Bebês criam memórias após 1º ano de vida, aponta estudo

“Amnésia infantil” não se deve a incapacidade de codificar experiências, e sim a complexos mecanismos cerebrais que as tornam inacessíveis, sugerem pesquisadores.Por muitos anos, psicólogos acreditaram que bebês eram incapazes de criar memórias duradouras antes do terceiro ou quarto ano de vida. Novas pesquisas, porém, têm colocado essa crença em xeque. A mais recente, divulgada nesta quinta-feira (20/3) na revista Science, indica que a formação de memórias pode acontecer já por volta dos 12 meses de vida.

Porém, continuamos sem saber por que essas memórias são tão difíceis de acessar à medida em que crescemos. Nossos primeiros anos de vida são um período de rápida aprendizagem, mas nós geralmente não temos lembranças específicas desse período – um fenômeno conhecido como amnésia infantil.

“Sempre fui fascinado por essa misteriosa lacuna que temos em nossa história pessoal”, disse Nick Turk-Browne, professor de psicologia de Yale e autor principal do estudo, à agência de notícias AFP.

O mistério da amnésia infantil

Por volta de um ano, os bebês se tornam aprendizes extraordinários: aprender a falar, andar, reconhecer objetos, compreender laços sociais, dentre outras habilidades.

“Mas não nos lembramos de nenhuma dessas experiências. Há uma espécie de descompasso entre essa plasticidade incrível e a capacidade de aprendizado que nós temos”, afirmou Turk-Browne.

Para Sigmund Freud, pai da psicanálise, a explicação para isso estaria na repressão de memórias – a ideia de um processo ativo de supressão, porém, já foi descartada pela ciência. Teorias modernas se concentram no hipocampo, uma parte do cérebro fundamental para a memória episódica e que só se desenvolve totalmente depois da infância.

Bebês que ainda não falam não podem comunicar memórias verbalmente, mas a tendência deles de contemplar por mais tempo o que lhes é familiar ajudou Turk-Browne a direcionar sua pesquisa.

Estudos recentes de monitoramento de atividade cerebral feitos com roedores também demonstraram que os engramas – padrões de células que armazenam memórias – se formam no hipocampo infantil, mas se tornam inacessíveis com o tempo, embora possam ser artificialmente reativados por meio da estimulação de neurônios.

Memórias episódicas a partir de um ano

O estudo de imagens cerebrais de bebês é bem mais desafiador, já que é praticamente impossível mantê-los imóveis dentro de um equipamento de ressonância magnética funcional – aparelho que rastreia o fluxo sanguíneo para “ver” a atividade cerebral.

Para driblar o desafio e mantê-los entretidos, a equipe de Turk-Browne contou com a ajuda de chupetas, cobertores, bichos de pelúcia, travesseiros e padrões psicodélicos projetados no interior do aparelho de ressonância – além, claro, dos próprios pais, que podiam interagir com seus filhos do lado de fora do aparelho.

Imagens borradas tiveram que ser descartadas. Mas, após realizar centenas de sessões com 26 bebês – metade acima de um ano, metade abaixo disso –, os cientistas obtiveram material suficiente para suas análises.

Enquanto passavam pela ressonância, os bebês realizaram um teste de memória adaptado de estudos com adultos: primeiro, a equipe lhes apresentou imagens de rostos, cenas e objetos; alguns segundos mais tarde, após visualizarem outras imagens, os bebês foram apresentados a duas imagens, lado a lado: uma já vista anteriormente e outra nova.

“Quantificamos o tempo que passam olhando o que já tinham visto, e isso é uma medida de sua memória para aquela imagem”, explicou Turk-Browne.

Ao comparar a atividade cerebral durante a formação bem-sucedida de memória com as imagens esquecidas, os cientistas confirmaram que o hipocampo está ativo no processo de codificação de memória desde cedo.

Esse foi o caso de 11 de 13 bebês com mais de um ano, mas não aconteceu com bebês mais jovens.

Aqueles que, ao visualizar uma imagem, tinham maior atividade nessa área do cérebro, prestaram mais atenção nela ao revê-la mais tarde. Mas isso não acontecia quando o hipocampo não estava ativo.

“Concluímos que bebês são capazes de codificar memórias episódicas no hipocampo a partir de cerca de um ano”, afirmou Turk-Browne.

Ele admite, porém, que a verdadeira memória episódica envolve mais do que a preferência por uma imagem familiar. Isso requer capacidade de contextualizar eventos, algo que um bebê pode desenvolver à medida em que começa a se movimentar por conta própria e processar estímulos sensoriais complexos, como linguagem e locais.

“Demostramos que [esses bebês] podem codificar uma imagem, mas a memória episódica é a capacidade de associar múltiplas coisas”, declarou à revista Science.

Lembranças inacessíveis?

O estudo de Turk-Browne só testou memórias de curtíssimo prazo. E ainda não sabemos o que acontece com essas memórias depois. Talvez as lembranças dessa primeira fase da vida nunca sejam totalmente consolidadas em nosso “armazenamento de longo prazo”; ou talvez sejam, mas se tornem inacessíveis – o pesquisador suspeita que esta última opção seja o caso.

Turk-Browne lidera um novo estudo que testa se bebês e crianças são capazes de reconhecer vídeos gravados no passado a partir da perspectiva deles.

Resultados preliminares sugerem que essas memórias podem persistir até por volta dos três anos de vida, dissipando-se em seguida.

Turk-Browne está particularmente intrigado com a possibilidade de que tais fragmentos possam um dia ser reativados em etapas posteriores da vida.

ra (AFP, ots)

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