“Agora eu era o rei, era o bedel e era também juiz”. O verso de Chico Buarque descreve de forma poética as ações que os presidentes do Senado e da Câmara imprimiram desde que assumiram o cargo, no dia 1º de fevereiro. Mesmo em um ano legislativo que custou a começar, com sessões esparsas antes do Carnaval, tanto Davi Alcolumbre (União Brasil – AP), no Senado, quanto Hugo Motta (Republicanos-PB), na Câmara, tiveram que atuar como bedéis em momentos nos quais o desrespeito foi gritante. Detalhe: na maior parte das vezes, as vítimas foram mulheres, deputadas ou ministras.

Alcolumbre e Motta tentaram conter atitudes desrespeitosas de parlamentares, com broncas públicas, em um esforço para mudar o clima hostil às mulheres que rolou solto nos últimos dois anos no Congresso. Os dois tentaram mostrar que não serão tolerantes com a balburdia, no plenário, ou fora dele.

Enforcamento “de brincadeira”

Nesta semana, o presidente do Senado repreendeu publicamente, do alto da Mesa Diretora, o senador Plínio Valério (PSDB-AM) que, em um evento no seu estado, na última sexta-feira, 14, criticou a participação da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, em uma audiência na CPI das ONGs. “Imagine o que é tolerar Marina seis horas e dez minutos sem enforcá-la”, disse o senador. Depois de receber cobranças de parlamentares para se posicionar em relação ao caso, Alcolumbre condenou a fala, classificando-a como inadequada e agressiva, mesmo que tenha sido feita “de brincadeira”.

Ele ainda clamou para que o amazonense pedisse desculpas à ministra. “Não concordo com muitas posições ideológicas da ministra em relação ao país, mas acho que o meu querido colega, senador Plínio Valério, precisa fazer uma referência em relação a essa fala, até mesmo justificar se foi uma fala equivocada”, disse Alcolumbre. “Estamos vivendo um momento tão difícil que uma fala de um senador da República, mesmo de brincadeira, agride, infelizmente, o que nós estamos querendo para o Brasil”.

A reprimenda de bedel, nesse caso, não foi assimilada por Valério, que reclamou da atitude do presidente do Senado e disse não se arrepender da “brincadeira”. O senador ainda tentou se refugiar na sua composição familiar para se defender das acusações de machismo, como se valesse o fato de ele ser “viúvo, casado pela segunda vez com outra mulher, ter três filhas, uma enteada, seis netas e três irmãs”. Ou seja, nada entendeu.

Ética

Valério passou pela reprimenda de Alcolumbre, mas poderá ter que responder ao Conselho de Ética do Senado. Na quinta, 10 deputados entraram com uma representação no Colegiado para que o senador seja investigado por quebra de decoro parlamentar. Benedita da Silva (PT-RJ), Duda Salabert (PDT-MG), Enfermeira Ana Paula (Podemos- CE), Gisela Simona (União Brasil -MT), Jandira Feghali (PCdoB – RJ), Laura Carneiro (PSD-RJ), Maria Arraes (Solidariedade – PE), Tabata Amaral (PSB-SP), Talíria Petroni (Psol – RJ) e Túlio Gadêlha (Rede-PE).

Alcolumbre também pediu providências do Conselho de Ética da Câmara contra o deputado Gustavo Gayer (PL-GO), que se aproveitou da fala machista de Lula, exaltando a beleza da ministra de Relações Institucionais (SRI), Gleisi Hoffmann (PT-PR), para insinuar que ela faria um “trisal” com o namorado, o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (PT-RJ), e com o presidente do Senado.

Ao contrário de Valério, Gayer, no dia seguinte à repercussão de sua postagem, recuou, apagou a mensagem e enviou o pedido de desculpas à ministra. Mas o estrago já estava feito. Gleisi acionou o STF (Supremo Tribunal Federal) contra o deputado, pedindo a condenação do parlamentar e R$ 30 mil por danos morais.

Vaias e jogral no “jardim de infância”

Motta também teve seu momento bedel na Câmara para conter o desrespeito durante uma sessão, que estava sendo presidida, a pedido dele, pela deputada Delegada Katarina (PSD-SE), terceira secretária da Mesa Diretora. Na sessão, deputados do governo e da oposição fizeram uma guerra de jogral, subindo em grupos nas tribunas da Câmara, munidos de cartazes. Enquanto um grupo falava, o outro vaiava e gritava palavras ofensivas.

A confusão foi tanta que a deputada precisou suspender a sessão e outras parlamentares que estavam no plenário, tanto da direita quanto da esquerda, subiram para o alto da Mesa Diretora e passaram a exigir respeito com a presidente da sessão. Foi aí que Motta saiu de seu gabinete, furioso, e passou a bronca geral: “Aqui não é o jardim da infância, nem muito menos um lugar para espetacularização que denigra (sic) a imagem desta Casa. Eu não aceito este tipo de comportamento”.

E o uniforme?

Para se impor diante do plenário, Motta disse que não é um “presidente frouxo”. Na mesma bronca, reforçou os pedidos por respeito, mas como também estamos falando de machismo, esse preconceito arraigado na sociedade, o presidente da Câmara teve seus escorregões. O deputado aproveitou o momento para cobrar a vestimenta adequada para as sessões do Congresso, ou seja, terno e gravata. “Já estou avisando a partir de agora que essa será uma máxima. O parlamentar que estiver fora daquilo que o regimento rege, não permitiremos que permaneça em plenário”. Nada mais parecido com a atitude de um bedel que pede uniformes impecáveis.

O tapa do rei na mesa

Como na letra de Chico, Motta também teve seus lances de rei e, de acordo com relatos feitos por parlamentares, ele se irritou com a insistência da bancada feminina para que ele colocasse na pauta a urgência para propostas de interesses das mulheres durante o mês de março, que é representativo na luta feminina. O presidente da Câmara teria inclusive batido na mesa, ao negar o pleito, em uma fala considerada grosseira que fez a deputada Talíria Petrone (PSOL-RJ), líder da federação PSOL-Rede, chorar na reunião.

Alguns parlamentares chegaram a sugerir a Motta um pedido de desculpas à deputada do Psol. Procurada pelo PlatôBR, a assessoria do deputado não comentou o assunto.

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