Ofensiva de Trump contra o Brasil: relembre vezes em que os EUA intervieram no país

A volta de Donald Trump à Casa Branca em 2025 tornou mais nítida a intenção norte-americana de impor medidas que ressoam no resto do globo. Em pouco mais de dois meses de mandato, o republicano já acumula declarações polêmicas e desagrada países vizinhos com anúncios de tarifas para produtos importados e deportações em massa.

Além das taxas aduaneiras impostas sobre Canadá, México e China, os EUA têm feito intimações diretas ao Brics (bloco do qual o Brasil faz parte). Trump ameaçou promover altas tarifas de importação aos estados-membros do grupo caso trocas comerciais fossem feitas com uma moeda própria em vez do dólar.

Atritos relacionados à regulamentação das redes sociais também ganharam destaque nos últimos tempos. Monopolizadas por conglomerados norte-americanos, as plataformas sociais foram alvo de questionamento por diversas nações que, desconfiando do código adotado por grandes empresários, propuseram normas próprias de atuação.

Segundo muitos países, incluindo o Brasil, a operação de aplicativos de internet sem obediência às regras particulares de cada território é uma forma de violar a democracia e soberania nacional. É evidente, porém, que essa postura não agradou às autoridades norte-americanas – e a desavença segue demonstrando a postura dos EUA em relação ao resto do mundo.

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Não é de hoje que os Estados Unidos cultivam o hábito de interferir na soberania de outras nações. Ao longo da história, o país realizou diversas intervenções de caráter imperialista, atingindo especialmente países de origem latina — como o Brasil.

Doutrina Monroe: dos EUA para o mundo

Para entender as origens da exploração estadunidense, é preciso voltar ao dia 2 de dezembro de 1823, quando o Presidente James Monroe – cujo nome batizou o programa – proclamou a “Doutrina Monroe”. A data marcou o início da política de expansão e influência do país no continente americano.

Uma vez com a independência conquistada, os EUA passaram a afastar as amarras impostas pelas potências europeias, que por muito tempo conduziram o país. Desse modo, a Doutrina Monroe estabeleceu que quaisquer intervenções europeias nas Américas fossem vistas como uma ameaça à segurança dos Estados Unidos, visando impedir a interferência dos países europeus na região.

Porém, o professor de Relações Internacionais da PUC-SP, Laerte Apolinário, ressalta que a política não serviu apenas para defender as jurisdições estadunidenses – mas principalmente para legitimar seu imperialismo contra outras nações.

Com as garras europeias longe de vista, a nova potência estadunidense encontrou seu lugar como reguladora das américas. Não à toa, o slogan adotado pela doutrina foi: “América para os americanos”.

“A doutrina serviu para justificar a futura expansão territorial e o fortalecimento da posição dos EUA como potência dominante na América. Em síntese, ela foi um pilar da política externa americana, moldando as relações interamericanas por décadas”, explica.

Além disso, Laerte frisa que a “mentalidade Monroe” ainda não desapareceu dos princípios norte-americanos, mesmo nos dias atuais.

“A ‘mentalidade Monroe’ ainda se faz presente, mas de forma adaptada aos desafios atuais. Enquanto a doutrina original visava conter a influência europeia, hoje os EUA focam na proteção de seus interesses estratégicos e econômicos em um cenário multipolar”, diz o professor.

Segundo o especialista, a conduta americana moderna passa a incluir tanto abordagens bilaterais quanto multilaterais – especialmente para contrabalançar a influência de potências emergentes, como a China.

“Essa adaptação mantém o espírito de preservar a esfera de influência e a segurança regional, mas com métodos que refletem a complexidade do jogo político global contemporâneo”, completa.

Segunda Revolta da Armada

A Segunda Revolta da Armada, ocorrida entre 1893 e 1894, foi um conflito armado envolvendo a Marinha Brasileira e o governo federal. O combate foi motivado por insatisfações com o governo de Floriano Peixoto, que se manteve no poder mesmo com a exigência de novas eleições. Os militares da Armada (nome pelo qual a Marinha era conhecida) desencadearam, então, um levante para demandar que o presidente obedecesse a Constituição.

Os marinheiros já passavam por longos períodos sem nenhuma participação política, além de enfrentarem péssimas condições de trabalho e salário. Assim, naquele momento, os revoltosos não queriam mais apenas reagir ao autoritarismo e descumprimento das leis, mas também almejavam competir pelo poder.

A intervenção dos Estados Unidos no conflito de seu logo após navios americanos serem atingidos por revoltosos – a quem os estadunidenses acusavam de serem monarquistas. Sob essas justificativas, os EUA enviaram tropas ao Brasil para que lutassem contra os integrantes da Armada.

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Conhecida como “esquadra legalista”, a frota naval foi significativa para o fim do combate, que terminou com a derrota dos rebeldes da Armada e a consolidação do governo de Floriano – algo que se alinhava aos interesses estrangeiros.

Governo JK

A gestão presidencial de Juscelino Kubitschek (1956-1961) foi marcada por uma relação de tensão com os Estados Unidos, especialmente pela intenção da Casa Branca em defender interesses que, muitas vezes, não harmonizavam com os planos brasileiros.

Preocupados em ampliar o domínio capitalista, os EUA atuavam fortemente para garantir que as nações ao redor do mundo não se alinhassem às políticas socialistas, que vinham ganhando força na época.

Durante o governo do americano Dwight Eisenhower (1953-1961), que coincidiu com o de JK, os Estados Unidos impediram deliberadamente a industrialização do Brasil por meio de articulações com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

O propósito era impossibilitar empréstimos que Juscelino necessitava para colocar em prática seu plano de industrializar o país. Desse modo, os brasileiros continuariam dependentes do mercado estrangeiro, sujeitos à exploração de patrimônio.

Documentos diplomáticos liberados pelos EUA mostram relatórios sobre a realidade política, econômica, social e cultural brasileira, além de informações sobre os recursos minerais do país latino.

Em vários deles, os norte-americanos expressam descontentamento com o monopólio do petróleo brasileiro nas mãos da Petrobras – já que tinham claras intenções empresariais de explorar o recurso no país.

Golpe de 1964: Operação Brother Sam

Um dos acontecimentos mais marcantes da história brasileira ocorreu em 1964, quando militares organizaram um golpe de estado contra o então presidente João Goulart, o Jango, e instauraram uma ditadura que durou mais de 20 anos.

O momento no Brasil coincidia com um contexto global conturbado, marcado pela Guerra Fria. Ou seja, um cenário de disputa entre Estados Unidos e União Soviética pela hegemonia política, ideológica e econômica no resto do mundo.

Jango foi eleito democraticamente e seus projetos incluíam mudanças de base, como reforma agrária, educacional, fiscal e tributária. Defendia também o direito do voto para analfabetos e militares de patentes menores.

Assim, mesmo que João Goulart nunca tenha se alinhado ao eixo socialista, suas medidas populares incomodavam militares mais conservadores – sem contar, é claro, com as autoridades norte-americanas, que temiam uma “guinada comunista” no país.

Com interesses aliados, os EUA protocolaram uma estratégia que ficou conhecida como “Operação Brother Sam”. A tática consistia no envio de ajuda bélica estadunidense aos militares brasileiros que pretendiam tirar Jango do poder.

Dessa forma, o governo americano autorizou o envio de 100 toneladas de armas leves e munições, uma esquadrilha de aviões de caça, um navio de transporte com 50 helicópteros e outros navios petroleiros ao Brasil – além de uma tripulação e armamento completo, porta-aviões e seis destróieres.

Apesar de parte dos componentes bélicos não terem sido usados, eles serviam para garantir que os golpistas não encontrassem resistência após a empreitada contra João Goulart.

Em março de 2025, a Casa Branca publicou uma série de documentos, até então sigilosos, que tratam da história política estadunidense. Entre os arquivos, há um relatório que se refere diretamente ao Brasil, em que o então presidente John F. Kennedy e seus conselheiros tecem críticas à Jango e alegam que “um golpe militar a certo ponto seria preferível a permitir que um país tão grande e poderoso como o Brasil caísse nas mãos da oposição”.

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Brasil: por que tão visado?

Mesmo que o Brasil tenha, historicamente, cultivado uma política externa que não desagrada os países ao redor do globo, as terras tupiniquins sempre estiveram no radar estrangeiro.

Não é uma surpresa que potências internacionais tenham interesse no Brasil, já que trata-se do quinto maior país do mundo, com um território abundante em recursos naturais e um imenso mercado consumidor.

O professor Laerte ainda pontua como a política brasileira é relevante no contexto mundial, já que exerce papel decisivo em temas globais, como meio ambiente e segurança. Ele explica que essas qualidades atraem olhares norte-americanos, que se mostram interessados na importância estratégica do Brasil como potência regional e econômica na América Latina.

“Essa postura também visa contrabalançar a influência de outras potências na região. A administração Trump tem enfatizado o apoio a movimentos e partidos de direita conservadora em nível internacional, buscando fortalecer aliados ideológicos que compartilham visões de mundo semelhantes”, comenta.

Além disso, quanto maior for a influência política dos EUA sobre o Brasil, maior é a garantia da presença econômica americana dentro do país.

“Paralelamente, há um foco na proteção dos interesses das empresas americanas no exterior, com destaque para as big techs, assegurando a manutenção da liderança tecnológica e econômica dos EUA no cenário global”, finaliza Laerte.

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