O mito das centenas de milhares de vítimas de Dresden

"BombasHá 80 anos, bombardeiros aliados arrasaram grande parte da cidade no Leste alemão, causando milhares de mortes. Porém extremistas de direita – e mesmo a Rússia – têm inflado esses números para fins de propaganda.Na noite de 13 de fevereiro de 1945, esquadrões bombardeiros britânicos e americanos lançaram ataques aéreos devastadores contra a cidade de Dresden, no Leste da Alemanha. Até o meio-dia de 15 de fevereiro, incêndios de grandes proporções custaram milhares de vidas e reduziram a escombros quase todo o centro histórico.

Encerradas as ofensivas, os sobreviventes empilharam os mortos para incinerá-los, a fim de evitar o alastramento de pestes. As imagens do fotógrafo Walter Hahn ficaram gravadas na memória de muitos alemães.

Mesmo 80 anos após essa catástrofe da Segunda Guerra Mundial, a discussão sobre o número dos mortos de Dresden persiste, muitas vezes como tentativa de se aproveitar dos ataques aéreos para fins políticos escusos.

Alegação

“Se você nunca ouviu falar do bombardeio de Dresden, perdeu uma parte significativa da história. Foi na Segunda Guerra Mundial, quando os Aliados bombardearam uma cidade civil na Alemanha. Centenas de milhares de pessoas inocentes perderam suas vidas. Nas aulas de história, isso geralmente é ignorado porque não se encaixa na narrativa…”, afirma um post de 17 de janeiro de 2025 no X. Outro usuário da mesma rede social fala de 100 mil a 130 mil vítimas. O número 250 mil também circula entre extremistas de direita.

Checagem da DW: falso

De acordo com descobertas científicas compiladas por uma comissão de historiadores ao longo de muitos anos e publicadas em 2010, o número era significativamente menor que centenas de milhares. Os pesquisadores falam em “até 25 mil pessoas” que foram mortas nos ataques aéreos de 13 a 15 de fevereiro.

Estimativas da Alemanha Oriental

Após a capitulação da Alemanha, em 8 de maio de 1945, Dresden passou a integrar a zona sob ocupação soviética, que em 1949 tornou-se aRepública Democrática Alemã (RDA). E na também denominada Alemanha Oriental, sob regime comunista, “os antigos Aliados, agora potências ocidentais, foram declarados ‘provocadores de guerra'”, explica a socióloga Claudia Jerzak. “E Dresden era o símbolo disso.”

Com base numa análise de 1955, o governo alemão-oriental estipulou em 35 mil as vítimas na cidade bombardeada, estimativa que não foi questionada até 1989. Com a Revolução Pacífica, que redundou na queda do regime comunista e a reunificação dos dois Estados alemães em 1990, porém, a nacionalismo ganhou livres rédeas.

Os extremistas de direita lançaram mão da propaganda nazista, que criara “o mito de Dresden como inocente cidade cultural e artística, injustificavelmente destruída”, relata Jerzak. A fim de se contrapor às recorrentes especulações sobre o número das vítimas, em 2004 a prefeitura local e o parlamento da Saxônia convocaram uma comissão historiográfica.

Ao cotejar os cadastros municipais de 1945 com diversas fontes e estudos, o grupo chegou em 2010 a um total “de até 25 mil mortos”. Além disso, os meticulosos registros do governo nazista desbancaram a difundida tese de que dezenas ou mesmo centenas de milhares de desalojados vindos do leste do país teriam buscado refúgio em Dresden e lá morrido, sem serem documentados.

“Todo trem de refugiados que parava na estação ferroviária de Dresden tinha que partir num prazo de 24 horas, pois a disponibilidade de espaço era extremamente apertada na situação de guerra”, esclarece Michael Neutzner, da comissão de historiadores. “Ou seja: pode-se partir do princípio que o número de refugiados em Dresden, naquela noite, circulava em torno de mil.”

De onde partiram as estimativas exageradas de vítimas?

Já em 25 de fevereiro de 1945, com base em dados do Ministério do Exterior de Adolf Hitler, o jornal sueco Svenska Dagbladet noticiava que “ninguém sabe ao certo” quantos morreram em Dresden, porém “poucos dias após a devastação, o número circula antes em torno de 200 mil do que de 100 mil”.

A comissão historiográfica não atribui essa notícia à “intensiva e bem-sucedida campanha da propaganda estrangeira contra a condução da guerra pelos Aliados”: os poucos correspondentes da neutra Suécia em Berlim teriam simplesmente reproduzido as cifras apresentadas pelas autoridades nazistas.

Na edição de 1966 de seu livro The destruction of Dresden, o altamente controverso autor David Irving fala de 135 mil mortos – número repetido até hoje nas redes sociais, mesmo pelo Ministério do Exterior da Rússia. Para tal, o inglês cita uma suposta “Ordem do dia 47”, de 22 de março de 1945, de um chefe da SS e da polícia. No entanto o documento é comprovadamente forjado, e Irving estaria ciente disso.

Neonazistas e outros extremistas de direita exigem até hoje o fim da “zombaria e negação das vítimas alemãs”. No entanto essa versão revisionista está longe da verdade.

“Todos esses dados não permitem qualquer outra qualificação dos eventos de 1945, além de que Dresden foi vítima de um bombardeio”, reforça o membro da comissão de historiadores Thomas Kübler, do Arquivo Municipal de Dresden. Assim, em 13 de fevereiro a cidade homenageia com uma corrente humana os milhares de mortos dos bombardeios.

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