País vive maior onda de protestos dos últimos 25 anos, após 15 morrerem em desabamento de estação de trem. Manifestantes pedem apuração do caso, que virou símbolo de luta anticorrupção.Por dois dias, cidadãos acudiram a Belgrado, vindos de todas as partes da Sérvia, para o maior protesto do país nos últimos 25 anos, lotando as ruas da capital neste sábado (15/03).
A mobilização ocorreu a despeito da falta de transporte público, suspenso por autoridades de um governo que luta há meses para conter a indignação coletiva que aflorou após o colapso da cobertura de uma estação de trem matar 15 pessoas.
A onda de protestos que se seguiu à tragédia, ocorrida em 1º de novembro na cidade de Novi Sad, já levou à renúncia do prefeito Milan Djuric e do primeiro-ministro e chefe de governo do país, Milos Vucevic. Só na semana passada, a ONG Centro para Pesquisa, Transparência e Responsabilização contabilizou 410 atos pelo país.
À frente do movimento estão estudantes que exigem explicações sobre as causas do desabamento. O caso, porém, ganhou uma dimensão muito maior em meio às críticas contra o governo, acusado de corrupção e de censurar a imprensa.
Na cidade de 1,66 milhões de habitantes, estima-se que entre 275 mil pessoas e 325 mil pessoas tenham participado da manifestação deste sábado, segundo a Arhiv javnih skupova, ONG sérvia especializada na contagem de protestos. “Tudo indica que este é o maior protesto na história de Belgrado”, afirmou a entidade via redes sociais.
Para manifestantes, tragédia é símbolo da corrupção do governo
As causas do desabamento em Novi Sad ainda estão sob investigação. A estação de trem foi reformada em circunstâncias obscuras, com envolvimento de empresas chinesas e pessoas supostamente ligadas ao partido SNS, que controla o governo da Sérvia desde 2012.
A princípio, autoridades negaram intervenções na cobertura da estação, mas acabaram voltando atrás depois e admitindo alterações na estrutura.
Os manifestantes acusam o governo de reter documentos essenciais à investigação da tragédia. O governo do presidente Aleksandar Vucic, que já avisou que não pretende renunciar, insiste que todos os papéis relevantes já foram tornados públicos.
O episódio acabou dando vazão a uma insatisfação com o governo mais ampla. Críticos apontam corrupção sistêmica, nepotismo, mau gerenciamento de recursos naturais, fraude eleitoral, controle de mídia e reações incoerentes a outras tragédias fatais envolvendo agentes públicos.
Presidente da Sérvia sob críticas
Aleksandar Vucic foi primeiro-ministro da Sérvia de 2014 a 2017, servindo desde então como presidente, cargo de caráter mais representativo. Ele é considerado um nacionalista, mas tem perseguido uma política externa cautelosamente equilibrada, mantendo relações estreitas tanto com Rússia e China quanto com os Estados Unidos e a União Europeia – bloco que a Sérvia almeja integrar.
Críticos afirmam que Vucic centraliza poder e desmantela instituições.
Membros da oposição já acusaram seu partido, o SNS, de usar recursos públicos para fins políticos. Já a ONG sérvia de monitoramento eleitoral CRTA afirma que o país sofre com uma “falta crônica de pluralismo” em seu cenário político.
Em 2021, a Anistia Internacional criticou o governo de Vucic por violar direitos humanos, restringir a liberdade de expressão e assediar opositores e jornalistas.
Em meio à mobilização dos estudantes e a crescente antipatia pelo governo, houve relatos na mídia de que Belgrado teria reagido orquestrando movimentos para impulsionar sua própria imagem e encenar apoio popular, chegando a pagar por “manifestantes profissionais”.
“Quando um sistema politizado não consegue capturar as instituições, surgem estruturas paralelas. Já temos mídia paralela, ONGs paralelas e, agora, neste contexto, um movimento estudantil paralelo”, afirmou à DW a professora de filosofia Jelena Kleut, da Universidade de Novi Sad.
“Energia negativa”
Nos dias que antecederam o protesto deste sábado, Vucic alertou para o risco de violência nas manifestações e voltou a sugerir que elas seriam obra de serviços de inteligência de países ocidentais. Também ameaçou prender “todos os arruaceiros”: “Temos um Estado e vamos mostrá-lo a vocês”, avisou.
Um dia antes, na sexta-feira, disse que não permitiria “que as ruas determinem as regras”.
Embora o protesto tenha transcorrido sem maiores incidentes, manifestantes especularam sobre o uso de um canhão sônico para amedrontar a multidão. O som, que acompanhou os 15 minutos de silêncio em homenagem às vítimas de Novi Sad, foi descrito por observadores como similar ao de uma bomba ou aeronave caindo, provocando correria. A polícia negou o uso da arma, afirmando que isso contrariaria a lei.
Findo o protesto, Vucic soou mais conciliatório. Descreveu o ato como carregado por uma “energia negativa enorme, raiva e revolta direcionados às autoridades”, mas ponderou que “todos no poder precisam entender a mensagem quando um grupo tão grande de pessoas se reúne”. “Teremos que mudar, e teremos que aprender muito”, declarou a jornalistas.
“Por outro lado, espero que alguns tenham entendido claramente a mensagem da maioria da Sérvia: os cidadãos não querem revoluções coloridas”, afirmou, aludindo às manifestações de oposição que derrubaram governos pró-Rússia nos anos 2000, inclusive na Sérvia. “Os cidadãos não querem violência; querem mudar o governo por meio de eleições.”
Com informações de Darko Janjevic e Sanja Kljajic.
ra (DW, ots)