Programa de talentos “Under 15”, que seria exibido na TV da Coreia do Sul pretendia mostrar competição de meninas com menos de 15 anos que se vestiam, cantavam e dançavam de forma sensual.A produção do show de caça-talentos sul-coreano “Under 15” anunciou o cancelamento do programa após fortes críticas de sexualização das concorrentes, todas meninas menores de 15 anos. A reação de repúdio surgiu quando a emissora Maeil Broadcasting Network (MBN) passou a divulgar teasers da série, prevista inicialmente para estrear no fim de março.
A Crea Studio, produtora do programa, justificou a decisão em comunicado: “Após profunda consideração, decidimos que será melhor cancelar a transmissão agendada e focar em proteger as participantes e reorganizar o programa.”
“Daqui pra frente, faremos o nosso melhor para produzir o programa de uma forma que garanta que a essência do show não seja danificada, enquanto nos certificamos de que a sinceridade dos participantes seja devidamente transmitida”, acrescentou.
O programa foi propagandeado como uma “iniciativa de descoberta de prodígios do K-Pop” e seguiu de perto 59 meninas enquanto competiam para se tornar a próxima estrela dessa indústria bilionária.
“Promover artistas mais jovens não é, obviamente, algo novo na indústria do entretenimento”, disse Chuyun Oh, professora assistente de teoria da dança na Universidade Estadual de San Diego e autora do livro “K-Pop Dance”.
“Mas uma das razões pelas quais esse programa atraiu controvérsia é que ele usa explicitamente a idade das meninas, como o título sugere, como uma fonte de marketing”, disse à DW.
“A principal preocupação é que as participantes são menores de idade, mas suas danças, incluindo movimento, figurino, expressões faciais e assim por diante, são muito maduras, já que as meninas estariam replicando a coreografia dos grupos originais de meninas do K-Pop.”
O K-Pop frequentemente atrai críticas de alguns setores devido a letras ou danças muito sensuais. A estrela Jennie Kim, por exemplo, foi cancelada na Coreia do Sul após uma apresentação particularmente ousada na série da HBO “The Idol”.
“Enlatadas e vendidas”
“Under 15” foi além na sexualização de meninas na faixa etária de 12 a 15 anos ao destacar as idades das participantes em cartazes promocionais com um design de código de barras, o que reforça a ideia de objetificação dessas adolescentes.
“Não é apenas a sexualização dessas meninas que está causando problemas, mas a ideia de que elas são produtos sendo enlatadas e vendidas”, afirmou David Tizzard, professor assistente de educação na Universidade Feminina de Seul e colunista de um jornal coreano focado em temas sociais.
“Quando são adultos que estão sendo embalados dessa forma, o problema é menor”, acrescentou. “Mas como elas são jovens, isso é muito mais sensível”, afirmou à DW.
Ele enfatiza, no entanto, que não se trata de um tema novo, na Coreia do Sul e no resto do mundo.
“BoA, conhecida como ‘Rainha do K-Pop’, tinha 13 anos quando começou. Mas quantos anos tinha Michael Jackson quando começou a se apresentar? Ou Britney Spears?”, questiona.
“É possível argumentar que vivemos numa sociedade que é um paradoxo de liberdade ao mesmo tempo em que é hiper moralista.”
Prejuízo à saúde mental
Tizzard aponta que a reação do público foi particularmente forte devido a um escândalo recente no mundo do K-Pop.
No início de março, a mídia sul-coreana publicou a denúncia de que o ator Kim Soo-hyun, de 37 anos, se relacionou com a atriz Kim Sae-ron quando ela tinha 15 anos, portanto ainda menor de idade. Kim Sae-ron, considerada um dos talentos mais promissores da Coreia do Sul, morreu por suicídio em fevereiro, aos 24 anos.
Seus pais tornaram públicas as acusações de que Kim Soo-hyun havia aliciado sua filha, desencadeando uma forte reação contra o ator, até então muito popular.
O ator concedeu uma entrevista coletiva emocionado na segunda-feira em que confirmou que os dois namoraram, com a ressalva de que o relacionamento só começou depois que Kim Sae-ron se tornou legalmente adulta.
“Não posso admitir algo que não fiz”, disse Kim às dezenas de jornalistas reunidos em Seul. “Sinto muito que ela não possa descansar em paz.”
“As pessoas estão agora super sensíveis em relação a meninas menores de idade na indústria do K-Pop”, afirmou Tizzard, o que coloca a reação à série “Under 15” num contexto maior.
Ele não tem dúvida, contudo, de que sempre haverá demanda por um rosto novo na cena do K-Pop e que a indústria vai se mexer para atender a esse desejo.
“Como todos podem imaginar, a indústria do entretenimento, da moda ao cinema, é fascinada pela juventude”, disse a professora Chuyun Oh. “O K-Pop não é exceção, já que quanto mais jovens, mais jovens seus corpos são. E como o K-Pop é impulsionado por apresentações de dança, uma atividade física, a juventude desempenha um papel ainda mais significativo em aumentar o charme dos artistas e, portanto, seu valor comercial no mercado capitalista.”