Blefe ou um caminho real para a paz?

As reuniões bilaterais entre os Estados Unidos e a Rússia e entre os Estados Unidos e a Ucrânia têm causado turbulências na geopolítica mundial. As negociações para finalizar o conflito no Leste Europeu acontecem de maneira pouco usual, mantendo os beligerantes separados, enquanto os norte-americanos atuam como mensageiros mediadores. Após o último encontro dos diplomatas de Washington DC com a comitiva ucraniana em Jeddah, Arábia Saudita, um compromisso foi selado de se estabelecer um cessar-fogo por 30 dias, empurrando ao Kremlin a responsabilidade de concretizá-lo ou não. 

A esperada ligação telefônica entre Donald Trump e Vladmir Putin teve duração de 90 minutos e segundo fontes mais próximas à Casa Branca, discutiu uma série de pontos fundamentais para se estabelecer um cessar-fogo duradouro. O presidente norte-americano disse que questões territoriais seriam discutidas, sem mencionar o que isso, de fato, representaria para a Ucrânia. Além disso, o destino de certos ativos de guerra também foi tratado, mas o objetivo prioritário foi o estabelecimento de um cessar-fogo o quanto antes. Apesar da pressão dos Estados Unidos, a resposta do Kremlin foi extremamente estratégica e calculada. O cessar-fogo aceito pelos russos abrange apenas a infraestrutura energética da Ucrânia, poupando as redes de distribuição elétrica de futuros ataques, após três anos de racionamentos e escuridão em muitas regiões.

A resposta de Putin pode soar benevolente, e até garantir certo triunfo da diplomacia de Trump ao endereçar este conflito, todavia, a limitação colocada pelos russos, indica que, militarmente, ainda têm questões a se resolver antes de uma negociação definitiva por paz. A situação no Donbas foi resolvida, do ponto de vista russo, apenas em Luhansk, com controle de 99% do território. Contudo, em Donetsk, ainda cerca de 25-30% da área do oblast, continua sob o controle de Kiev. Em Kherson e Zaporizhia, dois outros oblasts anexados unilateralmente pelos russos, a situação é semelhante, com 25-30% de controle ucraniano, mas com as principais e mais populosas cidades das regiões sob o comando de Zelensky.

A campanha militar russa tem ganhado força em pequenos vilarejos em todas essas regiões, mas longe de conquistar os centros industriais e populacionais de maneira tão rápida. Os negociadores de Moscou já disseram que não aceitarão nenhuma mudança na configuração territorial do que conquistaram, mas sabem que para que esse plano tenha sucesso a coesão territorial de todas as regiões reivindicadas deveria acontecer pela via militar. Provavelmente, os habilidosos negociadores russos, que herdaram a arte de se fazer acordos complexos dos seus precursores soviéticos, estão apenas lutando por mais tempo, por mais alguns quilômetros quadrados, por mais prisioneiros de guerra, enquanto a fadiga se alastra pelas trincheiras e pelas ruas da Ucrânia. Por isso, será necessário ter cautela, será preciso ter certa malícia para conseguir distinguir um blefe de uma real chance para a paz no Leste Europeu.

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