PlatôBR: Com Gabriel Galípolo, um novo estilo de independência no Banco Central

Completando três meses oficialmente no comando do Banco Central, Gabriel Galípolo inaugurou um novo estilo de independência na direção da instituição. A proximidade com o presidente Lula garante um trânsito no Palácio do Planalto que poucos na sua função tiveram na história econômica recente. Ele também circula com desenvoltura no meio político, empresarial e artístico, de jantares a simples conversas, e desmistifica temas econômicos relacionados à autoridade monetária que tradicionalmente assumiam ares de segredo e exclusividade do mercado financeiro, como as decisões do Copom, o comitê que define o rumo dos juros no país. E nada disso, garante, interfere na autonomia da instituição ou cria ruído para seu trabalho.

Destoar do padrão de quem já ocupou uma cadeira oficial envolta em formalidades e transbordar da economia para a política talvez tenha um preço a ser pago: a dificuldade de coordenar as expectativas do mercado financeiro, que ainda avalia ser cedo para atestar se o atual BC é livre de influências políticas. Isso, mesmo após o choque de juros e a sinalização de que o ciclo de alta ainda não terminou, diante da inflação persistentemente alta.

Com uma postura aparentemente tranquila e segura, Galípolo costuma responder de bate-pronto sobre qualquer tema, mesmo que precise contradizer declarações de outras autoridades como os ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais) e o líder do PT na Câmara, deputado Lindberg Farias (RJ). Em momentos diferentes, eles atribuíram ao ex-presidente do BC Roberto Campos Neto o ciclo de alta de juros, sugerindo que a atual diretoria estivesse refém da decisão anterior.

Questionado na última semana, Galípolo reafirmou o que já havia dito semanas antes de assumir o comando do BC: não só foi parte da decisão, como teve protagonismo na definição do ciclo de três altas de um ponto percentual, encerrado semana passada. Analistas, economistas, entre eles ex-presidentes do BC, investidores e até empresários ouvidos pelo PlatôBR foram unânimes em dizer que a autoridade monetária agiu certo até aqui. Mas a desconfiança segue, como apontou pesquisa do Instituto Quaest feita com o mercado financeiro onde 58% afirmaram que ainda é cedo para garantir que as decisões do BC são 100% técnicas e, não, políticas. O próprio BC mostra preocupação nos documentos oficiais com a dificuldade de ancorar as expectativas de inflação. Até porque a crença de que os preços vão subir no futuro faz com que eles aumentem no presente.

Ainda assim, Galípolo parece seguir confortável e passar o recado de que, na economia, é mais importante analisar as atitudes coletivas do Banco Central do que os movimentos pessoais dele. Recentemente, o jornal Folha de S. Paulo noticiou que, desde que assumiu o cargo no início do ano, o presidente do BC participou de, pelo menos, dois jantares com personalidades do meio político e cultural. Em um deles, Galípolo teria sido o anfitrião, recebendo em sua casa os presidentes do STF, Luís Roberto Barroso, da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP)) além de outros parlamentares, técnicos do governo e artistas. O outro, segundo o jornal, teria sido oferecido pelo advogado Rodrigo Rocha Monteiro de Castro com a presença de colegas de profissão dele, além de artistas plásticos e médicos.

“Eu janto, é verdade. E nem sempre eu janto sozinho”, respondeu o presidente do BC ao ser questionado pelo PlatôBR sobre os dois eventos e se isso não poderia criar ruídos para o trabalho dele à frente do BC, como aconteceu com o antecessor Roberto Campos Neto. O ex-presidente do banco se tornou desafeto pessoal do presidente Lula desde o início da gestão petista e foi alvo de críticas públicas. Boa parte da insatisfação e desconfiança do novo governo veio da proximidade de Campos Neto com o meio político, da participação em grupos de WhatsApp e jantares com ministros e aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro, além do fato dele ter ido votar com camisa da seleção brasileira, símbolo do bolsonarismo nas últimas eleições.

Com o mandato fixo, o presidente do BC poderá sempre se alongar por mais um período na presidência da República. Caso o presidente Lula não seja reeleito em 2026 e alguém da oposição, por exemplo, assuma seu lugar, terá que governar com os diretores do BC empossados na gestão anterior.

“Forma física”
“Espero que nesses quatro anos eu possa continuar jantando com mais gente”, completou Galípolo ao comentar os eventos que participou este ano. Ele ressaltou ainda que não acredita que isso possa causar qualquer ruído ou atrapalhar seu trabalho no comando do BC e que a maior parte dos jantares descritos foi com artistas. E ironiza: “eu também acho que, talvez, seja melhor eu jantar menos, mas por uma questão de forma física”.

Mas ele e a diretoria reconhecem que ancorar as expectativas do mercado “é um desafio mesmo” e Galípolo diz que ao BC cabe reagir e, não, explicar o porquê da dificuldade em convencer o mercado que ele e seus colegas de diretoria estão comprometidos em levar a inflação para o centro da meta de 3% ao ano.

A dúvida do mercado vem da avaliação de que o BC está sozinho nessa luta para desinflacionar a economia, já que os movimentos do governo são de estimular o consumo e a economia, quando a autoridade monetária rema no sentido contrário. Além disso, há a crença de que não existe espaço nem vontade política para avançar em medidas de contração de gastos públicos e reforçar o ajuste fiscal. Pontos que o próprio BC destaca como sinais de alerta quando avalia o comportamento da inflação. Com isso, o mercado tenta identificar se o BC vai aceitar um pouco mais de inflação e mirar 4,5%, o teto da meta, em vez do centro.

O receio vem, em parte, da experiência do passado recente, quando a gestão de Alexandre Tombini no comando do BC, durante a presidência de Dilma Rousseff, teria sido tolerante com a inflação tentando compatibilizar economia e política. Agora, é necessário esperar para saber a melhor forma física de Galípolo para enfrentar o desafio de desinflacionar e desacelerar a economia remando numa direção nem sempre coincidente com a de 39 ministérios e do Palácio do Planalto.

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