No Other Land – levaram a acusações de antissemitismo do festival por parte de alguns políticos alemães.

“As pessoas sempre nos perguntam se somos um festival político. E sim, embora eu diga que somos um festival social, a política está em nosso DNA. […] Berlim é uma cidade repleta de história. Não nos esquivamos disso”, disse Tuttle.

Tapete vermelho

A grande homenageada deste ano será a atriz britânica Tilda Swinton, que receberá um Urso de Ouro honorário por toda a sua carreira.

Os filmes da competição que levarão celebridades a Berlim incluem Blue Moon, de Richard Linklater, estrelado por Ethan Hawke, Margaret Qualley e Andrew Scott. O cineasta americano ganhou Urso de Prata de melhor diretor por Antes do Amanhecer (1995) e Boyhood (2014).

O diretor sul-coreano Bong Joon-ho, de Parasita (2019), apresentará seu novo filme, Mickey 17, com Robert Pattinson fora da competição.

Jessica Chastain, Marion Cotillard, Timothee Chalamet e Benedict Cumberbatch são outras celebridades aguardadas neste ano.

A 75ª edição do Festival de Cinema de Berlim vai até o dia 23 de fevereiro.

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