Faculdade Oswaldo Cruz em recuperação judicial: o que vai acontecer com alunos e professores

As atividades da centenária Faculdade Oswaldo Cruz (FOC) estão paralisadas há três meses. Muitos formandos não conseguiram pegar o diploma e diversos alunos nem mesmo terminaram o último semestre de 2024, já que a greve começou em meio às provas finais. Os professores ficaram cinco meses sem receber seus salários e, por isso, entraram em greve no dia 12 de dezembro, pouco antes do encerramento do ano letivo. Eles também ficaram meses sem plano de saúde, além de não receberem as devidas contribuições do Fundo de Garantia de Tempo de Serviço (FGTS) desde 2018.

A defesa da faculdade diz que está reorganizando e enxugando as contas e realizou, na última sexta-feira, 14, o pagamento dos funcionários relativo a janeiro e 30% dos outros meses, conforme acordado com o sindicato.

Os consecutivos atrasos nos pagamentos de salários e impostos não são recentes, se alongando há pelo menos sete anos. Para evitar a falência, em 2022, já com R$ 56 milhões de endividamento, a Faculdade Oswaldo Cruz entrou em processo de recuperação judicial, prometendo usar o dinheiro da venda de imóveis para arcar com os débitos fiscais e trabalhistas. Hoje, as dívidas acumuladas somam mais de R$ 63 milhões.

Em atividade desde 1914 e com suas instalações na Barra Funda, zona oeste da capital paulista, a instituição de ensino é renomada em áreas como Química, Farmácia e Engenharia Química. Além de cursos de graduação e pós-graduação, possui um colégio e ensino técnico.

Até 2024, o grupo tinha cerca de 2 mil alunos ao todo. Professores somam mais de 120 ativos apenas na graduação.

Na sexta-feira, 14, a atual administração da faculdade pagou, após cinco meses, salários dos funcionários técnico-administrativos e professores, que haviam recebido pela última vez em outubro de 2024. Com intermédio do sindicato, foi feito um acordo de que o salário de janeiro seria pago junto com 30% do total devido desde outubro. O restante será pago assim que cair o dinheiro da liquidação do patrimônio do grupo.

Com isso, teve fim a greve dos professores. As aulas voltaram no Colégio Oswaldo Cruz em 10 de fevereiro e, na graduação, o retorno está previsto para dia 24 de fevereiro.

Segundo a Triunfae, consultoria especializada em reestruturação de empresas que assumiu o comando da FOC em janeiro, o Grupo Educacional Oswaldo Cruz recebeu um aporte de R$ 5 milhões – fruto de um empréstimo ponte de R$ 1,5 milhão seguido de um financiamento de R$ 3,5 milhões – e as dívidas começaram a ser quitadas.

Com esse montante, a faculdade consegue pagar os salários atrasados dos últimos cinco meses dos colaboradores, que somam R$ 1,2 milhão – mas essa é apenas a ponta do iceberg. Outros R$ 11,6 milhões de encargos trabalhistas devidos até 2022 estão na recuperação judicial e, portanto, ainda não podem ser cobrados pelos credores (os funcionários), assim como dezenas de milhões que o grupo deve a outros credores, como bancos e fornecedores.

A expectativa da empresa – e também dos alunos e professores – é de que, após a conclusão da venda dos imóveis, leiloados por R$ 89 milhões, os valores devidos anteriores a 2022 comecem a ser quitados. Segundo o advogado do Grupo Oswaldo Cruz, Marco Aurélio Mestre Medeiros, esse é o primeiro passo para a reestruturação da empresa. “Nós estamos reorganizando e enxugando as contas, dando confiança para o mercado e para o principal ativo da empresa, que são os seus colaboradores e corpo docente”, afirma.

Leilão

O grupo levou um conjunto de imóveis na Barra Funda avaliados em R$ 104 milhões para leilão. O lote abrange casas, sobrados, predinhos, um armazém e terrenos espalhados pelas ruas Conselheiro Brotero e Brigadeiro Galvão, nos arredores da faculdade do grupo, cujo prédio não fez parte do leilão.

Atraindo o interesse de incorporadoras, quem levou o lote foi a Cyrela por R$ 89 milhões, 85% do valor de avaliação dos imóveis. A empresa já solicitou a homologação do leilão, e em breve deve iniciar o pagamento das parcelas.

Alunos

Alunos da instituição relatam insegurança e instabilidade por não saberem quando conseguirão se formar. Aluna de Engenharia Química, Mariana Ferreira, de 22 anos, conseguiu concluir todas as matérias e é formanda do curso, mas ainda não pegou o diploma e não tem previsão para a sua formatura, por isso perdeu um desconto que teria para uma vaga na pós-graduação.

“Perdi um desconto numa vaga que eu tinha conseguido porque eu não tenho nenhum documento que comprove que eu cumpri o curso. Mas eu sei de gente que quase perdeu o emprego e que quase perdeu vaga de promoção no trabalho por conta disso. Tem gente que está vendo vagas muito boas que quer se candidatar, mas não pode porque não tem o documento que oficializa que você se graduou”, relata.

Ela conta que desde 2020, quando entrou na faculdade, já havia rumores sobre professores fazendo negociação de salários, mas nunca recebeu nenhum comunicado oficial sobre a situação financeira da instituição. “A gente só ficava sabendo das coisas pela diretoria acadêmica e pelas coordenações”, diz.

Em 2023, a administração geral da faculdade foi transferida da família herdeira dos fundadores do grupo para a consultoria em gestão empresarial Corbacho. Hoje, a família herdeira retomou o controle do grupo após uma briga na Justiça.

Também cursando Engenharia Química, Heloísa Egídio, 23 anos, diz que desde que entrou na faculdade, em 2021, teve o calendário acadêmico afetado por greve todos os anos. Ela deveria estar indo para o último ano do curso, mas não concluiu as provas de uma das disciplinas do ano passado. Os alunos seguem pagando as mensalidades normalmente, que giram em torno de R$ 2 mil.

Entre 2022 e 2023, houve uma debandada de alunos que saíram da faculdade e transferiram o curso para outras instituições de ensino. Este ano, alguns colegas tentaram fazer o mesmo, mas não conseguiram receber o histórico escolar, relata a aluna.

“A gente tem um planejamento financeiro, um planejamento de vida, e com a faculdade desse jeito a gente simplesmente não consegue fazer nada. A gente continua pagando e sem ter retorno nem de aula”, diz Heloísa.

“Essa situação complica como um todo, principalmente a formação, efetivação no trabalho, troca de estágio, todo mundo está sendo prejudicado”, completa a estudante, que não sabe quando irá conseguir concluir o curso.

Professores

Os atrasos nos salários e benefícios dos professores não é de agora. Há muitos anos, eles recebem pagamentos atrasados ou pela metade, segundo o Sindicato dos Professores de São Paulo (SinproSP), que representa os docentes da instituição. “Como tinham professores que estavam na instituição há décadas, eles tinham uma relação com a família (dona da faculdade), e falavam ‘às vezes o mês tem 40, 50 dias’ (devido aos constantes atrasos de pagamento), mas agora chegou num ponto que não aguentavam mais”, diz Celso Napolitano, presidente do sindicato.

Muitos professores, inclusive, passaram a entrar na Justiça para pedir a rescisão indireta, quando o funcionário se demite, mas mantém o direito a todas as verbas rescisórias ao comprovar que a empresa descumpriu com o contrato.

Além do atraso de salários, a empresa não pagava FGTS e diversos impostos desde 2018 e chegou até a suspender o plano de saúde dos funcionários durante alguns meses. “Todo ano eu declaro (no Imposto de Renda) que eu recebi o décimo terceiro e não recebi”, afirma uma funcionária da faculdade que preferiu não se identificar.

Por isso, diversas greves foram realizadas nos últimos anos. A última começou em dezembro, quando os docentes já estavam há mais de dois meses sem receber.

“Eu achei que fosse coisa rápida, mas não tem sido, tiveram várias intermediações”, diz a funcionária da instituição. “Muitos colegas meus, pessoal da parte administrativa, secretaria, estão trabalhando só para não prejudicar os alunos, é a nossa única intenção. Nós estamos mantendo isso para poder finalizar o semestre letivo dos alunos.”

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