Cristãos na Síria: entre o recomeço e a insegurança

"SíriosApós a queda de Bashar al-Assad, iniciou-se um período de incertezas para as minorias sírias. Agora, alguns cristãos também pedem uma reavaliação crítica do papel dos seus líderes religiosos durante a ditadura de Assad.O recente massacre de civis alauítas na costa da Síria levantou temores também entre outras minorias religiosas do país. Em 6 de março, antigos partidários da ditadura de Bashar al-Assad atacaram as forças de segurança do novo regime. A reação foi dura: provocando centenas de mortes entre civis alauítas, a minoria religiosa ligada à família Assad.

Cristãos não estavam entre os alvos, mas informações falsas e a postura do novo governo têm alimentando temores entre essa comunidade.

Antes da guerra civil estourar, em 2011, os cristãos sírios representavam cerca de 10% da população. Não se sabe ao certo quantos deles ainda vivem no país, já que estão distribuídos em um total de onze diferentes congregações, sendo as igrejas Ortodoxa Grega e Greco-Católica Melquita – ligada ao Vaticano – as mais numerosas. Há ainda uma modesta Igreja Protestante, que, antes de 2011, tinha cerca de 300.000 membros.

Desde a derrubada de Assad em 8 de dezembro de 2024 pelo grupo islâmico Hayat Tahrir al-Sham (HTS, Organização para a Libertação do Levante), muitos cristãos estariam com “medo da islamização”, afirma Assaad Elias Kattan, teólogo libanês de origem sírio-ortodoxa que leciona na Universidade de Münster, na Alemanha.

Segundo ele, o novo líder do país, Ahmed al-Sharaa, enviou sinais positivos de que deseja respeitar a diversidade do país, mas, ao mesmo tempo, há “certa indefinição no programa político”.

Papel duvidoso de líderes religiosos

Kattan diz que a Síria está “lidando com uma situação caótica de transição. A segurança fora de Damasco é instável por todos os lados e levará algum tempo até que a polícia e o exército possam garantir a ordem pública novamente”.

Em meio a isso, foram registrados incidentes isolados. Vídeos mostram um homem armado destruindo uma árvore de Natal em Aleppo. Mais tarde, um grupo armado atacou a arquidiocese da Igreja Ortodoxa Grega em Hama, danificando uma cruz e atirando no prédio. O HTS condenou os atos e colocou a responsabilidade em “desconhecidos” que prejudicam a promessa de tolerância.

Em meio a essa situação delicada, cristãos sírios no país e no exílio questionam a atitude dos líderes de sua igreja durante o regime de Assad. Quando os protestos contra a ditadura eclodiram na primavera de 2011, eles se juntaram a seus compatriotas muçulmanos em manifestações pelos direitos civis, sendo igualmente representados entre as vítimas e os prisioneiros nas salas de tortura.

A maioria dos líderes religiosos, no entanto, ficou do lado do regime. Os chefes de todas as igrejas cristãs apoiaram a narrativa de Assad, que encenou ser protetor da minoria, além de divulgarem essa propaganda no Ocidente.

Bombardeios em Aleppo, ataques com gás venenoso, a fome de bairros inteiros e dezenas de milhares torturados. Em relação a isso, as críticas desses líderes inexistem. Assad é uma “vítima de difamação direcionada”, afirmou o patriarca Gregory Laham, em 2015, ao jornal alemão Frankfurter Allgemeine. Ele era o mais alto eclesiástico da Igreja Greco-Melquita até sua aposentadoria em 2017.

Raiva e decepção

Kattan afirma que “do ponto de vista atual, isso é mais do que lamentável”. E questiona, em um artigo para o jornal online libanês Almodon: “quando os líderes da igreja realmente vão se desculpar ao povo sírio por suas atitudes? Agora é tarefa deles reavaliar criticamente esse período, admitindo publicamente que ‘sim, cometemos erros'”.

Segundo Kattan, ninguém esperava uma oposição ferrenha dos bispos, mas pelo menos uma maior distância de um regime repressivo.

Muitos cristãos sírios no país e no exílio estão profundamente decepcionados e irritados com a atitude dos líderes de suas igrejas, diz Najib George Awad, um teólogo protestante da Síria que atualmente leciona na Universidade de Bonn, na Alemanha.

“As pessoas da igreja se permitiram ser usadas como uma ferramenta de relações públicas pelo regime de Assad e o ajudaram a construir uma imagem positiva para o público internacional”, diz Awad, que apoiou as manifestações pelos direitos civis desde o início.

Dentro dos muros da igreja, os cristãos gozavam de liberdade religiosa, mas, assim que se manifestavam contra o ditador, eram perseguidos como todos os outros sírios. De acordo com ativistas oposicionistas, milhares de cristãos, em sua maioria jovens, também lotaram as prisões depois de 2011 por terem se manifestado ou distribuído panfletos criticando o regime. Eles acusam os líderes religiosos de abandoná-los.

“Havia também ativistas da oposição inseridos entre os sacerdotes”, diz Hind Kabawat, a única integrante cristã de uma comissão que prepara a conferência para a transição de poder na Síria.

“Mas também havia outros. Houve padres que denunciaram ativistas cristãos ao serviço secreto e são responsáveis por muitas mortes”, afirma, concluindo que eles devem ser responsabilizados, assim como todos os outros sírios acusados de crimes cometidos durante a ditadura de Assad.

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