CNseg vai contra política ambiental do governo e tenta barrar mercado de carbono

Celebrada por ambientalistas, políticos e empresários, a promulgação da Lei nº 15.042/2024, que regulamenta o mercado de carbono no Brasil, é um marco importante para o país. A medida que estabelece o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE) resulta de anos de debate e é vista como uma vitória da política ambiental do governo, promovendo conciliação entre preservação ambiental, crescimento econômico e desenvolvimento social, além da valorização dos ativos ambientais brasileiros e a recuperação de biomas.

Porém, às vésperas da COP30, momento em que o Brasil será protagonista no debate climático global, esses avanços estão ameaçados pela Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) protocolada na semana passada pela Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg), presidida por Dyogo Oliveira. Ao se opor à exigência de investimento estimados em R$ 9 bilhões anuais, a CNseg coloca em risco a própria eficácia da Lei e dificulta a valorização dos ativos ambientais nacionais, com base em argumentos questionados pelo mercado em sua ação, como a ausência de crédito de carbono no mercado para cumprimento das obrigações propostas na lei.

A ação judicial questiona a constitucionalidade da obrigatoriedade de alocação de reservas técnicas em créditos de carbono, levantando discussões sobre a autonomia das seguradoras na gestão de seus recursos e a validade da legislação que impõe tal obrigação. “O artigo tem vícios de inconstitucionalidade formal e material”, afirmou a CNseg em nota. Além do questionamento jurídico, a entidade argumenta que não há ativos desse gênero no Brasil em quantidade suficiente para a destinação desse volume de recursos.

Ao contrário do exposto pela CNseg, os dados mostram que o Brasil já dispõe de um volume mais que suficiente e diversificado de créditos para atendimento da demanda criada. Atualmente, conforme estimativa das principais certificadoras, estão consolidados projetos de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD++) que gerarão aproximadamente 900 milhões de créditos entre 2025 e 2030. Considerando um preço médio de 15 dólares — valor muito aquém do praticado atualmente no mercado global –, o conjunto de ativos já disponíveis movimentam perto de R$ 100 bilhões.

Fora os projetos RED++, estima-se que os créditos jurisdicionais dos sete estados da Amazônia legal ultrapassem 200 milhões de toneladas / ano. No caso do carbono estocado, o volume representa mais de 150 milhões de toneladas ano, conforme indicam estudos da Unesp. Além disso, modalidades emergentes (reflorestamento, manejo florestal sustentável, agrofloresta, agricultura sustentável e carbono azul) complementam ainda mais essa oferta, com um acréscimo de mais 100 milhões de toneladas, evidenciando que já existe liquidez suficiente no atual estágio do mercado.

O argumento da CNseg confronta não apenas a visão estratégica do Brasil em relação aos ativos ambientais, como o próprio interesse das empresas de seguros em relação aos objetivos climáticos globais, uma vez que o setor é diretamente afetado pela ausência de políticas objetivas e concretas de preservação ambiental. A comercialização de carbono como instrumento para mitigar os efeitos do aquecimento global já é uma realidade no mundo. Somente na Europa (EU ETS) as transações no mercado de carbono chegaram a €881 bilhões em 2023, com crescimento de mais de 500% em relação ao ano anterior.

Investir no meio ambiente se tornou uma necessidade para as seguradoras. Os desastres climáticos geram enormes prejuízos às empresas do setor, com pagamento de indenizações crescentes geradas por tragédias ambientais. Esses eventos apresentam crescimento expressivo no Brasil, de 250% entre 2020 e 2023 em comparação à década de 1990, segundo um estudo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Apenas as enchentes recentes no Rio Grande do Sul, em 2024, geraram prejuízos estimados em R$ 88,9 bilhões, e pelo menos R$ 6,1 bilhões de indenização pagas pelas seguradoras. Portanto, o investimento proposto pela lei representa uma medida preventiva fundamental para amenizar e planejar a redução dos riscos ambientas e novos desastres, estimulando a preservação, renovação e restauração das florestas brasileiras.

A combinação de disponibilidade robusta de créditos, a necessidade urgente de ação preventiva diante de desastres climáticos e a relevância estratégica dos investimentos previstos torna a regulação do mercado brasileiro uma das mais promissoras do mundo. A ADIN apresentada pela CNseg ignora essas evidências e subestima o potencial do arcabouço regulatório já estabelecido. O investimento de 0,5% (aproximadamente 9 bilhões) das reservas técnicas das seguradoras que hoje somam R$ 1,9 trilhão, é ínfimo perto do resultado a ser apurado pelas próprias mitigações dos riscos ambientais.

Na prática, a medida não traz impacto econômico para as seguradoras, uma vez que 99,5% dos recursos continuam sendo alocados em outros ativos do mercado financeiro, e oferece risco à segurança de pagamentos sinistros dos segurados. O próprio Conselho Monetário Nacional já havia estimulado na Resolução Nº 4.993 de 2022, artigo 12, as empresas a investir até 25% das suas reservas técnicas em créditos de carbono, porém nenhum investimento no mercado verde foi feito pelo setor até agora.

O aumento de liquidez e valorização dos créditos de carbono tem sido constante ao longo da história do mercado regulado. Além de contribuir diretamente para a preservação ambiental e as políticas de transição energética do Governo Federal, os investidores a médio e longo prazo irão receber de volta o investimento pela redução de eventos climáticos e desastres ambientais, fora a valorização direta dos créditos de carbono, como se viu acontecer em todo o mundo após a regulamentação da matéria.

Caberá à CNseg explicar à Justiça os possíveis prejuízos da nova legislação aos interesses do governo e do mercado verde, no momento em que o setor de seguros é cobrado por mais protagonismo em ações de sustentabilidade para mitigar os efeitos dos desastres climáticos no Brasil e no mundo.

Procurados, os representantes da CNseg não responderam até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto para manifestações.

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