Alto consumo de ultraprocessados por menores de 5 anos preocupa especialistas

O consumo excessivo de ultraprocessados por crianças em idade pré-escolar tem sido uma preocupação crescente entre especialistas em saúde pública. Cada vez mais, os pequenos estão substituindo refeições nutritivas por produtos industrializados abarrotados de açúcar, sal, gordura e aditivos químicos. São exemplos refrigerantes, biscoitos recheados e macarrão instantâneo.   

Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de Toronto, no Canadá, constatou que quase metade (45%) das calorias diárias ingeridas por crianças de 3 a 5 anos naquele país vêm de alimentos ultraprocessados. Os autores analisaram dados de frequência alimentar de 2.217 crianças em idade pré-escolar que integram o CHILD Cohort Study, um dos maiores estudos canadenses, que coleta informações de famílias desde a gravidez e em estágios importantes do desenvolvimento para monitorar o impacto de fatores genéticos e ambientais na saúde das crianças a longo prazo. 

A dieta dos pequenos foi avaliada quando eles tinham 3 anos e as medidas antropométricas foram medidas quando estavam com 5 anos. Os resultados apontaram que a maior ingestão de ultraprocessados foi associada a um maior índice de massa corporal (IMC), além de taxas piores em relação cintura-altura, espessura da prega cutânea e maior probabilidade de viver com sobrepeso ou obesidade, especialmente os meninos.  

As conclusões foram publicadas em janeiro no periódico Jama e alertam para o impacto da alimentação na primeira infância, período que vai do nascimento aos 6 anos de idade. Essa fase é uma janela crítica de desenvolvimento, porque as preferências e hábitos alimentares estabelecidos nesse período costumam ser levados para a vida toda. 

Brasil enfrenta mesmo problema 

Em 2019, 80% das crianças brasileiras de até 5 anos já consumiam biscoitos, farinhas instantâneas, refrigerantes e bebidas açucaradas, dentre outros produtos nocivos à saúde. É o que revela o Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (Enani), encomendado pelo Ministério da Saúde e divulgado no ano passado.  

A prática é comum, inclusive, entre bebês menores de 2 anos. Segundo a pesquisa, 30% das calorias diárias das crianças brasileiras entre 3 e 5 anos vêm desse tipo de produto alimentício. 

O Enani é a primeira pesquisa com representatividade nacional a avaliar simultaneamente em crianças menores de 5 anos práticas de aleitamento materno, alimentação complementar e consumo alimentar individual. Os pesquisadores fizeram visitas domiciliares em 123 municípios brasileiros entre fevereiro de 2019 e março de 2020, totalizando 14.558. A etapa 2024 está na fase de coleta de dados. 

“Os dados do estudo canadense e do Enani revelam uma tendência preocupante. O consumo de ultraprocessados está se tornando uma parte substancial da dieta infantil, em um período crucial para o desenvolvimento físico e cognitivo dessas crianças”, comenta o pediatra Linus Pauling Fascina, gerente médico do Hospital Municipal Gilson de Cássia Marques de Carvalho, em São Paulo, unidade pública gerida pelo Einstein.  

A alimentação inadequada na infância tem consequências diretas e de longo prazo para a saúde, entre elas, o aumento do risco de obesidade infantil e doenças metabólicas. “Estudos demonstram que o alto teor de açúcares e gorduras saturadas compromete o metabolismo e favorece o acúmulo de gordura, resistência à insulina e dislipidemias”, alerta Fascina. 

Outro problema é o déficit nutricional, já que muitos desses produtos são pobres em fibras, vitaminas e minerais essenciais. Seu consumo frequente pode levar à deficiência de ferro, cálcio e zinco, impactando o crescimento, a imunidade e a formação óssea. 

Além disso, a nutrição na primeira infância tem papel fundamental no desenvolvimento cerebral, e o excesso de ultraprocessados pode comprometer esse processo, com piora na memória, atenção e aprendizagem.  

Sem falar nos impactos no futuro. “Crianças acostumadas a consumir ultraprocessados tendem a manter esse padrão alimentar ao longo da vida, aumentando o risco de doenças crônicas como diabetes tipo 2, hipertensão e doenças cardiovasculares”, adverte o pediatra. “A introdução de hábitos saudáveis na infância é um fator de proteção essencial para a saúde.” 

O que explica o alto consumo? 

De acordo com a nutricionista Sandra Crispim, professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e pesquisadora do Enani, a explicação para o alto consumo de ultraprocessados entre crianças pequenas envolve vários fatores. O primeiro deles é a praticidade que muitos oferecerem. “São produtos fáceis de armazenar, transportar, preparar, e alguns inclusive já vêm prontos para o consumo. Isso os torna uma opção rápida para refeições e lanches, especialmente para famílias com rotinas corridas”, analisa.  

O custo desses alimentos também pesa na escolha. Muitas vezes, os ultraprocessados são mais baratos do que alimentos in natura ou minimamente processados, tornando-se uma opção acessível para famílias de baixa renda. Outro ponto é a palatabilidade. “Produtos ultraprocessados costumam ter altos teores de açúcar, sal e gordura, ingredientes que aumentam o sabor e a aceitação pelas crianças e que podem ter suas preferências futuras de consumo influenciadas por essa exposição na infância”, observa Crispim. 

Há ainda a publicidade, já que crianças e seus familiares são constantemente expostos a anúncios atrativos de ultraprocessados. Ao mesmo tempo, esses produtos estão amplamente disponíveis em supermercados, o que facilita seu consumo. “Muitas vezes, eles são posicionados estrategicamente na entrada dos estabelecimentos ou nos lugares mais fáceis para o alcance de crianças e adultos”, pontua a docente da UFPR. 

Educação e prevenção 

De acordo com Fascina, pais, cuidadores e professores devem ser orientados sobre alimentação saudável, ajudando as crianças a desenvolverem uma relação positiva com ingredientes naturais. 

“Preparar refeições em casa com ingredientes minimamente processados, por exemplo, é uma forma eficaz de reduzir o consumo de ultraprocessados. Receitas simples, como lanches naturais e frutas frescas, devem ser incentivadas e incluídas na rotina familiar sempre que possível”, orienta o pediatra. 

Outra forma de prevenir o consumo excessivo de ultraprocessados seria melhorar a alimentação no ambiente escolar. “As escolas desempenham um papel fundamental na formação dos hábitos alimentares. Políticas que proíbam a venda de ultraprocessados nas cantinas e promovam refeições equilibradas podem ter um impacto positivo na nutrição infantil”, sugere Fascina. 

Sandra Crispim ressalta a importância de educar e promover uma alimentação saudável desde a infância, incluindo o período de gestação, para construir uma base sólida de hábitos saudáveis. E essa não deve ser uma responsabilidade apenas dos familiares ou cuidadores de uma criança. “O Estado e a sociedade têm um papel fundamental na promoção de ambientes alimentares saudáveis”, afirma a pesquisadora.  

Ela destaca o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), iniciativa que tem como foco garantir alimentação saudável a estudantes matriculados em todas as etapas e modalidades da educação básica pública. No último mês de fevereiro, o governo federal anunciou uma redução do percentual de ultraprocessados permitidos na merenda escolar das escolas públicas: em 2025, passará de 20% para 15%; no ano que vem, a ideia é reduzir para 10%. A resolução ainda regulamenta a aquisição de itens alimentícios da agricultura familiar por meio de recursos do PNAE. 

Fonte: Agência Einstein 

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