Fã-clube do brutalismo cresce pelo mundo

""CidadePara uns, prédios brutalistas são monstros de concreto aparente, para outros, patrimônio fundamental da arquitetura moderna. Escurecidos e dilapidados, eles colocam a questão: preservar ou demolir?Indicado para dez Oscars, O brutalista gira em torno do arquiteto judeu húngaro László Tóth (Adrien Brody) que sobrevive ao campo de concentração alemão Buchenwald e emigra para os Estados Unidos, onde é encarregado de um projeto. O filme é louvado pela crítica e premiado em festivais, já tendo recebido Globos de Ouro e o British Academy Film Awards (Bafta).

Um sucesso surpreendente, sobretudo por o assunto central de seus 202 minutos de duração ser um estilo arquitetônico controverso. O brutalismo é, de fato, rude, pesado, radical, mas deve o nome, acima de tudo, a seu material básico, o concreto aparente – em francês, béton brut. Ele não faz concessões em termos de forma ou aparência: geometria pura, nada de ornamentos ou cores. Seus edifícios dão uma impressão grosseira, intimidatória, proibitiva: a associação com bunkers é quase inevitável.

O estilo desenvolveu-se após a Segunda Guerra Mundial, quando o espaço de moradia era escasso. Um de seus pioneiros foi o arquiteto franco-suíço conhecido pelo pseudônimo Le Corbusier.

Contratado para projetar um grande complexo residencial em Marselha, entre 1947 e 1952 ele ergueu a Cité Radieuse, uma construção com quase 140 metros de comprimento, 25 de largura e 56 de altura, sobre pilotis monumentais. Contendo 330 unidades de habitação para até 1.700 moradores, além de ruas comerciais, jardins-de-infância e instalações de lazer, desde 2016 ela integra o Patrimônio Mundial da Unesco.

Esse era apenas o começo: o estilo brutalista conquistou o mundo inteiro, até a década de 70 adentro. O concreto era um material barato, e as formas rígidas exigiam um tempo de construção relativamente breve.

Em grande parte, os edifícios resultantes são prédios públicos como prefeituras, universidades, igrejas ou bibliotecas – ou conjuntos habitacionais gigantescos com infraestrutura própria, funcionando como cidades autônomas. A influência do brutalismo se mantém até hoje: diversos arquitetos contemporâneos integram elementos desse estilo em seus projetos. No Brasil, o estilo ganhou força com o trabalho de arquitetos como João Vilanova Artigas, Paulo Mendes da Rocha, e Lina Bo Bardi.

“Local inadequado para abrigar vida humana”

Como se pode imaginar, as criações brutalistas não contam apenas com fãs, pois é preciso muita fantasia para achar blocos de concreto cinzento bonitos. Em praticamente toda cidade, pelo menos uma de suas monstruosas estruturas impera sobre alguma esquina, enquanto se torna cada vez mais suja e dilapidada devido aos fatores ambientais.

“Esses prédios não estão nem aí para o entorno”, comentava a historiadora de arte Karin Berkemann em 2017, à revista Süddeutsche Zeitung Magazin. “Eles dizem: eu sou um prédio, se confrontem com isso.”

Essa “confrontação” ocorre de maneiras diversas. Projetados pelo casal de arquitetos Alison e Peter Smithson, e completados em 1972, na última década o conjunto habitacional social Robin Hood Gardens, de Londres, foi condenado como “fracasso”, “favela” e “monstruosidade de concreto”.

Para a organização de proteção do patrimônio English Heritage, ele era “desde o início, um local inadequado para abrigar vida humana”. Apesar de numerosos protestos e apelos para que fosse tombado, o complexo brutalista foi considerado anacrônico e carente de saneamento, sendo demolido em 2017 como parte de um programa urbanístico abrangente.

Também na Alemanha há quem não suporte os bunkers de concreto brutalistas: no mesmo ano de 2017, foi derrubada em Hamburgo a antiga direção dos correios, a “Postpyramide”, apesar de tentativas de lhe conferir um caráter mais agradável, pintando-a de cores alegres.

“Rolo de Papel Higiênico”, “Bunker dos Camundongos” e ambientalismo

Apenas alguns quilômetros mais adiante, a “confrontação” transcorreu diferente: seriamente danificada, apesar de tombada, a igreja católica de São Maximilian Kolbe, de 1973, estava marcada para ser demolida. Grandes protestos, uma nova portaria do departamento do patrimônio histórico hamburguês e um projeto para remanejamento futuro a salvaram, e desde 2014 ela abriga um centro intercultural. Por causa de sua forma pouco usual a igreja dessacralizada porta um nome pouco lisonjeiro: “Klorolle” – rolo de papel higiênico.

À margem de um canal, no sudoeste de Berlim, vê-se desde 1971 algo que lembra uma nave espacial de guerra da franquia Star Wars. Seu apelido “Mäusebunker” – bunker dos camundongos – se deve ao fato de ter sido originalmente uma estação de experimentos com animais do Hospital Charité.

Como explicou o historiador Felix Torkar à emissora Deutschlandfunk, sua arquitetura futurista não é mero acaso: “O planejamento foi no fim dos anos 60, o homem acabava de pousar na Lua. E aí o motivo do navio, do modernismo clássico, encontra a arquitetura de ficção científica dos anos 60 e 70, e nasce esse Star Destroyer.”

Apesar de ser considerado um grande representante da arquitetura brutalista, o prédio também está condenado a sucumbir à bola de demolição. Mas o anúncio desencadeou uma onda de protestos na Alemanha e no exterior, e se lançou uma petição exigindo seu tombamento.

Além de especialistas em patrimônio arquitetônico e fãs do brutalismo, o coro dos amigos do “Bunker dos Camundongos” inclui ambientalistas. Eles defendem um remanejamento ou saneamento, em vez da demolição, apontando para o impacto climático dos materiais de construção antiquados.

De fato, a destruição desse marcial monstro de concreto berlinense pode ser um verdadeiro desastre para o clima, não só por envolver enorme consumo de energia, como pelo problema de eliminar os materiais danosos empregados na época, como o amianto.

Brutalismo nas redes

Enquanto isso, formou-se nas redes sociais uma pequena comunidade do brutalismo. Muitos perfis do Instagram se ocupam dele, em parte de modo satírico, como em @catsofbrutalism, que traz montagens fotográficas de gatos gigantescos deitados ou encostados em representantes dessa distópica arquitetura.

A conta @african_brutalism se dedica ao brutalismo arquitetônico na África, @swiss_brutalism destaca a Suíça. Os fãs do estilo vão do Brasil ao Japão. No Facebook, desde 2007 uma comunidade se engaja pela preservação dos superblocos de concreto. Sua fundadora, a britânica Brutalism Appreciation Society, conta hoje mais de 260 mil membros.

Na Alemanha, o Museu Alemão de Arquitetura de Frankfurt e a Fundação Wüstenrot criaram a plataforma social #SOSBrutalism. Qualquer um pode participar, enviando fotos de construções representativas do brutalismo por todo o mundo.

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