PlatôBR: ‘Mulher bonita’, ‘cabeçudão’ e ‘doutor’: assim não tem Sidônio que dê jeito

Lula poderia ter escolhido vários adjetivos para exaltar a capacidade de diálogo da ministra da SRI (Secretaria de Relações Institucionais), Gleisi Hoffmann (PT-PR), mas preferiu usar a característica “mulher bonita” como atrativo para os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), homens com quem ele quer manter uma relação próxima. Parece que o presidente nem percebeu o machismo embutido em sua fala.

No mesmo discurso, Lula reforçou estereótipos originados nos fluxos migratórios brasileiros desde a década de 1930, quando nordestinos, castigados pela seca e pela pobreza, passaram a procurar as áreas mais ricas do país para sobreviver. São Paulo era o destino mais procurado. A referência ao líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), como “cabeçudão do Ceará” foi até entendida como uma brincadeira, um deboche entre amigos que têm a mesma origem nordestina.

Guimarães riu muito ao ser citado assim por Lula. Mas, ao falar dessa forma, o presidente se igualou a Jair Bolsonaro, que, quando era presidente, ao tentar se livrar da pecha de que não gostava de nordestinos que votavam preferencialmente no PT passou a repetir em seus discursos e entrevistas que até tinha um sogro “cabra-da-peste” e da “cabeça chata”.

No caso de Gleisi, há quem perdoe Lula usando o argumento de que é ele um homem quase octogenário que não se apropriou dos entendimentos mais recentes sobre machismo. A intenção, na verdade, era exaltá-la. Ele havia começado o discurso anunciando que era a primeira cerimônia com Gleisi na articulação do governo. Só que o resultado foi diferente. Nas horas seguintes, nas redes e nas TVs, não faltavam críticas à maneira como o presidente se referiu à ministra.

Na quarta-feira, 12, mesmo dentro do PT, a sensação era a de que “não há Sidônio que dê jeito quando Lula resolve improvisar”, como disse um petista ao PlatôBR, referindo-se ao chefe da Secom (Secretaria de Comunicação) da Presidência da República, Sidônio Palmeira. O publicitário substituiu Paulo Pimenta no cargo, com a tarefa de reverter a queda de popularidade do presidente. Nessa função, conter a verborragia de Lula é um ponto importante da estratégia.

O presidente sempre foi bom de improviso, mas, hoje, muito do que fala soa mal. Quando usou os termos inapropriados, o ele estava improvisando durante a assinatura, no Palácio do Planalto, da medida provisória que institui a linha de empréstimo consignado chamada Crédito do Trabalhador.

Um outro episódio mostrou bem a dificuldade dos auxiliares em conter os improvisos de Lula. No dia 8 de janeiro, quando o presidente discursou sobre seu amor pela democracia, disse que não era “nem um marido”, mas um “amante da democracia”, e que “muitas vezes os homens são mais apaixonados pelas amantes do que pelas mulheres”.

O deslize ocorreu quando Paulo Pimenta já esperava ser substituído na Secom por Sidônio – e na frente a primeira-dama, Janja da Silva, que permaneceu imóvel. Pimenta não se conteve. Olhou para Sidônio, acenando com cabeça, indicando que a tarefa de seu substituto seria árdua.

A chegada do “doutor”

As orientações de Sidônio não são só para Lula. Ministros também costumam recorrer a ele com o objetivo de melhorar o desempenho e integrar as equipes de comunicação das pastas. Quando entrou no cargo, o ministro da Secom se reuniu com as equipes do setor de cada ministério em busca de uma comunicação mais eficiente. Só que a orientação por mais descontração e para se aproximar da população também tem produzido cenas indesejadas. Muitas vezes o tom é mal avaliado pelas equipes e causa constrangimentos, tanto externos quanto dentro do governo.

A chegada do ministro Alexandre Padilha ao Ministério da Saúde rendeu um desses constrangimentos ao escolher o slogan “O doutor chegou”, uma marca personalista que ele passou a imprimir em suas postagens nas redes sociais. No dia da posse, bonés azuis com essa frase foram distribuídos no Palácio do Planalto, na mesma cerimônia em que Nísia Trindade, que não é médica e estava de saída, discursou reclamado de ter sido alvo de ataques misóginos durante o tempo em que esteve no cargo. Além disso, o motivo alegado para a saída era que a então ministra não havia conseguido construir uma marca de sua gestão.

Pode até não ser a ideia, mas o slogan adotado por Padilha passa a impressão de que ele está exaltando o fato, de agora, a pasta estar nas mãos de um médico (Nísia não é formada na área). Na verdade, a contar pelos títulos, antes da chegada de Padilha também havia uma doutora na pasta. Graduada em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), em 1980, Nísia tem mestrado em Ciência Política pelo antigo Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro), atual IESP (Instituto de Estudos Sociais e Políticos), e doutorado em Sociologia pela mesma instituição. Padilha é médico infectologista pela Universidade de São Paulo (USP), e tem PhD em Saúde Pública pela Unicamp (Universidade de Campinas).

Nesta semana, aliados de Padilha chegaram a divulgar no grupo de mensagens dos superintendentes estaduais do Ministério da Saúde uma foto do boné bordado com a logomarca. Pessoas ligadas à ex-ministra Nísia Silveira se incomodaram com a postagem. Consideraram o slogan desrespeitoso e desnecessário.

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