Qual é a lesão que afeta mais as mulheres e preocupa para a Copa do Mundo?

 
Alexia Putellas, Marta, Miedema, Katoto, Angelina, Beth Mead e Lorena: todas sofreram uma lesão no ligamento cruzado anterior do joelho (LCA) antes ou durante importantes competições recentes no futebol. Só nos últimos 12 meses, mais de 20 atletas que jogam nas maiores ligas do mundo tiveram essa contusão.
Tantos casos surgindo próximos à Copa do Mundo Feminina, que começa em julho deste ano, na Austrália, estão deixando os torcedores em estado de alerta, com medo de uma jogadora da seleção do seu país ser a próxima vítima. A pergunta que ronda a cabeça dos fãs da modalidade é: por que os casos de lesão no LCA no futebol feminino estão aumentando?
 
A primeira coisa a se pontuar é que essa contusão é de duas a oito vezes mais comum entre as mulheres. E se tratando de futebol, estudos mostram que o risco é três vezes maior em comparação com os jogadores.
A ciência ainda não bateu o martelo sobre o que está por trás dessa disparidade, mas com os estudos que já foram realizados é possível levantar algumas suspeitas. Especialistas ouvidos pelo Superesportes acreditam que a diferença anatômica e os hormônios sejam os dois principais fatores.
O ortopedista Nemi Sabeh, que foi coordenador médico das seleções femininas de futebol de 2010 até a Copa América de 2022, explica que o tamanho da bacia das mulheres, naturalmente maior para comportar os órgãos do sistema reprodutor, influencia na ocorrência da lesão.
– É que o músculo que segura o joelho para não torcer, chamado de glúteo médio, fica na bacia. Quando a atleta vira o joelho para dentro, não é ele que tem o poder de ‘segurar’ [a torção] -, afirma Sabeh.
– Em relação ao fator hormonal, as mulheres sofrem o aumento da elasticidade dos ligamentos, deixando-os mais sensíveis, no período pré-ovulatório – acrescenta o ortopedista e médico do esporte Roberto Ranzini, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo.
 
 
 
Além da desvantagem natural das jogadoras, outras coisas explicariam o crescimento do trauma nas últimas temporadas. Segundo o ortopedista André Pedrinelli, que assumiu a chefia do departamento médico das seleções femininas da CBF após a última Copa América, elas não possuem um padrão de movimento como os homens. Isso porque não existe a mesma quantidade de trabalho nas categorias de base na modalidade feminina em relação à maioria dos times masculinos.
– No Brasil, faz apenas três anos que temos ligas de desenvolvimento sub-16 e sub-18 [no feminino]. Quando um menino chega aos 17, 20 anos, há quanto tempo ele já está praticando o esporte? A gente sabe que um dos fatores de proteção é a habilidade de execução dos gestos esportivos – comenta Pedrinelli.
Soma-se isso ao fato de o futebol feminino ter iniciado seu processo de profissionalização há pouco tempo, não apenas no Brasil, mas nas grandes ligas da Europa também. No nosso país, por exemplo, o formato do Campeonato Brasileiro masculino com quatro séries existe desde 2009. Já no feminino, a série A3 estreou apenas em 2022. O aumento recente do calendário e da exigência nos treinamentos também impacta no físico das atletas. 

O que é a lesão no LCA e por que a recuperação demora

Ranzini explica que o ligamento cruzado anterior é o mais importante do joelho, pois impede a interiorização da tíbia – osso que suporta o peso na parte inferior da perna -, confere a estabilidade à articulação da região e impede que a rotação aconteça.
– O mais comum é que a lesão no LCA aconteça com o atleta sozinho. Normalmente acontece com o membro inferior de apoio, não com a perna que chuta, por causa de um movimento de mudança brusca de direção – explica o médico do Albert Einstein.
Foi o que aconteceu com Luíza Travassos, jogadora do Marshall University Women’s Soccer, que disputa a Liga Universitária de Esportes dos Estados Unidos (NCAA), e da seleção brasileira sub-20. Ela sofreu a lesão no LCA em um amistoso contra o time da Universidade de Kentucky no dia 26 de março.
– Depois que saí do campo e percebi que era o joelho, já comecei a ficar mais nervosa, com medo de ser o LCA, por ser uma lesão muito preocupante – conta a atleta de 19 anos.
Luíza voltou para o Brasil para operar o joelho e passar o período de recuperação perto da família, mas conta estar recebendo todo o amparo do clube americano. Agora, já com o joelho operado, a previsão de retorno é de seis a nove meses.
Ranzini informa que nesses casos a cirurgia é praticamente obrigatória para que as atletas voltem aos gramados, junto com a fisioterapia.
– A ausência impede que a pessoa faça uma atividade de mais intensidade porque vai lesando outras estruturas. Em mais de 95% das cirurgias, a gente reconstrói o LCA com um enxerto retirado de outra região do joelho – relata o ortopedista.
O problema é que a integração e consolidação desse enxerto no lugar onde existia o ligamento é demorado. Por isso a recuperação leva tanto tempo.
Luíza diz ter ficado muito abalada nos primeiros dias porque tinha muitas expectativas para a vida profissional neste ano.
– Passa muita coisa na cabeça. Mas agora, assim como tive determinação para atingir meus objetivos dentro de campo, vou ter que ter fora. Estou mais tranquila e focada [na recuperação]. Não adianta mais ficar me remoendo – comenta.

Copa do Mundo feminina: o que é feito para prevenir a lesão na seleção

Ainda não existe um protocolo médico específico para prevenir a lesão no LCA, apesar de estudiosos estarem pesquisando sobre o assunto. O que se faz atualmente são exercícios preventivos para gerar um padrão de execução dos movimentos. A própria Fifa criou um programa chamado FIFA 11+ para ajudar na prevenção de contusões em geral.
Não é de hoje que a seleção brasileira se preocupa com esse tipo de lesão, especialmente pelo tempo que a recuperação leva. Desde a época em que Sabeh esteve à frente do departamento médico, há um trabalho junto a comissão técnica dos clubes para sugerir treinos específicos a cada atleta e orientações relacionadas ao ciclo menstrual.
Com a mudança na equipe técnica após a última Copa América, relacionada à reformulação da equipe para o novo ciclo da Copa do Mundo de 2023 e Olimpíadas 2024, conforme informado pela coluna “Donas do Campinho”, do ge, esse trabalho continua sendo realizado, agora combinado a uma integração com outros departamentos de saúde da CBF, como nutricionistas e psicólogos.
A goleira Lorena, titular do Grêmio e da seleção, por exemplo, sofreu um estiramento no LCA em março e não poderá disputar a Copa do Mundo de 2023.
Pedrinelli conta que a comissão da seleção se comunica constantemente com a dos clubes das jogadoras para auxiliar e ajustar a carga de treinamentos do dia a dia. Além disso, eles estão sempre compartilhando estudos e artigos novos entre si para aprimorar a preparação das atletas.
– Nosso trabalho agora é de vigilância. Hoje, nós temos contato com todos os médicos das equipes, com todos os fisioterapeutas e os preparadores físicos. Isso serve tanto para as equipes estrangeiras como as nacionais. E com isso a gente troca muito experiência – informa Pedrinelli.
Junto ao trabalho de prevenção, há um esforço para melhorar o processo de recuperação das atletas lesionadas. Isso porque o risco de uma nova lesão acontecer também é maior entre elas.
O médico da CBF conta que, em conjunto com a comissão dos clubes das jogadoras, eles aproveitam o período de recuperação para modificar o padrão de movimento delas, e assim, evitar que se machuquem mais uma vez. Ele acredita que com a profissionalização das equipes femininas a tendência é que esse trabalho se desenvolva e ajude a prevenir novas lesões.
– Quanto mais saudável for a nossa atleta, melhor ela vai desempenhar, com menor custo para o corpo dela. Consequentemente, ela consegue ficar mais tempo na profissão e vai ter mais sucesso – finaliza o chefe do DM da seleção.
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