Qual é o futuro das missões de paz da ONU?

"AConsideradas cruciais em zonas de conflito, forças de paz estão abandonando a República Democrática do Congo, uma das áreas mais afetadas pela violência. O motivo: mortes, impopularidade e restrições orçamentárias.Em 13 de março, líderes do bloco regional da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (CDAA) sinalizaram o fim do seu mandato de manutenção da paz na República Democrática do Congo (RDC, ou RD Congo), após a morte de mais de uma dúzia de soldados da paz pelos rebeldes do M23 em janeiro.

O país vinha contando com a missão da CDAA na RDC, conhecida como SAMIDRC, para neutralizar o grupo rebelde M23 no turbulento leste do país.

A decisão do bloco de retirar sua missão ocorreu um dia após mediadores em Angola definirem uma nova rodada de negociações de paz entre a RD Congo e o grupo rebelde apoiado por Ruanda.

Qual é o futuro da manutenção da paz no Congo?

A SAMIDRC haviam assumido o comando no lugar de uma força da Comunidade da África Oriental (CAO) e da Monusco, a missão das Nações Unidas que estava na RD Congo há mais de duas décadas.

Pouco mais de um ano após sua implantação, os líderes da CDAA anunciaram uma “retirada gradual”. Isso ocorreu após vários incidentes esporádicos envolvendo forças de paz, incluindo a morte de três soldados tanzanianos em uma explosão de morteiro em abril de 2024.

Mas no final de janeiro, dez soldados sul-africanos e três soldados malauianos morreram nas mãos de rebeldes na batalha por Goma, e outras dezenas ficaram feridos à medida que o conflito se intensificava.

“Talvez seja necessário repensar as regras de engajamento em relação às forças de paz”, disse Chimwemwe Tsitsi, especialista em relações internacionais baseado no Maláui.

Segundo Tsitsi, houve uma mudança estratégica das forças de paz no Congo.

“Talvez a mudança na abordagem de não interferência para uma nova […] também possa ser outra razão pela qual as forças de paz têm lutado contra alguns grupos armados ultimamente”, disse ele. “Há uma série de fatores que podem ter causado a dissolução desta missão.”

Comoção pública após assassinato de soldados em missão de paz

As fatalidades da SAMIDRC dominaram as manchetes no Sul da África, gerando ampla oposição por parte da população.

O Maláui foi o primeiro a anunciar a suspensão de sua missão na RD Congo no início de fevereiro. O presidente Lazarus Chakwera instruiu o comandante da Força de Defesa do Maláui a começar a se preparar para a retirada.

A medida foi amplamente bem recebida por malauianos como Antony Manda. “Parabéns ao presidente por tomar essa decisão”, disse ele à DW. “Estamos lutando uma guerra na RDC que não é nossa guerra. Então, esses soldados devem voltar para casa.”

Chiukepo Mwale, outro cidadão do Maláui, concordou, dizendo: “Não há razão para nossos soldados estarem lá.”

Enquanto isso, a África do Sul enviou tropas e equipamentos militares adicionais para à RD Congo, apesar do clamor do público e dos sindicatos em torno da morte de soldados.

Alex Vines, chefe do programa para a África no think tank Chatham House, sediado em Londres, visitou a Guiné-Bissau. Ali, um grande contingente de tropas senegalesas constitui grande parte da Missão da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (Cedeao).

“Há dúvidas aqui em Bissau sobre se a presença da Cedeao tem algum efeito. E a expulsão da recente missão da Cedeao/Unowas aqui, relacionada com as suas investigações sobre o plano estratégico eleitoral, é preocupante”, disse Vines.

Gâmbia, de acordo com Vines, tem sido mais bem-sucedida. Forças de paz do Senegal, Gana e Nigéria têm mantido a missão da Cedeao no país desde 2017.

“Mas acho que arranjos com essa finalidade são promissores — a Força-Tarefa Conjunta Multinacional (MNJTF), por exemplo”, disse ele à DW. Iniciada pela Nigéria em meados da década de 1990, a MNJTF foi incumbida de combater os insurgentes do Boko Haram. Atualmente, ela também é composta por tropas do Benim, Chade, Nigéria e Camarões.

Missões de manutenção da paz em declínio

A Missão da CDAA em Moçambique (Samim) ainda está ativa na volátil província de Cabo Delgado, no norte do país. África do Sul, Maláui, Tanzânia, Botsuana, Angola, Namíbia, Lesoto e Zimbábue têm fornecido tropas, equipamento militar e apoio logístico aos esforços de Moçambique em suprimir uma insurgência de grupos extremistas desde 2021.

A escalada do conflito no leste da RD Congo começou enquanto a Monusco, missão da ONU, estava em andamento.

Na década de 2000, a União Africana adotou um novo rumo na forma de lidar com conflitos na África. Mas o especialista em relações internacionais baseado no Maláui, Chimwemwe Tsitsi, disse que a situação mudou desde então.

“Desde a retirada da missão de paz da ONU no Mali em 2023, temos visto essa tendência em andamento, juntamente com o estabelecimento de missões lideradas por africanos em 2007.”

A saída da missão de longa data da Monusco ocorreu a mando do governo congolês: no final de 2024, o presidente da RD Congo, Felix Tshisekedi, havia pressionado por sua retirada completa.

As tropas africanas têm representado um papel importante na Monusco, com países como Quênia, Gana, Costa do Marfim, Nigéria, Níger, Senegal, África do Sul, enviando tropas, enquanto Chade, Djibuti, Guiné, Madagascar e Togo enviaram policiais.

“Geralmente, tem havido um declínio constante no financiamento para missões de manutenção da paz. Em 2014, por exemplo, a ONU gastou cerca de 6,4 bilhões de dólares (R$ 36,4 bilhões), mas em 2024, isso caiu para cerca de 2,7 bilhões de dólares (R$ 15,3 bilhões)”, disse Tsitsi.

“Acredito que a falta de financiamento e comprometimento dos financiadores tradicionais ocidentais para missões de manutenção da paz […] na RDC também possa ser uma das causas disso, além da indignação pública sobre as mortes das tropas de manutenção da paz envolvidas na RDC.”

Sudão ‘negligenciado’

A implantação da polícia queniana no Haiti é uma exceção, pois as tropas africanas estão mais profundamente envolvidas em missões de manutenção da paz na própria África e muitas fazem parte de missões lideradas pela ONU, a União Africana ou blocos regionais em todo o continente.

A ONU lista os capacetes azuis de Ruanda, Egito, Gana e Etiópia entre os maiores colaboradores regulares de tropas, polícia e especialistas militares para suas missões na África, Oriente Médio e outras partes do mundo. Isso inclui a atual missão da ONU no Sudão do Sul e a Aussom, a missão de paz liderada pela União Africana na Somália, formada por forças de paz de toda a África.

Mas algumas partes do continente devastadas por conflitos são particularmente negligenciadas, alerta Tsitsi. “Acho que o Sudão é de alguma forma negligenciado, especialmente o conflito atual no Sudão […]. Não temos visto nenhuma intervenção das Nações Unidas ou da União Africana.”

No Sudão, a missão de Assistência Integrada à Transição da ONU terminou em 29 de fevereiro.

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