Por que discurso de ódio é crime na Alemanha

"NaTodo mundo pode expressar suas opiniões na Alemanha? Sim, mas dentro de certos limites. País tem regras mais rigorosas do que, por exemplo, os EUA, a fim de proteger os jovens, a privacidade e a honra pessoal.Existe liberdade de expressão na Alemanha. Isso está assegurado na Artigo 5º da Lei Fundamental, a Constituição alemã. A lei, contudo, também afirma que essa liberdade tem limites, quando se trata, por exemplo, de proteger os jovens, a privacidade ou a honra pessoal.

A proteção da honra pessoal, em particular, desempenha um papel importante na tradição jurídica alemã, afirma o advogado Ralf Poscher, diretor do Instituto Max Planck de Pesquisa sobre Crime, Segurança e Direito em Freiburg. “Isso vem da sociedade de classes, na qual era algo ainda mais importante. Esses conceitos de honra, que também foram adotados pela burguesia, tornaram-se parte do nosso sistema legal.”

Na Alemanha, é crime insultar, assim como espalhar mentiras que denigram outros. Portanto a liberdade de expressão é muito mais restrita na Alemanha do que, por exemplo, nos Estados Unidos, explica Nadine Strossen, professora da Faculdade de Direito de Nova York. Ex-presidente da União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU), ela é considerada um defensora rigorosa da liberdade de expressão.

“A primeira emenda da Constituição dos Estados Unidos é a lei nacional que mais protege a liberdade de expressão no mundo”, disse Strossen. Portanto insultos e mentiras difamatórias são amplamente cobertos pela Constituição. “Mesmo que você ache uma mensagem odiosa, extremista ou que incite violência, isso, por si só, jamais será suficiente em nosso país para justificar sua supressão.”

Negação do Holocausto proibida na Alemanha

O pai de Strossen sobreviveu ao campo de concentração de Buchenwald. No entanto, ela diz que a negação do Holocausto também deve ser permitida. Na Alemanha, é crime negar publicamente o genocídio do povo judeu cometido pelo regime nazista.

Isso se enquadra na chamada incitação ao ódio. Qualquer um que incite o ódio ou a violência contra determinados grupos étnicos, religiosos ou nacionais pode ser punido com até cinco anos de prisão.

Expressar opiniões políticas sem discurso de ódio é, no entanto, permitido, explica o jurista Poscher. “A liberdade de expressão e a liberdade de reunião protegem todos os tipos de opiniões, mesmo aquelas nas extremidades do espectro político.” Por isso as manifestações de extremistas de direita são permitidas na Alemanha. “É claro que eles não devem cruzar a linha da intimidação, do insulto, da degradação e coisas do gênero, mas também podem propagar ideias anticonstitucionais.”

Somente quando os inimigos da Constituição se organizam de tal forma que podem representar uma ameaça à democracia é que o Estado pode combatê-los. Dessa forma, partidos e agremiações também podem ser proibidos. A assim chamada democracia “defensiva” visa evitar que a Alemanha se torne novamente uma ditadura, como na era nazista.

Melhor ignorar do que proibir?

Para Strossen, embora isso tudo seja bem-intencionado, não cumpre o objetivo de proteger a dignidade humana. “Acho que essa abordagem paternalista não só limita a liberdade individual, mas é, em última análise, ineficaz. A história mostra que a melhor maneira de chamar a atenção para sua mensagem é alguém tentar detê-la.”

A ascensão preocupante do partido ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD), que é em parte extremista de direita, não ocorre apesar das tentativas de punir declarações de ódio, mas precisamente por causa delas, afirma Strossen.

“Isso aumenta a atenção, aumenta a simpatia, intensifica a suspeita e desconfiança em relação aos partidos estabelecidos.” A ativista acredita que é melhor ignorar o ódio e a incitação do que proibi-los, e que alegações falsas podem ser refutadas.

O debate sobre os limites da liberdade de expressão se intensificou desde o surgimento das mídias sociais. Essas ferramentas permitem que todos expressem publicamente suas opiniões – mas também ódio e incitação.

Num estudo encomendado pelo Ministério alemão da Família, quase metade dos participantes revelou já ter sido insultado online. Um quarto foi ameaçado com violência física e 13% com violência sexual, sendo que 55% consequentemente passaram a participar menos das discussões.

Limites da liberdade

O jurista Ralf Pauscher denuncia um debate incivil, que pode ser encontrado em parte na internet, “onde a gente é degradada, insultada e perseguida com uma enxurrada de comentários de ódio”. Por isso, “muitos não participam mais do debate público.” Entretanto ele é a base de uma democracia viva. Há, portanto, muitos argumentos em favor de “insistir em certa civilidade no debate público”.

A Alemanha está mais à frente que os Estados Unidos na liberdade de expressão relativa a conteúdos sexuais e nudez, lembra Strossen. “Nós, americanos, somos notoriamente pudicos.” Mostrar os seios de uma mulher amamentando, por exemplo, seria censurado nos EUA.

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