Sem consenso, bancada evangélica elege nova liderança em situação inédita; entenda

Um dos blocos mais influentes do Congresso Nacional, a Frente Parlamentar Evangélica elege nesta terça-feira, 25, sua nova liderança em um cenário inédito de disputa pelo posto.

Desde 2003, quando foi criada, a FPE sempre definiu sua coordenação por meio de um consenso. Embora reúna um grupo numeroso de parlamentares (são 219, atualmente), a bancada historicamente se alinha ao redor das principais premissas cristãs — como a oposição a projetos que flexibilizam o aborto.

Neste pleito, no entanto, três nomes estão na mesa para votação:

— Gilberto Nascimento (PSD-RJ);

— Greyce Elias (Avante-MG); 

— Otoni de Paula (MDB-RJ).

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Por trás do ineditismo

A eleição de um novo líder, antes prevista para ocorrer em dezembro de 2024, foi adiada após pedidos de impugnação apresentados por Nascimento e Elias, com base em um dispositivo do regimento interno do bloco. Para além do rigor formal, no entanto, o adiamento refletiu um cenário de acirramento.

Fato é que a FPE ficou mais sujeita a atritos desde o início do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em janeiro de 2023. Embora esteja alinhado à direita — somente 21 dos 219 integrantes são de partidos de esquerda –, o grupo costumava aderir ao governismo na mesma medida em que lideranças pentecostais, como o pastor Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, e o bispo Edir Macedo, presidente da Igreja Universal do Reino de Deus, o faziam nos outros mandatos deste mesmo Lula.

Sob a gestão de Jair Bolsonaro (PL, de 2019 a 2022), contudo, essas mesmas lideranças aderiram a um discurso mais ideológico e o próprio segmento social se tornou mais resistente ao petismo. Segundo pesquisa Datafolha divulgada em 14 de fevereiro, o governo federal é aprovado por 21% dos evangélicos.

O petista até buscou fazer acenos ao grupo nos dois anos de mandato — sancionou o Dia Nacional da Música Gospel com um louvor no Palácio do Planalto –, mas o movimento foi pouco expressivo e o manteve afastado de eventos evangélicos, como a Marcha Para Jesus, maciçamente aderidos por políticos de direita. No período, Silas Câmara (Republicanos-AM) e Eli Borges (PL-TO) se dividiram na liderança do bloco e mantiveram uma postura no geral mais moderada.

Mas foi o vice-líder da bancada, Otoni de Paula, quem protagonizou os principais movimentos de aproximação com o Planalto. Ex-bolsonarista convicto, o emedebista e pastor da Assembleia de Deus de Madureira orou por Lula, apoiou a reeleição do prefeito Eduardo Paes (PSD) no Rio de Janeiro e pregou moderação. As ações lhe renderam a pecha de lulista, o que abriu resistências na FPE e a ruptura que se expõe na disputa desta terça.

Ao PlatôBR, Otoni negou a alcunha. “Os que dizem isso são os mesmos que querem transformar a frente parlamentar num puxadinho do bolsonarismo. A bancada evangélica não deve atender nem aos interesses do bolsonarismo nem do lulopetismo”, afirmou.

A negativa não cola entre boa parte dos colegas. O deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), líder do partido de Bolsonaro na Câmara e ex-coordenador da FPE, disse à IstoÉ que o parlamentar “exagerou” nas falas direcionadas a Lula, que faz um governo “divorciado dos valores cristãos“. “A postura do deputado foi exagerada e desconectada da realidade do segmento evangélico”, declarou.

Da cisão, Gilberto Nascimento ascendeu. Apoiado por Malafaia, Sóstenes e outras lideranças associadas à direita radical, o deputado paulista prefere o “caminho do meio” e também nega associação ao bolsonarismo. À IstoÉ, afirmou ser um “homem do diálogo” e defendeu que o bloco atue por “interesses comuns” dos evangélicos, lamentando o racha que precede a escolha de um novo líder.

Conforme reportou a coluna Guilherme Amado, o bloco crê no favoritismo de Nascimento. O status é afiançado não apenas pela rejeição a Otoni, mas por um histórico de atuação parlamentar pela comunidade — em 1994, como vereador da capital paulista, conseguiu excluir cultos religiosos da fiscalização da Lei do Silêncio promovida pela prefeitura — e pelo trânsito sólido na FPE, da qual foi um dos fundadores.

A candidatura de Greyce Elias, por sua vez, tem menor projeção. A atuação da parlamentar é moderada e não mobiliza maiores acirramentos em relação a Lula ou a Bolsonaro. Embora as pesquisas apontem que a maior parte das instituições evangélicas brasileiras são frequentadas por mulheres, o bloco nunca foi liderado por uma.

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