
Entre as violações mais comuns no ambiente digital estão a chantagem com fotos íntimas, indução à automutilação, estupro virtual e incitação ao suicídio. O Fantástico deste domingo (6) como a polícia protege as vítimas e leva os agressores à Justiça. Veja iniciativas que monitoram a internet para evitar abusos contra crianças e adolescentes
Policiais e promotores de diferentes regiões do país estão se infiltrando em comunidades online — especialmente no Discord — para combater crimes brutais contra menores de idade. Entre as violações mais comuns estão a chantagem com fotos íntimas, indução à automutilação, estupro virtual e incitação ao suicídio.
O Fantástico deste domingo (6) mostrou como essas operações vêm sendo conduzidas para proteger as vítimas, alertar os pais e levar os agressores à Justiça (veja no vídeo acima).
Em 2023, a reportagem já havia mostrado que crimes estavam sendo praticados no Discord.
Simulação mostra homem digitando no celular
Reprodução/TV Globo
Intervenção que pode salvar vidas
Em uma sala dentro da Secretaria de Segurança Pública, policiais civis monitoram grupos criminosos e, em muitos casos, chegam aos envolvidos quando o crime estava prestes a acontecer – como em um caso de estupro virtual descrito por um dos investigadores.
“A gente tava infiltrado e houve a explanação de uma menina, e a partir de então a gente começou monitorar a vítima e conseguimos chegar no endereço da mãe. Eu mesmo peguei o telefone, liguei para mãe e a mãe não acreditou”, conta Lisandra Salvariego Colabuono, delegada de polícia.
“Ela disse ‘não tem nada de errado aqui na minha casa’ e eu disse: tem sim, a senhora vai até o quarto da sua filha, sua filha não está dormindo, sua filha vai ser vítima de um estupro virtual”.
Os agentes trabalham dia e noite infiltrados nas comunidades no Discord e em outras redes. E também recebem denúncias de ativistas. O núcleo existe desde novembro de 2024.
“O nosso monitoramento é totalmente passivo, nós funcionamos como observadores digitais”, conta Lisandra Salvariego Colabuono. “Hoje nós temos 92 vítimas de violência salvas. São vítimas que foram agraciadas com o poder de polícia, com a intervenção do estado.”
A delegada conta, ainda que recentemente a equipe conseguiu impedir um caso de suicídio da mesma forma, ao vivo: “A gente acionou o corpo de bombeiros e a polícia militar”.
Prisão de abusadores
Em novembro, a polícia fez uma operação contra um destes grupos prendeu dois maiores e apreendeu quatro menores de idade. Um dos presos, o soldado do exército Luíz Alexandre de Oliveira Lessa, que se intitulava o ‘Hitler da Bahia’. Eles são investigados por aliciar e assediar crianças e adolescentes, pornografia infantil, induzir a automutilação e suicídio, e organização criminosa, entre outros crimes.
Um dos presos, o soldado do exército Luíz Alexandre de Oliveira Lessa, que se intitulava o ‘Hitler da Bahia’
Reprodução/TV Globo
A defesa de Luíz Alexandre nega veementemente as acusações e diz que ele tem total disposição de colaborar com as autoridades. Já o exército informou que Luíz sofreu diversas punições disciplinares enquanto esteve na corporação e foi excluído do serviço em janeiro.
Discord investigado
Os próprios responsáveis pela plataforma Discord também estão sendo investigados.
“Em tempo real, uma tortura psicológica. Pedimos para que derrubasse a live que acabaria com esse crime. Eles negaram uma vez alegando que não era um caso de gravidade”, conta Guilherme Derrite, secretário de segurança.
“É inadmissível que uma plataforma não colabore com as autoridades policiais para que um crime seja cessado”, diz.
Em nota, o Discord disse que as ações horríveis dos grupos investigados nessa operação não têm espaço na plataforma e que conta com equipes especializadas dedicadas a combater esse tipo de grupo criminoso.
As denúncias contra conteúdo criminoso no Discord aumentaram 272% no primeiro trimestre deste ano em comparação com o mesmo período do ano passado.
“Eles evoluíram em alguns pontos, no que diz respeito, por exemplo, à detecção de imagens de abuso sexual infantil. Eles usam algoritmos de detecção automática para remover estes conteúdos. Houve um avanço no que diz respeito à cooperação com autoridades, mas isso se limita ao pós-fato,”, explica Thiago Correa Tavares, presidente da Sefernet Brasil e professor de Direito de Tecnologia. “Quando a plataforma começou a atuar no Brasil eles sequer tinham um canal para as autoridades requisitarem este tipo de dado. Isso foi criado depois das duas matérias do Fantástico”, conta.
Denúncias contra o Discord cresceram
Reprodução/TV Globo
O que leva à radicalização de jovens na internet?
“A radicalização dá a eles um sentido de vida ou de morte que até, então, eles não tinham”. O alerta vem do procurador que coordena o Núcleo de Prevenção à Violência Extrema, fundado há um ano pelo Ministério Público Gaúcho, Fábio Costa Pereira.
“Este sujeito vai deixando uma série de rastros, uma série de sinais”, explica.
De acordo com o projeto, há três causas principais para o isolamento e a radicalização dos adolescentes: o excesso de exposição às telas, problemas nas famílias e o bullying.
Desde que o núcleo foi criado, há pouco mais de um ano, já foram identificados 178 adolescentes e jovens com tendência à radicalização ou à violência extrema aqui no Rio Grande do Sul.
Uma jovem do interior gaúcho relata a saída para o isolamento e o bullying foi ficar fechada em seu quarto com a tecnologia:
“Antes, quando eu era menor, eram só piadinhas, com o tempo começou a ir pra agressões físicas, abusos, roubos, estragavam minhas coisas”.
“Era como se fosse uma família muito grande, que entendia tudo que eu falava, sabe? Induziam a automutilação. Induziam a maus-tratos. Induziam a pornografia”, conta a jovem.
A mãe percebeu que algo estava errado. “E eu perguntava, mas o que é que está havendo? E ela dizia nada e não contava. Só que eu não tinha noção de que as coisas que ela estava passando não era só bullying, era assédio, era tortura”, diz a a responsável, em anonimato.
O Ministério Público chegou a esse caso quando passou a monitorar as redes sociais de um jovem, que fazia apologia à violência na internet, com quem ela falava. A promotoria descobriu ainda que um pedófilo também mantinha contato com ela. Os dois assediavam a vítima e foram presos.
A jovem foi acolhida e segue sendo monitorada pelo Ministério Público. Ela se reaproximou da família e, atualmente, aos 18 anos, faz faculdade de psicologia.
Como os pais podem ajudar na experiência digital dos filhos
💡 Converse com frequência
Reserve ao menos um momento por semana para dialogar com seu filho sobre o que ele vê e por onde circula na internet.
“A primeira forma de você se certificar de que seus filhos estão vivendo uma experiência virtual segura, saudável, é você dialogar com seu filho. É você ter pelo menos uma vez na semana uma conversa mínima que seja, para você saber o que é que ele vê, por onde ele circula”, explica Hugo Monteiro Ferreira, professor do Departamento de Educação da Universidade Federal Rural de Pernambuco.
💡 Reforce cuidados com estranhos no ambiente virtual
Ensine seus filhos a não interagir com desconhecidos online, da mesma forma que faria no mundo real.
“A gente tem, inclusive, o hábito de dizer, não converse com estranhos. Essa mesma lógica se aplica para a plataforma Discord, para qualquer relação virtual”, diz o especialista.
💡Respeite os limites de idade para uso de telas
Siga as recomendações médicas sobre o uso de dispositivos por crianças e adolescentes.
“Criança até 7 anos não deve utilizar telas. Essa é uma orientação da Associação Brasileira de Pediatria há muito tempo. Dos 7 aos 13 anos, por exemplo, usar para funções pedagógicas, usar com bastante acompanhamento, sem deixar que seu filho ou sua filha passem a viver uma experiência contínua com as telas. Eu sugiro que liberar mesmo a partir dos 16 anos. Mas liberar mesmo, nesse caso, não significa liberar para tudo”, explica Hugo Monteiro Ferreira.
Falta de regulamentação das redes sociais
No Brasil, um projeto de lei que nasceu no Senado com o objetivo de regulamentar as redes sociais enfrentou forte oposição e acabou engavetado na Câmara dos Deputados em abril do ano passado. Agora, o governo federal pretende apresentar uma nova proposta nos próximos meses.
Enquanto não há uma legislação que obrigue as plataformas a agir de forma mais incisiva, o trabalho de proteger crianças e adolescentes na internet recai sobre as famílias e as autoridades.
Um exemplo é o caso de uma menina de apenas 12 anos, resgatada pela polícia de São Paulo enquanto era vítima de um estupro virtual. “Tia, sério, você é um anjo na minha vida. Se não fosse você, eu ainda estaria sofrendo tudo que eu sofria na web e não ia conseguir sair daquele inferno”, disse a garota à delegada responsável pelo caso.
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