Rudolf Steiner, pai da antroposofia e figura controversa

"MuralEm 30 de março de 1925, morria austríaco fundador da Pedagogia Waldorf e de um movimento que também marcou a agricultura orgânica. Mas a complexa filosofia de Steiner inclui elementos hoje considerados racistas.Indagado sobre o que associa ao nome Rudolf Steiner (1861-1925), um alemão médio vai apresentar uma lista, indo desde a marca de cosméticos naturais Weleda até a escola alternativa local, passando pelos alimentos orgânicos Demeter. O nome pelo menos dirá alguma coisa. Já alguém de outra nacionalidade, provavelmente só vai coçar a cabeça.

Mesmo que a figura do próprio Steiner não seja tão difundida, suas ideias tiveram, sem dúvida, impacto global, em especial no campo da educação. A primeira Escola Waldorf foi inaugurada em 1919, perto de Stuttgart, e hoje existem 3.205 jardins de infância e escolas antroposóficas em 75 países, do México à Tanzânia e a China.

Portanto, no centenário de sua morte, vale a pena saber mais sobre essa personagem, entre educador e empreendedor, entre pensador revolucionário e prisioneiro dos preconceitos de sua época.

Ladrão intelectual

Rudolf Steiner nasceu em 25 de fevereiro de 1861, em Kraljevec, então Império Austríaco, hoje na Croácia. Desde a infância afirmava ter visões clarividentes, por exemplo visitas de parentes mortos. Essas experiências influenciariam significativamente sua filosofia futura, baseada num mundo espiritual invisível, porém acessível.

Como estudante de 20 e poucos anos, ele teve oportunidade de editar os escritos científicos de Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832), e se identificou com a concepção espiritual de natureza do cultuado polímata.

Ele também foi um dos primeiros admiradores do filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900), atraído por suas ideias de livre-arbítrio e humanidade essencial. Paralelamente, ligou-se e ganhou projeção dentro da teosofia, um movimento esotérico e ocultista do fim do século 19, envolvendo evolução panteísta e reincarnação.

Segundo Gary Lachman, autor de uma popular biografia de Steiner, ele costumava ser descrito como uma “pega intelectual” – referência à ave notória por sua curiosidade e por “roubar” objetos brilhantes –, pois “recolhe coisas de vários outros lugares e as reúne em seu próprio ninho, numa forma inédita”.

Steiner denominou essa forma “antroposofia” – do grego anthropos (ser humano) e sophia (sabedoria). A ideia central é que existe um mundo espiritual, perceptível através de uma consciência expandida e do pensamento independente. Em sua evolução, a humanidade teria se afastado desse mundo, mas seria capaz de reaprender a acessá-lo, proporcionando bem-estar e progresso individual e universal.

Antroposofia ganha mundo

Apesar de seus elementos mais excêntricos – tais como a crença nos continentes perdidos da Atlântida; a confluência da personagem bíblica de Lúcifer com o Ahriman do zoroastrismo; ou a incorporação do carma e da reincarnação no quadro conceitual do cristianismo –, a antroposofia de Steiner provou-se atraente, num momento em que a religião tradicional estava em declínio, e a emergente compreensão científica do mundo ameaçava negar qualquer sentido transcendente à vida.

“Acho que ele proporcionou um senso de significado, de propósito. A gente pode ficar achando a coisa toda meio maluca […]. Mas, ponhamos isso de lado, e ele está basicamente tentando despertar e reconhecer os seres humanos e sua natureza total, seu idealismo”, justifica Lachman.

Muitos acorreram ao novo movimento, e Rudolf Steiner – segundo consta, dotado de carisma contagiante – tornou-se extremamente popular: “Havia engarrafamentos em Berlim, filas na frente dos auditórios onde ele estivesse dando suas palestras”, conta o biógrafo.

Ao longo dos anos, ele e seus adeptos aplicaram os conceitos antroposóficos à arquitetura, dança, medicina (na forma de práticas alternativas), teoria política, finanças, agricultura (com o cultivo biodinâmico como uma forma de precursora da agricultura orgânica, mas envolvendo uma abordagem mística).

A influência foi especialmente forte na educação, seja na forma das escolas Waldorf – que priorizam antes um currículo criativo não tradicional, à frente do ensino de gramática e matemática – seja nas comunidades Camphill, de apoio a portadores de deficiências e de necessidades especiais.

Progressista ou antissemita e racista – ou ambos?

Em diversos aspectos, Steiner era bastante progressista: “Suas ideias sobre educação eram bem diferentes das noções gerais da época, e sem dúvida das na Alemanha, pois ele promovia o desenvolvimento da imaginação já nas crianças pequenas”, confirma Lachman. Também “o cultivo biodinâmico estava bem à frente de nossas preocupações concretas com a agricultura orgânica”.

Por outro lado, ele era também um homem de seu tempo. Assim, defendeu posições que, embora comuns à época, hoje são consideradas antissemíticas e racistas – além de aparentemente contradizerem sua noção do valor universal de cada indivíduo, apesar de diferenças como etnicidade ou capacidade.

Contudo, tampouco nesse aspecto Steiner era um pensador linear. Por exemplo: embora condenasse o antissemitismo popular, ele considerava o judaísmo “um erro da história mundial” e esperava dos judeus que se assimilassem até o ponto de deixarem de ser judeus.

Apesar de rejeitar a “ciência racial” e a eugenia, também preconizava a teoria das “raças-raiz”, segundo a qual um povo mais desenvolvido é o protagonista de cada era, conduzindo a humanidade para cada vez mais perto de seu futuro universalista. Segundo Steiner, em sua época esse grupo predestinado seriam os falantes da língua alemã.

O historiador Peter Staudenmaier, que se ocupou da relação de Steiner com o antissemitismo e o racismo, rejeita uma categorização fixa, devido à complexidade e natureza evolutiva das ideias do antroposofista: “Não é que ele fosse apenas um antissemita. Ele tinha concepções antissemitas e pró-semitas, por vezes ao mesmo tempo.” Suas ideias sobre raça eram igualmente complexas.

No esquema evolucionista de Steiner, o momento de desenvolvimento dos judeus transcorrera 2 mil anos atrás, portanto não havia mais razão para eles continuarem existindo. “Steiner era sincero a respeito disso, do seu ponto de vista: não havia malícia ou má intenção envolvida”, defende o historiador. “Ele estava tentando fazer esses pronunciamentos espirituais na qualidade de professor esotérico, como alguém que desejava o bem de todos. E, na mente dele, tudo se encaixava numa mensagem universal.”

Antroposofia sob o nazismo e mais além

Devido à complexidade dessas ideias, para os nazistas a antroposofia era ao mesmo tempo atraente e uma ameaça. Ao contrário de outros movimentos esotéricos, que não sobreviveram a seu líder, ela manteve-se forte após a morte de Steiner – tanto por seu enorme carisma, que inspirou um número considerável de adeptos dedicados, quanto graças às implementações práticas da antroposofia.

Tais aplicações, sobretudo na agricultura biodinâmica, eram o que certos oficiais nazistas defendiam. Por outro lado, a ideia de uma missão evolutiva germanocêntrica também era atraente para alguns.

Outros, contudo, consideravam a antroposofia um movimento perigoso e uma ameaça ideológica ao regime do NSDAP, o partido nazista. De maneira análoga ao nazismo, ela se apresentava como “uma doutrina transcendental que oferecia uma alternativa radical ao que viera antes” – sendo, portanto, uma ideologia rival a ser erradicada, explica Staudenmaier.

Apesar do banimento da Sociedade Antroposófica Geral em 1935, graças à visão ambivalente do NSDAP – aliada ao grande número dos antroposofistas e a seu grau de acomodação – o movimento sobreviveu à era nazista, reconstituindo-se após a Segunda Guerra Mundial.

Em torno do 100º aniversário de Steiner, em 30 de março de 1925, algumas organizações antroposóficas começaram a reconhecer e a se confrontar com os elementos discriminatórios na obra do mestre. Porém sua tendência é argumentar que eles são mal compreendidos e que não comprometem a mensagem universal.

E assim, Rudolf Steiner permanece um nome familiar na Alemanha, e a antroposofia, um movimento global – embora de nicho. Há 36 sociedades antroposóficas nacionais no mundo, contando cerca de 42 mil membros.

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