Igiaba Scego resgata passado ‘velado’ da Itália na Somália

SÃO PAULO, 17 MAR (ANSA) – Por Bruna Galvão – A escritora romana Igiaba Scego, que participará do Clube de Leitura CCBB no próximo dia 19, no Rio de Janeiro, e terá sua obra “Cassandra em Mogadíscio” discutida na abertura do debate literário semanal do Instituto Italiano de Cultura de São Paulo em 20 de março, não é apenas um dos maiores nomes da literatura italiana contemporânea, mas também uma representante da geração de filhos de imigrantes nascidos no país.   

Seus pais fugiram para a Itália após um golpe de Estado na Somália, onde o genitor de Scego atuava como ministro das Relações Exteriores. Nascida em Roma em 1974, ela contou à ANSA que enfrentou o “racismo sistêmico” em sua infância, quando havia poucos imigrantes de origem africana no país, apesar de a Itália ter mantido colônias na África, incluindo a própria Somália, entre 1889 e 1941.   

Segundo a autora, “pouco se falava sobre isso” até pouco tempo atrás, mas essa situação vem mudando. “Hoje muitas pessoas chegam até mim para contar de seus antepassados que se envolveram com a colonização somali”, revela Scego, cujo próprio avô, Omar, foi colaborador do fascismo italiano.   

Este mundo dual que mistura colonizador e colônia, cultura italiana e somali, é a base do trabalho da escritora, que, com um “texto forte e lírico sobre a condição humana de imigrante somali na Europa”, é “herdeira de tantas tradições”, diz uma apresentação feita pelo CCBB do Rio, que foi nomeada pela Unesco como a Capital Mundial do Livro 2025.   

“Se a década de 1990 trouxe os primeiros imigrantes escritores [na Itália], hoje a literatura contemporânea italiana é representada pelos filhos deles, nascidos na Europa”, explica a ítalo-somali.   

Segundo pesquisa da organização Amref Italia publicada em outubro de 2023, a Itália tem hoje uma população estimada em 60 milhões de habitantes, sendo que cerca de 1,2 milhão têm origem africana. De acordo com a lei atual, os filhos de imigrantes nascidos no país só podem requerer a cidadania italiana após completar 18 anos e ter residido continuamente na Itália, tema que é motivo de debate.   

“Falta uma lei para a cidadania que abarque a nova realidade.   

A sociedade mudou e, cedo ou tarde, o governo italiano terá que alterar a lei”, diz a escritora, acrescentando que “é triste dizer isso, mas nenhum partido na Itália, de direita ou de esquerda, fez nada” para reconhecer os filhos de imigrantes nascidos e crescidos no país como italianos.   

Leitora de mulheres italianas como Elena Ferrante e Donatella Di Pietrantonio, além da brasileira Conceição Evaristo, Scego adora Roma, sua cidade natal. Seu lugar preferido na capital italiana é a Estação Termini, por ser o “centro da história” antiga romana.   

Quando questionada sobre os ítalo-brasileiros exaltarem muitos dos hábitos que chegaram ao país durante a grande imigração, entre 1874 e 1920, e não incluírem em seu imaginário os “novos” italianos, como Scego, autora é enfática.   

“Isso é normal, faz parte do ser humano querer preservar seu passado. As pessoas mais velhas da minha família também se referem a coisas na Somália que não existem mais”, ressalta.   

(ANSA).   

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