O que Israel faz na Síria, e por quê?

Tel Aviv enviou tropas e bombardeia regularmente alvos no país devastado pela guerra, no intuito de “defender” minorias. Tudo isso, apesar de o governo interino sírio garantir que não representam uma ameaça a Israel.Na noite de segunda-feira (03/03), uma bandeira israelense foi hasteada no sul da Síria. Isso é algo incomum, para dizer o mínimo. Embora durante décadas tenha havido nos bastidores uma distensão desconfortável entre o regime agora deposto do ditador Bashar al-Assad e o governo de Israel, as hostilidades ainda prevalecem entre as duas nações.

Logo após a bandeira israelense ser hasteada em uma rotatória em Sweida, uma província no sul da Síria que abriga grande parte da minoria drusa da Síria, alguns moradores a retiraram e a queimaram.

O hasteamento e a queima da bandeira ocorreram após outro incidente preocupante no fim de semana, quando ocorreu um tiroteio em Jaramana, um subúrbio de maioria drusa na capital, Damasco, entre moradores e as novas forças de segurança sírias. Os relatos, porém, eram confusos. Estaria a comunidade drusa sob ataque do novo governo ou seria este um confronto não relacionado à política?

“Houve todo tipo de rumor”, afirmou à DW um morador de Jaramana, que pediu para não ser identificado devido à vulnerabilidade da situação. “Algumas pessoas disseram que os drusos que estavam lutando contra as forças de segurança tinham conexão com os drusos de Israel e foram secretamente financiados por eles para causar problemas aqui.”

A comunidade drusa é uma pequena seita religiosa do Oriente Médio caracterizada por um sistema eclético de doutrinas. Estima-se que 150.000 drusos tenham cidadania israelense e vivam no país. Eles servem regularmente no Exército e são tidos como sendo de uma lealdade feroz ao Estado de Israel.

Na Síria, os cerca de 700.000 drusos constituem uma das maiores comunidades minoritárias do país. Eles vêm pressionando o novo governo sírio a defender os direitos das minorias.

“Outros, incluindo muitos de organizações da sociedade civil, culparam as autoridades religiosas [drusas] porque elas estão dando essa cartada [com Israel] para que possam ter mais poder dentro do novo governo”, continuou a fonte.

No domingo, em reação ao tiroteio em Jaramana, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, disse que seu Exército estava preparado para defender a minoria drusa da Síria de qualquer perigo representado pelo novo governo interino do país. “Se o regime prejudicar os drusos, será prejudicado por nós”, proclamou Netanyahu.

Isso ocorre apesar do fato de que o governo interino sírio ter pregado abertamente a unidade nacional. Os governantes dizem que todas as minorias étnicas ou religiosas da Síria, incluindo os curdos, cristãos, drusos e alauítas, devem estar envolvidas na administração do país.

A Síria e atualmente liderada pela Organização para a Libertação do Levante (Hayat Tahrir al-Sham, ou HTS), a milícia rebelde que liderou a ofensiva que derrubou o regime autoritário de Assad.

Embora existam diferentes facções e opiniões dentro da comunidade drusa da Síria, observadores dizem que a maioria rejeita a “proteção” de Israel.

Por que Israel “defende” os drusos?

Israel há muito pratica o que se tornou conhecido como sua “doutrina da periferia”, na qual busca alianças com minorias não muçulmanas, como os drusos, assim como países da região para reforçar sua própria segurança, explicou Trita Parsi, vice-presidente executiva do Instituto Quincy para o Estadismo Responsável, sediado em Washington, em postagem no X.

A população síria de cerca de 25 milhões de pessoas é amplamente diversa, com múltiplas etnias e religiões, algumas das quais ainda estão divididas em razão dos anos de ditadura e guerra civil. Diferentes interesses estrangeiros também promovem essas divisões para avançar suas próprias agendas, disse Andreas Krieg, professor sênior da Escola de Estudos de Segurança do King’s College London, à DW.

“Vimos os russos empurrando narrativas contra o HTS, tentando ‘proteger’ os cristãos no Natal. Vimos os iranianos dizendo que são os ‘protetores dos xiitas’ na Síria. Israel faz a mesma coisa ao dizer que estamos aqui para ‘defender’ os drusos”, ressaltou o analista.

A última coisa que Israel quer é “um governo inclusivo na Síria que possa potencialmente estabilizar o país a ponto de ter capacidade de lutar contra Israel”, afirmou Krieg.

Invasão israelense?

Especialistas dizem que as declarações divisivas em torno da defesa de minorias também se relacionam com a outra parte da estratégia israelense na Síria, que envolve tropas em solo.

Desde o início de dezembro, quando o regime de Assad foi deposto, Israel tem lançado ataques aéreos regulares contra o território sírio. De acordo com o grupo de monitoramento Armed Conflict Location and Event Data, (Acled), Israel conduziu mais ataques aéreos contra a Síria em dezembro de 2024, após a queda do regime de Assad, do que durante todo o ano de 2023 e “destruiu entre 70% e 80% das capacidades militares estratégicas do antigo regime nas primeiras 48 horas”, relataram os pesquisadores do Acled.

Esta semana, Israel realizou novos ataques aéreos contra o que diz serem alvos militares sírios.

Israel também moveu suas tropas para uma zona neutra monitorada pela ONU, estabelecida entre os dois países, para garantir que ambos cumprissem um tratado de separação de 1974.

Tel Aviv disse que isso era necessário para garantir a segurança enquanto não houvesse um governo sírio verdadeiro. Desde então, autoridades israelenses passaram a afirmar que suas tropas permanecerão na região de forma mais permanente.

A Força das Nações Unidas de Observação da Separação, ou Undof, encarregada de monitorar a zona neutra, expressou preocupação. “Desde 07 de dezembro, a Undof observou um aumento significativo na movimentação das Forças de Defesa de Israel dentro da área de separação e ao longo da linha de cessar-fogo”, afirmou, em nota. “A Undof informou seus colegas israelenses que essas ações constituem uma violação.”

Imagens de satélite de janeiro analisadas pelas emissoras BBC e Al Jazeera confirmaram uma presença israelense mais permanente na Síria. Declarações de moradores locais nessas áreas coletadas pelo veículo de comunicação Syria Direct sugerem que o Exército israelense estaria assumindo o controle do território. Novas estradas e edifícios foram construídos, fazendeiros foram impedidos de cuidar de suas fazendas; oliveiras, casas e bombas de água foram destruídas e moradores locais foram detidos pelas forças israelenses.

À medida que a situação se deteriora, os moradores disseram à Syria Direct que o Exército israelense se ofereceu para fornecer água, alimentos, energia e até empregos nas Colinas de Golã ocupadas.

Contra o direito internacional

Em discurso no último domingo, Netanyahu foi ainda mais longe e exigiu “a desmilitarização completa do sul da Síria”.

“Israel violou gravemente o direito internacional não apenas capturando terras sírias e as mantendo ilegalmente”, explica o especialista Krieg, sediado em Londres, “mas também usando força militar dentro da Síria contra alvos que não representam uma ameaça direta a Israel neste momento.

sso pode ter resultados positivos a curto prazo, mas não levará à segurança a longo prazo, disse o estrategista militar à DW. “Israel se vê ainda cercado por inimigos”, explicou Krieg. “Nas mentes deles, desde 1948, quando Israel foi criado, eles têm travado uma guerra contra todos os seus vizinhos. Então não há confiança [e] em vez de se envolver com a nova liderança [da Síria], Israel está novamente apostando no confronto.”

Em situações semelhantes em países vizinhos, o confronto eventualmente levou à formação de grupos de resistência que então colocaram Israel ainda mais em perigo, Krieg apontou.

Os primeiros relatos já surgiram de um pequeno grupo no sul da Síria, que se autodenomina “Frente de Resistência Islâmica na Síria – Grande Poder” que quer lutar contra soldados israelenses atualmente em seu país.

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